«Valorizar o trabalho, dignificar os trabalhadores»
A CGTP-IN divulgou segunda-feira aos jornalistas os principais documentos preparatórios do seu próximo congresso, marcado para 10 e 11 de Dezembro, na antiga FIL (Centro de Congressos de Lisboa), e que deverá contar com a participação de um milhar de delegados.
Tendo por lema «Valorizar o trabalho, dignificar os trabalhadores», o congresso vai estar, a partir de agora, no centro das atenções dos sindicalistas. Antes do verão, o Conselho Nacional já havia aprovado o regulamento, bem como a data, o local e o lema. Na semana passada, o órgão dirigente da CGTP aprovou o projecto de Programa de Acção (de que aqui reproduzimos alguns excertos) e propostas de alterações aos Estatutos.
Ao apresentar os documentos que vão servir de base à discussão na reunião magna da Intersindical Nacional, Carvalho da Silva solicitou a atenção da comunicação social para que, a partir de agora, se alargue e aprofunde a divulgação e debate das apreciações e propostas explanadas ao longo de duas centenas de páginas.
Ao Programa de Acção para os próximos 4 anos (nos estatutos propõe-se que passe a ser esta a duração normal dos mandatos no movimento sindical unitário) deverão juntar-se ainda 4 resoluções, informou o coordenador da CGTP: uma sintetizando as reivindicações «mais ou menos imediatas», outra sobre a reforma fiscal (classificada como «a mãe de todas as reformas», uma terceira sobre políticas de emprego, e, por fim, os problemas relacionados com o Estado, a Administração Pública, a cidadania, os serviços públicos e as privatizações.
No encontro com os jornalistas, Carvalho da Silva – que estava acompanhado por Américo Nunes, Carlos Trindade, Maria do Carmo Tavares e Ulisses Garrido, membros da Comissão Executiva da Inter – esclareceu que um capítulo do Programa de Acção resultou do estudo sobre a situação do emprego, apresentado na Conferência Nacional sobre Organização, enquanto o conceito de precariedade deverá continuar a ser analisado no trimestre após o congresso.
Na preparação do congresso a central procura também «abrir uma reflexão» sobre os temas internacionais. Carvalho da Silva destacou ainda o propósito de conseguir «um salto qualitativo na acção reivindicativa».
Comentando as alterações propostas aos Estatutos, o sindicalista considerou que o facto de o coordenador passar a ser designado como secretário-geral corresponde apenas a uma aproximação ao léxico mais usual, designadamente nas organizações sindicais europeias e internacionais, sem implicar quaisquer alterações nas funções ou no conteúdo do cargo.
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A culpa é da globalização?
«A globalização é um conceito controverso, já que o
espaço económico internacional é profundamente hierarquizado, com os EUA, a
UE e o Japão a concentrarem o grosso das actividades económicas, ao mesmo
tempo que se agravam os desequilíbrios mundiais na distribuição do rendimento
e da riqueza, com continentes inteiros marginalizados. Daí que a CGTP-IN desde
sempre se tenha batido por uma ordem mundial mais justa equilibrada, que promova
o desenvolvimento e reduza as grandes diferenças de nível de vida entre
países do Norte e do Sul, que criam injustiças e são um dos principais
factores da conflitualidade na actualidade.
«A globalização tem sido invocada para explicar um elevado e persistente
desemprego nos países da UE. Não é, no entanto, claro que o comércio com os
países do Terceiro Mundo, bem como o investimento externo, constituam as causas
do desemprego, devendo antes ser consideradas a natureza das políticas
macroeconómicas seguidas, endurecidas no quadro da transição para a moeda
única, e, em particular, os efeitos no emprego do nível da procura global e do
nível de investimento.
«Uma maior integração das economias no mundo dá hoje uma maior actualidade
ao problema da existência de normas mínimas de trabalho a nível universal.
Tais normas mínimas desenvolveram-se sobretudo no âmbito da OIT. Discute-se
também a inclusão de cláusulas sociais nos acordos de comércio
internacional.
«A CGTP-IN defende a valorização do papel da OIT e das normas internacionais
de trabalho, incluindo as normas fundamentais. Existe um importante corpo
legislativo, mas que muitos países ignoram, incluindo os países mais
desenvolvidos, de que é exemplo gritante o dos Estados Unidos. Daí a
importância de obter compromissos e decisões concretas e efectivas a nível
mundial e também a nível comunitário sobre a ratificação, o cumprimento e a
eficácia destas convenções.
