TIMOR
Solidariedade e eleitoralismo


A luta do povo timorense prossegue apesar dos holofotes do mundo se terem virado para outras paragens. Os ataques das milícias continuam a fazer dezenas de vítimas. A ajuda humanitária não chega como devia chegar. Prosseguem as manobras para colocar no terreno à frente das tropas da ONU amigos incondicionais da Indonésia. O Primeiro Ministro da Malásia assume a defesa de Suharto - Habibie e da execrável ditadura e a vontade de comandar as tropas da ONU, o que é insustentável. Nestas circunstâncias a pressão para desarmar as FALINTIL é inaceitável.

A batalha de Timor não está ganha. É preciso prosseguir a todos os níveis a pressão para que não se recomponha a velha ordem solidária das grandes potências com a Indonésia. Foi a luta do povo timorense e o aumento da solidariedade internacional que quebrou aquela aliança. Com o abrandamento da pressão internacional a tendência será para se refazer. Aos portugueses cabe um papel muito especial nesta luta em defesa de uma verdadeira causa nacional, que o PS e o seu governo nem sempre têm tratado como tal. O certo é que parar a solidariedade só favorece a Indonésia e todos os seus amigos no terreno. É, por isso, importante manter a solidariedade a Timor na primeira linha das preocupações, independentemente da conjuntura nacional e das campanhas eleitorais. Vale a pena trazer à superfície (e a propósito da visita de Xanana Gusmão) um chocante exemplo do descarado eleitoralismo por parte do PS e do governo para mostrar que há um fosso enorme entre a proclamada causa nacional e os interesses partidários. A visita de Xanana logo que se tornou conhecida criou uma enorme expectativa entre os apoiantes da causa timorense. A Comissão Coordenadora com sede na FENPROF tinha convocado uma manifestação para o dia 30 de Setembro, para assinalar 30 dias depois da vitória do povo timorense e levantar de novo o protesto contra a brutal repressão que se abateu sobre o povo timorense. Ao saber da visita de Xanana, a Comissão iniciou de imediato os seus contactos com o CNRT para organizar uma manifestação de saudação ao povo timorense e ao seu mais legítimo representante, para a qual convergiram, trabalharam um conjunto
de organizações sociais que já tinham organizado as manifestações de 7 e 13 de Setembro, com o apoio dos principais partidos, a Câmara Municipal de Lisboa e um vasto número de sindicatos e organizações sociais. A ideia era simples : prosseguir a pressão a nível institucional apoiada pelo máximo possível de portugueses, independentemente das suas opções políticas.

Só que esta base mínima de acordo não teve nem o apoio do governo, nem do partido do governo. E, por isso, para o governo e o PS a Comissão Promotora não poderia aparecer com Xanana numa concentração nos Restauradores, nem a própria Comissão na própria varanda da Assembleia da República.

Esta atitude só tem um qualificativo: sectarismo e eleitoralismo. O resto fala por si. Alguns momentos depois de a Comissão saber que não poderia organizar a recepção popular a Xanana (um dia antes da sua chegada) , aparecia um Apelo, de umas tantas organizações que estavam em perfeita sintonia com o governo ( algumas delas convidadas a estarem presentes nas iniciativas da Comissão Promotora, a que responderam negativamente ) que levou escassos milhares de portugueses à Assembleia da República. Seriam mais, se em vez de subtrair, se somasse. Há quem fale de causa nacional e confunda governo e partido do governo com nação. Mas de facto Timor é causa nacional, porque para além das direcções de certos partidos estão os portugueses e esses sentem que a solidariedade tem de prosseguir para manter a Indonésia isolada e assegurar a concretização da vontade expressa pelo povo timorense: a construção de um Timor livre e independente. A solidariedade é sempre precisa, mesmo nos momentos em que a sua necessidade pode não ser tão compreendida. O movimento nacional de solidariedade com a luta do povo timorense continua a ser necessário para derrotar as manobras, as pressões da Indonésia e dos seus amigos. — Domingos Lopes


«Avante!» Nº 1351 - 21.Outubro.1999