Mais integração europeia?
Não contem com a Inglaterra
Nova batalha
da Grã-Bretanha


As grandes questões do «Euro» e das novas iniciativasno caminho da integração europeia, que decidirão o futuro da Grã-Bretanha, entraram na ordem do dia. Ganham vivacidade as discussões à volta destes temas e já ameaçam desprender-se das civilizadas condições dos debates televisivos para entrarem, decisivamente, na praça pública. Quando as posições estiverem suficientemente esclarecidas, a Câmara dos Comuns viverá dias históricos. Assim...

Enquanto Prodi, Jean Luc Dehaene (antigo primeiro-ministro belga), Richard von Weizacker (antigo presidente alemão) e o português Vitorino, querem avançar para um super-Estado europeu, a Grã-Bretanha grita-lhes «Não!». A Inglaterra, com efeito, não quer o «Euro», não admite o conceito de uma polícia europeia ou o de um exército europeu, não aceita que a sua independência económica, financeira, orçamental seja tocada por mãos estrangeiras. E não quer o poder judicial da Coroa submetido a tribunais comunitários. Numa palavra: os políticos pró-integração estão a descobrir e a confrontar-se com uma onda de protestos que vêm de todos os cantos das Ilhas Britânicas. Tudo começou com os congressos dos partidos Trabalhista e Conservador que se realizaram, recentemente, em Bournemouth e em Blackpool.

Intenso debate nacional

Duas campanhas acabam de conhecer a luz do dia. De um lado, com Tony Blair ao centro, «Britain in Europen» já atraiu políticos conservadores da linha capitalista globalista, como Michael Heseltine, Kenneth Clarke, Douglas Hurd, Chris Patten. Pretendem esclarecer, na realidade amolecer, a resistência do povo britânico que, por natureza e razões históricas, não está disposto a entregar a independência do país aos burocratas de Bruxelas. O principal aspecto do programa que defende é, segundo o seu próprio registo como entidade colectiva na «Companies House», «trabalhar a favor da adesão do Reino Unido à moeda única».
Do outro lado, «New Europe» propõe prudência ao povo britânico assinalando ser possível continuar na Europa sem ter de aderir ao «Euro». Esta campanha é liderada por David Owen, um político oportunista, antigo ministro dos Estrangeiros no governo trabalhista de James Callaghan e um dos quatro membros do «gang of four» que fugiram do trabalhismo para organizar o «Social Democratic Party», agora extinto.
Só o Partido Conservador que, até há pouco, parecia perdido na melancolia do deserto político e não conseguia encontrar o caminho da sua própria regeneração perante o país, tem uma política esclarecida e firme cujos pontos principais são os seguintes: 1) Não ao «Euro»; sim, à continuação da moeda nacional e da independência económica e política; 2) Não, às novas medidas de integração europeia já previstas; 3) Renegociação de todos os Tratados até agora assinados pela Grã-Bretanha.
O povo britânico tem mostrado entusiasmo por estas propostas e unir-se-á para que sejam levadas à prática. Não entende as super-elaboradas explicações de Blair e do «New Labour». Prefere marchar em frente pelos objectivos acima indicados, claros e concretos. O debate nacional à volta destas candentes questões pode levar à desintegração da maioria absoluta de Blair nos Comuns perante a mobilização do país.

A realidade do «New Labour»
Governo de duas caras

Os «tories»(1) têm vindo a realizar uma difícil travessia do tempo vazio. A derrota eleitoral de 1 de Maio de 1997 parecia tê-los lançado para o «caixote do lixo da História». Mas William Hague avisou: «Tony Blair é uma fraude. Com ele, o "New Labour" produziu fascínio, admiração – mas, agora, é uma desilusão e, em breve, merecerá o desdém de todo o país.» O discurso do «leader» da oposição foi recebido com júbilo (Blackpool, 07.10.1999). A eventual substituição da libra esterlina pelo «Euro», vista com maus olhos por quase toda a Grã-Bretanha, foi o tema central. Mas Hague salientou, também, os métodos do governo que trabalha com maioria absoluta – métodos próprios de uma ditadura. Nas novas condições, a crise de identidade dos conservadores terminou.

