Uma base de confiança para o futuro

Por JERÓNIMO DE SOUSA
Membro da Comissão Política


OS RESULTADOS das eleições legislativas onde o PCP, com os seus aliados, aumentou a percentagem de votos, alcançou mais dois deputados e passou de quarta a terceira força parlamentar, para além da satisfação natural dos comunistas e dos democratas que trabalharam e votaram na CDU, constituíram um factor de surpresa para os apressados vaticinadores do "definhamento irreversível do PCP".


Confundindo desejos com a realidade, todos aqueles que andam há um ror de anos com a certidão de óbito no bolso tinham cimentado a ideia de que "agora é que é", com base na conjuntura política e económica favorável ao Governo PS e nos apoios que este dispunha por parte do capital e dos grandes meios de comunicação social.
Sustentavam ainda as suas profecias no facto do PS ter deslocado, antes e durante a campanha eleitoral, meios colossais para as zonas de influência do PCP, num escandaloso abuso do poder e dos dinheiros dos contribuintes, inaugurando, programando e propagandeando planos e projectos nitidamente alinhados com o calendário e objectivos eleitorais do PS. Sentenciosamente, a uma semana das eleições, o Jornal Expresso dava aí, quando muito, 8 deputados à CDU. O que é que escapa a esta gente?
É que não concebem nem admitem que este Partido, pelo seu projecto, pela sua natureza, pelas suas propostas e pela sua luta, continua profundamente ligado à vida e identificado com as grandes causas democráticas, com as aspirações e interesses dos trabalhadores e de outros sectores e camadas sociais.
Uma ligação à vida que se expressa na bancada parlamentar comunista pelo trabalho e propostas de grande valor e que complementam a acção e a intervenção quotidiana e a iniciativa política do PCP.
Naturalmente, e por razões da sua própria natureza, os trabalhadores e os seus direitos mereceram por parte do Partido um empenhamento mais destacado. Porque também foram eles os mais fustigados pela política do Governo PS.
Não foi a preocupação eleitoral que levou o PCP a propor a redução do horário de trabalho para as 40 horas e, simultaneamente, a dar combate aos objectivos do Governo em eliminar as pausas no tempo de trabalho efectivo, a alertar os trabalhadores e a mobilizá-los para a luta notável dirigida pela CGTP-IN contra o pacote laboral, a tomar iniciativa pelo fim da discriminação salarial dos jovens trabalhadores. Porventura não deu muitos votos ao PCP a sua proposta de alteração ao Orçamento de Estado que permitiu significativos benefícios no IRS para 700 mil famílias, na sua maioria trabalhadores com menos rendimentos, ou ter sido a única força parlamentar a propor melhores salários e carreiras para os trabalhadores da Administração Pública. Não vimos mais ninguém a não ser o PCP e o movimento sindical na luta contra os despedimentos na Grundig, nos Cabos d’Ávila, na ex-Renault, na defesa do sector público e dos serviços públicos, dos interesses dos trabalhadores, lá nas empresas dos transportes, da energia, das comunicações, das celuloses.
O PCP não contabilizou ganhos eleitorais, não calculou o grau de iniciativa e solidariedade quando se tratou de defender os direitos das dezenas de trabalhadores do Chiado e o direito a horários dignos das centenas de milhar de trabalhadores têxteis. Tinha o PCP consciência que não dispunha de grande influência eleitoral no seio dos pescadores do arrasto e, no entanto, foi quem mais se identificou com a sua luta e as suas reivindicações.
Quantas vezes os treze deputados e também os três deputados europeus, com sacrifício do seu tempo e do seu descanso, não se deslocaram às empresas, aos locais de trabalho, para conhecer a situação, prestar solidariedade e elaborar o requerimento, a intervenção, a recomendação, elaborar o projecto-lei com conhecimento de causa. Que lição não deram essas centenas de funcionários e quadros do Partido nas campanhas nacionais contra o pacote laboral, conhecendo e esclarecendo o significado da alteração à lei das férias, do conceito de retribuição, a proposta de trabalho a tempo parcial, de forma bem mais capaz que muitos encartados em direito do trabalho.
A votação dos trabalhadores na CDU expressará porventura todo este trabalho, empenhamento e generosidade, esta luta dos comunistas? Sem dúvida que a eleição de mais um deputados em Setúbal e a reconquista do mandato em Braga resulta muito dessa acção e intervenção persistente junto dos trabalhadores.
Mas cá no íntimo haveremos de pensar que o PCP e a CDU mereciam mais. Que centenas de milhar de trabalhadores dão-nos razão mas não o voto; às vezes por motivo do preconceito. Centenas de milhar de trabalhadores que na próxima legislatura, se forem confrontados com problemas, se estiverem em causa os seus direitos, reclamarão do PCP a sua acção e a sua intervenção. A contradição existente explica-se porque apesar dos diferentes graus de consciência social, política e eleitoral e dos condicionamentos ideológicos, este Partido é identificado e entendido como Partido dos trabalhadores. Que esteve lá na empresa quando não havia campanha eleitoral, que falou dos trabalhadores na tribuna parlamentar quando os outros calaram ou se comprometeram com os interesses do capital.
E quando já na campanha para as legislativas ali fomos à Tabaqueira, contactar a comissão de trabalhadores, um dos jovens que teria votado anteriormente no PS, constatava o facto de João Cravinho e a Presidente da Câmara de Sintra terem visitado tão-só a Administração da empresa, ao contrário do PCP, que ali estava com eles a discutir problemas concretos da flexibilidade e da polivalência, lembrando-se que já nos conhecíamos lá da reunião com a Coordenadora das Comissões de Trabalhadores. Como afirmava aquele trabalhador da Carris: "vocês são os únicos que merecem estar aqui porque vieram cá antes, quando precisávamos".
Reduzir este património de prestígio e a influência do PCP junto dos trabalhadores a uma leitura instrumental da sua opção em cada acto eleitoral, porque fomos quem mais lutou por eles, mais e melhores propostas apresentou, mais combates travou pelos seus direitos (logo devem votar no PCP), seria subestimar que fazemos isso porque é intrínseco à natureza deste Partido e constitui pedra angular do seu projecto transformador.
Os resultados eleitorais de 10 de Outubro, não resolvendo dificuldades e deficiências do nosso colectivo partidário, constitui um acontecimento que nos deu mais ânimo e confiança para o futuro, criando condições para reunir vontades novas e renovadas em torno do reforço da organização, da intervenção e iniciativa política do Partido.
Falamos dos trabalhadores. Do Partido dos trabalhadores. Não se referiu aqui tantas lutas de outros sectores e camadas sociais, da contribuição inestimável e militante de homens e mulheres da cultura, das artes e dos saberes que porventura teriam a sua vida material e meios de realização pessoal e intelectual mais facilitados se aceitassem a conjuntura com conformismo, se estivessem "do lado de lá" ou com o poder de circunstância. Se eles soubessem do sentimento de admiração fraternal de tantos operários e trabalhadores, quando lá na empresa distribuímos o papel com o nome dos candidatos e apoiantes, sentiriam que vale a pena estar cá e prosseguir, no tempo que for preciso, outros combates que temos por diante.

É com esta dimensão que tu, Luís, serás lembrado! Pelo que fizeste pelos trabalhadores, pelas grandes causas democráticas, por este Partido.


«Avante!» Nº 1351 - 21.Outubro.1999