Os «ses» de Assis


Com louvável magnanimidade, Francisco Assis, em entrevista ao «Independente», fez o favor de considerar que o PCP «é uma força política com a qual se deve contar para o futuro de Portugal». E acrescenta, esclarecendo-se: não porque o PCP seja portador de «um projecto político e cultural capaz de gerar grande atracção na sociedade» mas porque «pode ser útil numa solução governativa».
A concretização desta «utilidade» do PCP passa, no entanto – e sempre segundo Assis – por alguns ajustamentos, digamos assim, na prática, no projecto e nos objectivos do PCP. Assis explica, aconselha, avisa e promete: «Se o PCP alterar as suas posições em duas ou três matérias, nomeadamente em relação à economia de mercado e à participação de Portugal na União Europeia»; se o PCP se tornar um partido «mais aberto, que compreenda e se adapte melhor às realidades do nosso tempo, sem prejuízo de continuar a ser uma voz mais crítica à esquerda do PS»; se, enfim, o PCP «compreender o que outros partidos comunistas europeus já entenderam» - «se» tudo isto, então o PCP «pode ser útil» - útil ao PS, obviamente.

Não há dúvida que este pacote de «ses» constitui um autêntico programa político - com a curiosidade de, sendo ele concebido e decidido por um dirigente do PS, se pretender que o PCP o adopte e o tome como seu. Ao fim e ao cabo, bastaria ao PCP desfazer-se do seu projecto e do seu programa e aceitar como essencialmente bom o sistema em que vivemos (embora sempre susceptível de ser «aperfeiçoado», naturalmente, porque nada nem ninguém é perfeito, não é verdade?), para ter entrada garantida no purgatório. Após o que, cumprida a pena temporal decorrente dos pecados em má hora cometidos, seria admitido, enfim, no reino do céu. Com cunha de Assis, evidentemente, já que, a avaliar pela fala autorizada do líder parlamentar do PS, também no reino do céu os jobs estão destinados, apenas e só, aos bons boys. Nisto se resume, afinal, a «adaptação às realidades do nosso tempo» que Assis aconselha ao PCP - não deixando de sublinhar – pudera! - a «utilidade» da existência de «uma voz mais crítica à esquerda do PS» e - vejam bem o que são «as realidades do nosso tempo»! - chegando mesmo a incitar o PCP a deixar de pensar e a optar por uma prática seguidista em relação a «outros partidos comunistas europeus».

Louve-se em Assis o desplante de ter sido tão claro e frontal na explicitação do que ele quer que o PCP venha a ser. Aplauda-se-lhe o atrevimento de ter traçado minuciosamente os caminhos que o PCP deve seguir para deixar de ser o que é e passar a ser o que Assis quer que seja. Enalteça-se-lhe o descaro de atribuir ao PCP um preço e de publicamente se apresentar como comprador interessado. E perdoe-se-lhe a franciscana pobreza de espírito patente em toda a sua inteligenciação, garantindo-lhe que, por isso mesmo, dele será o reino dos céus. — José Casanova


«Avante!» Nº 1351 - 21.Outubro.1999