«A CGTP-IN defende também o desenvolvimento do comércio na base de
introdução de regras para uma competição leal que promova um desenvolvimento
equilibrada a nível mundial e respeite normas ambientais e sociais,
particularmente por uma cláusula social nos acordos de comércio internacional,
na base das Convenções fundamentais da OIT.»
(A globalização e os problemas do emprego, ponto IV.2.3.)
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Novas tecnologias
velhas ameaças
«Os conteúdos do trabalho têm-se vindo a modificar em
resultado de evoluções nas estruturas produtivas, da introdução de novas
tecnologias e de novas formas de organização do trabalho. Nas últimas
décadas, verificou-se uma forte quebra dos empregos agrícolas, aliada a uma
perda relativa do emprego industrial, a favor de actividades de serviços. Por
outro lado, intensificou-se a concorrência entre as empresas, a pressão sobre
os custos de trabalho e ganharam força na sociedade os valores da
competitividade.
«Uma das consequências principais destas evoluções foi a deslocação dos
empregos para actividades com uma carga nervosa mais acentuada, ainda que se
mantenha o trabalho que requer um maior esforço físico. Por outro lado,
observam-se tendências para a intensificação do trabalho, derivada da maior
concorrência entre as empresas e da redução dos efectivos (políticas de
"racionalização").
«Daqui resultou um forte agravamento do nível de stress no trabalho,
que já não é característico de determinadas categorias profissionais ou de
funções profissionais com maiores exigências de responsabilidade, mas que é
praticamente inerente a todas as profissões, apresentando um carácter
estrutural ou endémico, cujas consequências estão longe de estar avaliadas,
quanto mais combatidas.
«A organização do trabalho está cada vez mais condicionada à
competitividade. A amortização rápida dos equipamentos está a conduzir ao
aumento do trabalho por turnos e nocturnos; os horários de trabalho estão cada
vez mais sujeitos às flutuações da actividade das empresas ou dos serviços;
a flexibilidade funcional é cada vez mais um meio de redução de custos com o
pessoal; a precariedade de emprego leva a que os trabalhadores aceitem trabalho
sem direitos e com condições de trabalho regressivas. O princípio de que a
organização do trabalho se deve subordinar às necessidades das pessoas é
ignorado.
«A introdução de novas tecnologias tem também um profundo impacto sobre o
emprego e sobre o conteúdo e as condições de trabalho: reorganizações
produtivas, alterações no conteúdo das profissões, nos condições de
trabalho, nos horários, etc. Tais impactos não são tecnologicamente
determinados, porque dependem de escolhas sociais. Por isso, a CGTP-IN defende
um maior papel da convenção colectiva e da lei na regulação social, em
particular: nas consequências das reestruturações; na protecção da saúde
no trabalho; na direito à formação contínua; na fixação dos horários de
trabalho; no trabalho com écrans de visualização com a fixação de pausas ou
mudanças de actividade por forma a reduzir a pressão do trabalho com o visor.
«Um problema particular respeita à protecção dos dados pessoais dos
trabalhadores, cujo tratamento deve obedecer aos limites e condições impostas
pela Constituição e pela lei. São, em princípio, abusivas quaisquer formas
de recolha, tratamento e utilização de dados pessoais dos trabalhadores no
interior das empresas, incluindo a vigilância electrónica, cuja finalidade
exceda as necessidades de processamento de remunerações ou outros
procedimentos administrativos de mera gestão dos serviços, sobretudo se forem
susceptíveis de violar o princípio da proibição do tratamento de dados
sensíveis (convicções políticas ou religiosas, origem étnica ou racial,
vida privada, saúde).»
(Organização do trabalho e o impacto das novas tecnologias
sobre os direitos dos trabalhadores, ponto IV.8.)
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- Onde está a produtividade?
«O facto de Portugal ter uma estrutura produtiva atrasada,
com um grande peso de activos não assalariados, nomeadamente nos sectores da
agricultura, pequeno comércio e restauração, pesa negativamente na média
nacional da produtividade e não constitui uma indicação realista do que se
passa nos sectores da indústria transformadora, por exemplo.