Palavras de William Hague, «leader» conservador, em Blackpool:

«Tony Blair e os seus principais ministros, são hipócritas. Mandam os filhos para escolas que tornam inacessíveis aos filhos dos outros. Deslocam-se em poderosos automóveis para fazer 200 metros, apenas, e realizar um discurso. Aconselham as pessoas a não comprar uma segunda casa quando eles próprios possuem três. Nos hospitais, o sistema prefere a realização de intervenções cirúrgicas menores mas suficientes para valorizar as estatísticas. Porém, na realidade, morre-se à espera de uma operação a sério, para sempre adiada. Estamos a importar produtos alimentares que, outrora, não permitíamos nos nossos supermercados. O primeiro-ministro desenvolve esforços para abolir a nossa moeda nacional e pôr fim à independência do país. O governo do "New Labour", com a sua maioria absoluta que resultou numa ditadura, é um governo de duas caras, o mais intolerante, o mais arrogante que temos conhecido. Não duvido de que a Grã-Bretanha precisa de uma revolução... que nos faça reconquistar o senso comum.»
E acrescentou:
«Antes das eleições, Tony Blair prometeu lutar contra os aumentos de impostos, contra a criminalidade, pelos interesses britânicos na Europa. Foi esta a grande vigarice. Temos de pôr fim às importações de produtos alimentares que não correspondem às normas de higiene e qualidade que exigimos. Esses produtos, apesar da etiqueta "made in Britain", não são originários deste país. O Estado, quando os hospitais não podem garantir operações urgentes, deve pagá-las em instituições particulares. Alunos que vagueiam pelas ruas quando deviam estar nas aulas, deviam ser detidos pela polícia e remetidos às respectivas escolas.»

«Venham comigo!»

Finalmente, aquilo que todo o país ansiava por ouvir:
«A Grã-Bretanha não tem de sentir-se envergonhada por ter a sua própria moeda nacional, a libra esterlina. Ninguém está convencido quanto ao real valor do "Euro". As implicações da adesão à moeda única sobre o nosso direito de nos governarmos à nossa maneira podem ser imensas. As vantagens em manter a libra esterlina podem ser enormes. Salvemos a nossa moeda nacional! Se acreditam que o nosso país corre o perigo de perder a independência, venham comigo! Se acreditam que a Grã-Bretanha é um país capaz de trabalhar com todos os outros mas sem jamais se submeter a ser governado por estrangeiros, venham comigo!».
Foi isto que entusiasmou o país. Os conservadores, naturalmente, não estão isentos de responsabilidades no processo de concessões feitas aos burocratas da chamada União Europeia. Desde Edward Heath a John Major, passando pela própria Margaret Thatcher, todos comprometeram a soberania do país em nome dos interesses do «big business». Mas quando a hora decisiva se aproxima e o Partido Trabalhista caiu cativo daqueles interesses pela mão dos blairistas, os «tories» descobriram a luz ao fundo do túnel. O povo destas Ilhas, sempre tão orgulhoso da sua História e da sua liberdade, acompanhará William Hague. Agora, é Tony Blair quem não consegue encontrar-se, a ajuizar pelo tom impreciso e retórico do seu discurso. Ele é, de facto, uma fraude.

(1) «Tory» («tories») no plural, significava, antigamente, um bandido católico irlandês. O partido «Tory», fundado por Danby e consolidado por Disraeli, é o dos proprietários rurais, do clero anglicano, do patronato, sempre com aliados noutras classes sociais.

