Ensaios nucleares
Senado americano
rejeita ratificação do tratado


A recusa do Senado norte-americano em ratificar o tratado de interdição total de ensaios nucleares, na quinta-feira passada, é uma decisão para consumo interno que testemunha antes do mais até que ponto estão dispostos a ir os republicanos na sua confrontação com os democratas para capitalizarem votos nas eleições presidenciais e legislativas de 2000.

Por 51 votos contra 48 e uma abstenção, a maioria republicana desautorizou Clinton, o primeiro chefe de Estado a assinar o tratado em 1996, pondo fim às suas pretensões de passar à História como um dos obreiros do desarmamento à escala mundial. Foi a primeira vez desde 1920 que o Senado, a quem cabe ratificar todos os acordos internacionais dos EUA, votou contra uma iniciativa presidencial deste alcance. Os dois casos anteriores foram a rejeição do Tratado de Versalhes, que pôs termo à I Guerra Mundial, e a criação da Sociedade das Nações dele resultante.
Em termos práticos, a rejeição não terá qualquer consequência sobre os ensaios nucleares norte-americanos, já que os EUA dispõem de capacidade técnica para aperfeiçoar e renovar este tipo de armamento a partir de testes em laboratório, e observam uma moratória em relação aos ensaios reais. Importa sublinhar, de resto, que foi só depois de os EUA terem atingido esse nível de desenvolvimento que a administração Clinton ergueu a bandeira da proibição total dos ensaios nucleares reais, o que impediria os outros países de desenvolver o seu próprio armamento nuclear.
Contrários a todo o tipo de tratados internacionais que exijam «concessões» por parte dos EUA, os republicanos negam a evidência de que, se há uma potência nuclear que pode ratificar o tratado sem ficar limitada nas investigações, é justamente a América.
De facto, os EUA, que realizaram desde 1945 mais de 1.000 ensaios nucleares reais, tanto a céu aberto como subterrâneos e submarinos, são o único país que em duas ocasiões utilizou a bomba atómica; o que dispõe de um arsenal nuclear esmagador, com 6.000 ogivas nucleares operacionais; e o que conta, desde o início da década de 90, com a tecnologia e os meios económicos necessários para simular ensaios em computador. Nenhum outro país, incluindo as outras quatro potências nucleares declaradas (Reino Unido, França, Rússia e China) dispõe de condições idênticas às dos EUA.

Retrocesso

A decisão da maioria republicana do Senado surge assim como um meio de «embaraçar o presidente e os democratas», na opinião do presidente do grupo democrata, Tom Daschle, e remete para o limbo a eventual entrada em vigor da proibição total de ensaios nucleares reais.
Recorda-se que as cinco potências nucleares declaradas assinaram o tratado em 24 de Setembro de 1996, em Nova Iorque, e que de então para cá já outros 154 países subscreveram o texto. No entanto, o tratado não poderá entrar em vigor sem que os 44 Estados que dispõem de armamento nuclear o ratifiquem. Até à data, apenas 26 desses 44 procederam à ratificação, e dos «cinco» só dois o fizeram (Reino Unido e França). Israel, que não aceita ser considerado uma potência nuclear, assinou o tratado mas não o ratificou, enquanto a Índia e o Paquistão, que no ano passado se juntaram ao «clube nuclear», nem sequer o assinaram. A Índia afirma-se contrária a este tratado, que acusa de ter como objectivo manter o status quo existente em matéria de armamento nuclear, e defende um outro que vise eliminar por completo este tipo de armamento. Uma proposta sem receptividade das grandes potências, naturalmente.
Seja como for, a decisão do Senado norte-americano representa um retrocesso em matéria de desarmamento, já que afectará não só a credibilidade dos EUA neste domínio, como deixa aberto o caminho aos que aspiram entrar para o «clube nuclear», o que se poderá traduzir numa nova escalada na corrida aos armamentos.


«Avante!» Nº 1351 - 21.Outubro.1999