«A nível de empresas, e mesmo nalguns sectores, a situação pode ser bem
diferente. São conhecidos os exemplos de algumas multinacionais recentemente
instaladas em Portugal cujos responsáveis reconhecem que os níveis de
produtividade alcançados no nosso País são semelhantes aos alcançados nos
seus estabelecimentos de países mais desenvolvidos. Por exemplo, no caso da
Ford-Volskwagen, com o equipamento moderno e com a organização de trabalho
existente, incluindo os cursos de formação profissional ministrados, os
níveis de produtividade alcançados são semelhantes aos da Alemanha, embora os
salários em Portugal sejam cerca de um quarto dos salários na Alemanha.
Também o caso da Continental Mabor é um significativo exemplo de elevado
nível de produtividade obtido hoje, depois da reestruturação. E,
curiosamente, cerca de 70 por cento dos recursos humanos são os mesmos que lá
laboravam quando a empresa estava em crise.»
(...)
«O caso de trabalhadores do sector da construção civil, que emigram de
Portugal para a Suíça e aí encontram emprego no mesmo sector, é outro
exemplo retirado da vida real. Depois de seguirem uma formação profissional
adequada e de se integrarem na organização de trabalho da empresa suíça,
são capazes de alcançar níveis de produtividade próximos dos restantes
trabalhadores. Ou seja, a razão essencial que explica as diferenças nos
níveis de produtividade vem, talvez mais, da organização do trabalho e do
equipamento disponível, do que das capacidades e da formação de base dos
trabalhadores, embora este factor seja muito importante para permitir a
absorção da formação profissional.
«A maior responsabilidade dos atrasos dos níveis de produtividade da economia
portuguesa poderá situar-se, por um lado, nos responsáveis da gestão das
empresas que não investiram seriamente na sua modernização, preferindo manter
a competitividade baseada nos baixos salários (ou na desvalorização do
escudo, quando se verificou para favorecer o sector exportador). Poucas vezes é
referido que os níveis médios de escolarização dos patrões e trabalhadores
isolados são tão baixos como o dos trabalhadores assalariados e que esta
limitação marca negativamente a organização das empresas e as suas
possibilidades de modernização. Por outro lado, terá de se considerar também
os atrasos na reestruturação administrativa e em dificuldades de
relacionamento do Estado com empresas.»
(A questão da produtividade, ponto IV.5.4.)
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Precariedade
e outros expedientes
«Na realidade portuguesa a precariedade pouco tem a ver com
a natureza sazonal ou com necessidades ocasionais ou excepcionais, mas antes
como expediente para os empregadores não aplicarem a legislação de trabalho,
não cumprirem as obrigações sociais e reduzirem os custos com o trabalho. É
esta lógica que explica as estratégias de substituição de trabalhadores
permanentes por precários; o desenvolvimento do falso emprego independente (os
"recibos verdes"); os abusos na contratação a prazo; o recurso
injustificado à subcontratação.
«Têm-se também desenvolvido as chamadas "novas formas de emprego",
nome que, com frequência, oculta formas de emprego caracterizadas por uma maior
instabilidade, por baixos salários e por más condições de trabalho. É assim
que estão em expansão o emprego a tempo parcial, o trabalho temporário, o
trabalho independente e o teletrabalho. As mudanças tecnológicas constituem a
principal razão invocada para justificar o desenvolvimento dos contratos não
permanentes. O novo paradigma tecnológico imporia estes contratos; os governos
nada poderiam fazer, para além de estabelecerem algumas normas reguladoras.
Esquece-se que os governos – em Portugal como noutros países – têm
incentivado o desenvolvimento destas formas, através da subsidiação destes
empregos, sendo exemplo expressivo o emprego a tempo parcial.
«Para a CGTP-IN, a questão de fundo não está no dilema da aceitação, logo
da regulamentação destas formas de emprego, face à sua não aceitação. O
problema está em defender o princípio da estabilidade de emprego, que a
Constituição e normas internacionais de trabalho consagram. A segurança no
emprego tem efeitos positivos no clima laboral e no incentivo à formação,
tendo portanto consequências favoráveis no crescimento da produtividade. A
estabilidade de emprego não é contraditória com a mobilidade do trabalhador,
já que esta é entravada sobretudo pelo baixo nível de qualificação dos
trabalhadores.»
(A precariedade e as novas formas de emprego, ponto IV.3.)