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Inaceitável
demagogia de Blair

O discurso do primeiro-ministro, Tony Blair, em Bournemouth (29.09.1999) deixou a Grã-Bretanha perplexa. «Digo isto ao país: nunca tivemos um governo tão prudente», declarou. E, depois: «A minha missão consiste em fazer da Grã-Bretanha uma nação modelo para o século XXI, uma nação baseada no valor igual de cada um de nós.» Quer ele dizer – uma Grã-Bretanha onde o «valor» de um condutor do «metro» de Londres, o de um jovem sem trabalho ou o de um reformado, seja visto e equacionado de maneira igual ao dos presidentes do Barclays ou da British Telecom. Mas o primeiro-ministro, estupidamente, acrescentaria: «O próximo século não nos dará uma batalha entre o socialismo e o capitalismo. Essa batalha será travada entre as forças do progesso e as do conservadorismo. As forças conservadoras, aliadas às do racismo, são a razão porque um dos heróis do século XX, Martin Luther King, está morto.»
Voltando-se para os problemas da Europa observou: «Nos últimos 50 anos, a Grã-Bretanha sofreu entre os Estados Unidos e o Continente, procurando uma identidade nova na realidade pós-imperial. Ponho esta pergunta: o nosso destino está com a Europa, ou não? Se a resposta é "não", então, devemos sair. Mas isso seria abandonar uma união económica onde se realiza 50% do nosso comércio e da qual milhões de empregos dependem. Seria incerto o nosso futuro económico. Deixaríamos de ser uma grande potência. Não tomaríamos parte nas principais decisões sobre o futuro do continente a que pertencemos. Sair da Europa, seria o fim de mil anos de civilização. Mas, se acreditamos em que o nosso destino está na Europa, é altura de abandonarmos as hesitações e as meias-medidas características das nossas relações com o continente nos últimos 40 anos. Desempenhemos o nosso papel com orgulho e confiança. Aproveitemos a oportunidade que temos para derrotar as forças conservadoras económicas e políticas que fazem atrasar a Europa.»


Ilusões para perder

Finalmente, quando já se previa que Blair evitasse mencionar o «Euro» disse, com toda a relutância do mundo: «A nossa decisão sobre a união monetária europeia depende da evolução das condições económicas e do consentimento do povo britânico a ser expresso através de um referendo.»
Resumo: Uma profunda retórica sobre a Europa, tudo escrito pelo assessor de imprensa, Alastair Campbell, de quem se diz ser o político mais poderoso do país; sobre o «Euro», a mais delicada entre todas as graves questões do momento. Blair fez, apenas, uma curtíssima observação; na verdade, o palavreado pró-europeu tem um motivo supremo – fazer esquecer o «Euro» até que chegue o momento em que a prudência observada e o aparecimento das tais «condições económicas» justifiquem o primeiro-ministro e a sua maioria absoluta nos Comuns. Então, dirá que será preciso caminhar «rapidamente e em força» para a união monetária não havendo tempo a perder com a organização do referendo. O país, sucumbirá.
Mas não estará Tony Blair perdido num oceano de ilusões? Ele é um político de oportunidade. Tem dúvidas sobre a sua origem, sobre o seu país, sobre o século em que nasceu e sobre o partido que dirige. Na sua mensagem, é tudo embalagem e etiqueta. Nada tem conteúdo. O discurso do primeiro-ministro, como seria de esperar, provocou tempestuosas reacções. Disse-se que a sua arrogância é inacreditável. Notou-se não ser possível culpar os conservadores por todos os males do mundo. «The Daily Telegraph», sublinhou: «Foi só por erro de quem lhe escreveu o discurso, que não apontou ao Partido Conservador a culpa do afundamento do "Titanic" ou do recente empate da selecção inglesa em Varsóvia.» Outros comentadores, com ironia suprema, escreveram: «Já é tempo de considerar-se que 60% de Blair é so "air"!» A ninguém escapou o facto de que o primeiro-ministro não teve uma só palavra para problemas cruciais deste país – as escolas, os hospitais, a criminalidade.
Esta nova situação, abriu os olhos a muitos que não viam a hipocrisia de Blair ou a sua tendência para métodos ditatoriais. Abriram-se, assim, imensas oportunidades ao "leader" dos conservadores, William Hague.


«Avante!» Nº 1351 - 21.Outubro.1999