Um exemplo vivo


Com seriedade, serenidade, determinação e confiança travámos a importante batalha das eleições legislativas. Fizemo-lo num quadro particularmente difícil e tendo como pano de fundo um mar de profecias que, estribadas no decretado «declínio irreversível do PCP», nos condenavam a um inevitável afundamento eleitoral. As efectivas perdas eleitorais dos últimos dezasseis anos, avaliadas pelos que as difundiam e se congratulavam com elas não a partir de uma análise minimamente séria e rigorosa da realidade mas essencialmente na base dos seus desejos, enfeitavam o cenário aparentemente propício ao ansiado afundamento. Aos profetas do fim eleitoral do PCP, cegos e surdos por dever de profissão à realidade concreta que é este Partido, passou despercebida a postura assumida pelos comunistas nesses dezasseis anos, nomeadamente a sua determinação resistente, a sua persistência na luta pela defesa dos interesses dos trabalhadores, do povo e do país; a sua vinculação permanente às grandes causas democráticas e de esquerda; a sua intervenção responsável, construtiva, séria e firme na Assembleia da República, no Parlamento Europeu, nas Autarquias Locais. Ou seja: ao decreto do «declínio irreversível do PCP» respondemos com a resistência e a luta e acabámos por demonstrar que, também no plano eleitoral, não há «declínio irreversível» se um partido comunista se mantém fiel aos seus ideais, aos seus valores essenciais, aos seus princípios, à sua natureza de classe. E, verificado o veredicto popular na noite de 10 de Outubro, a verdade impôs-se inequívoca e incontornável.
E foi com grande e natural alegria que festejámos os resultados obtidos, resultados que entendemos como um promissor sinal de inversão de uma tendência negativa que há vários anos se verificava.

Esta alegria foi, súbita e inesperadamente, interrompida pela notícia da morte do camarada Luís Sá. Notícia violenta, brutal, daquelas em que começamos por não acreditar, depois passamos a não querer acreditar e, finalmente, acreditamos sem querer acreditar. A tristeza, a amargura, a dor – de dimensão impossível de traduzir em palavras - sentidas profundamente por todos nós face a esta terrível ocorrência, marcaram-nos indelévelmente. De facto, estamos habituados a lutar contra injustiças visíveis, localizadas, tangíveis – que vencemos ou nos vencem nas múltiplas batalhas que travamos; mas não sabemos mover-nos neste espaço cerrado da injustiça evidente mas inexorável, brutal mas consumada e onde desde o primeiro momento estamos inexorávelmente vencidos.
«O Luís deixa-nos na força da vida, na plena maturidade das suas capacidades, saberes e experiências, quando connosco acabava de, empenhada e entusiásticamente, participar numa importante batalha cívica e política – as eleições – para cujo positivo resultado muito contribuiu. E quando, para enfrentar as tarefas e desafios do nosso país e do nosso tempo, muito havia a esperar da sua contribuição enquanto comunista e destacado dirigente do Partido, enquanto cidadão empenhado, enquanto intelectual prestigiado e respeitado» - afirmou Carlos Carvalhas na comovida e comovente intervenção proferida no funeral de Luís Sá – assim sintetizando exemplarmente o pensamento não só de todo o colectivo partidário mas também de muitas e muitas pessoas que, não sendo comunistas, tinham pelo Luís uma muito grande admiração e respeito e amizade e, por isso, juntaram à nossa a sua dor nestes momentos de profunda tristeza.

A vida de Luís Sá, nos últimos 25 anos, está indissoluvelmente ligada à vida e à actividade do Partido Comunista Português. A sua militância intensa, dedicada, qualificada, esteve presente e marcou impressivamente todos os momentos da intervenção do Partido no decorrer deste quarto de século de lutas exaltantes, de vitórias e de derrotas, de sonhos concretizados e de sonhos desfeitos – mas em que, fosse qual fosse a situação vivida, permanecia viva e de pé a confiança no futuro; permaneciam vivos e sempre actuais os ideais comunistas, os valores, os princípios, as características essenciais que constituem, ao fim e ao cabo, a fonte de força fundamental do PCP.
Indispensável é sublinhar e destacar devidamente, nessa múltipla e muito rica intervenção militante de Luís Sá, o valiosissimo contributo que ele, qual operário em construção, deu para a edificação do Poder Local Democrático – importante conquista da Revolução de Abril e, por isso mesmo, componente indispensável da democracia avançada à qual o Luís dedicou muito da sua vida e pela qual lutou com toda a sua inteligência, com todo o seu saber, com todo o seu entusiasmo, com toda a sua tenacidade. É generalizadamente reconhecido e por isso incontestável que o nome e a intervenção de Luís Sá estão e ficam para sempre ligados ao que de melhor, mais positivo, mais avançado, mais democrático existe no conteúdo do nosso Poder Local Democrático.
Para além de tudo isso, a sua postura de homem solidário, generoso, inteligente, fraterno – e sempre disponível para oferecer aos seus camaradas, aos seus amigos, a toda a gente, a expressão concreta dessa qualidades – permanecerá perenemente nas memórias de todos os que tiveram o privilégio de o conhecer e com ele conviver.

Foi tudo isso que, logo que conhecida a terrível notícia da morte de Luís Sá, fez acorrer uma multidão de pessoas – militantes e simpatizantes comunistas e homens e mulheres de todas as condições e das mais diversas opções políticas e ideológicas – quer à capela da Igreja de S. Vicente de Fora quer ao cemitério de S. Paio de Antas. E que, nessa derradeira homenagem, quiseram deixar expresso que, como Carlos Carvalhas viria a afirmar, «com a morte prematura de Luís Sá, o PCP perde um dos seus mais qualificados, promissores e destacados militantes e a democracia portuguesa perde um dos seus empenhados construtores». Com efeito, pelo seu exemplo de militância, pela sua prática vivencial, pela qualidade e quantidade da multifacetada obra que produziu, Luís Sá foi um semeador do futuro e lega-nos um testemunho que nos coloca a imperativa responsabilidade de dar continuidade entusiástica à luta que, com ele, travámos nestes últimos 25 anos, de prosseguirmos a nossa caminhada por este «caminho áspero mas esperançoso» por que optámos, de respondermos a este «grande desafio colectivo de transformar a vida e o mundo e de construir um futuro melhor para o povo português».
Com o exemplo do Luís bem vivo nas nossas memórias, a luta continua.


«Avante!» Nº 1351 - 21.Outubro.1999