O castigo da desfeita


Já que tem de ser, escreva-se então que o texto da autoria de José António Lima, e publicado na última revista do «Expresso», de análise detalhada dos resultados eleitorais de 10 de Outubro mostra que, ali para os lados da Duque de Palmela, há quem resista heróica e galhardamente à onda de positivas apreciações que a generalidade dos órgãos de comunicação social partilharam sobre o resultado da CDU.

É assim. Há quatro anos, a CDU travava a descida em votos (obtinha mais dois mil que em 91, com uma abstenção idêntica) mas perdia 3 décimas de percentagem. Para o «Expresso», o que contou então foi a descida da percentagem, que testemunharia a erosão lenta mas inexorável da base eleitoral da CDU.
Agora, a CDU sobe em percentagem, elege mais dois deputados, mas, no quadro de um sério aumento da abstenção, tem menos 20 mil votos que em 95 (o PS menos 200 mil, o PSD menos 250 mil, o PP menos 80 mil). Mas mudam-se os tempos, mudam-se os critérios, e assim para o «Expresso», para avaliar os resultados da CDU, agora o que conta já é a «perda» de votos, certamente debaixo do sensato e inteligente pressuposto de que há eleitorados que teriam a especial obrigação de não ser tocados nem ao de leve pelo aumento da abstenção.

Mas não se fica por aqui o rigor e a isenção da análise de J. A .Lima. Com efeito, na legenda de um mapa sobre a «variação de voto PCP», anota-se que «acaba por obter o melhor reforço do seu peso eleitoral em concelhos do interior e acima do Tejo» . Mas logo abaixo, na legenda de outro mapa sobre «o peso do voto PCP» já se afirma contraditoriamente que o PCP se apresenta «como um partido cada vez mais regionalizado - confinado ao Alentejo, Setúbal e Grande Lisboa», o que constituiu uma valente enormidade sobre uma força política que, em 10 de Outubro, sobe, por vezes expressivamente, em votos e percentagem em 11 círculos (que são todos fora das zonas do «confinamento» decretado por J.A. Lima), sobe em percentagem em 17 círculos eleitorais e, oito anos depois de o ter perdido, volta a eleger um deputado em Braga.

E se houvesse dúvidas de que, em análises como esta, os números contam menos que as simpatias e antipatias, basta reparar que J. A. Lima consegue inventar o facto de, em Aveiro, «Marques Mendes ter travado um pouco a descida nacional do partido», quando, pelas nossas contas, a acentuou uma vez que, em Aveiro, o PSD perdeu 7% da sua influência , enquanto a nível nacional perdeu 5%.
E ainda mais que as simpatias e antipatias contam as opções políticas de quem analisa os números. Com efeito, J. A. Lima avisa logo no preâmbulo do seu trabalho que «o novo ciclo da governação exige uma mudança de estilo» (!!!) e, mais à frente, também postula que o PCP não vai riscar nada «pois as reformas do Governo exigirão alianças à direita e não à esquerda».

E isto para não lembrar que, a duas e a uma semana da votação, o «Expresso» estampou em primeira página as suas «clássicas» sondagens que davam 5% à CDU e sempre atrás do CDS-PP, e que, por isso, quem faz ao «Expresso» a desfeita de ter tido 9% e à frente do CDS-PP, já devia contar com o respectivo castigo. — Vítor Dias


«Avante!» Nº 1351 - 21.Outubro.1999