VARIANTES
Mais razões


Em cinco dias os comunistas e todos os seus amigos conheceram uma grande alegria e foram atingidos pelo mais profundo desgosto. A alegria nasceu dos resultados muito positivos da CDU nas eleições de 10 de Outubro. O profundo desgosto foi provocada pela notícia brutal do súbito falecimento do camarada Luís Sá, ocorrido a 15 de Outubro. Estes dois sentimento não se contrapõem como pode parecer: constituem ambos mais razões para intensificarmos a luta pelos nossos objectivos e ideais.Os resultados positivos da CDU, a que Luís Sá esteve estreitamente associado, quebraram uma sucessão de resultados negativos que a Coligação Democrática vinha sofrendo há mais de década e meia. Traduzindo um ponto de viragem, estes resultados representam um grande encorajamento para o prosseguimento e aprofundamento das orientações que o tornaram possível, tanto mais que o aumento da percentagem da votação e o aumento do número de deputados melhoram a capacidade de intervenção dos comunistas e dos seus aliados. O doloroso desaparecimento do camarada Luís Sá deixa nas nossas fileiras um vazio, que pela sua extraordinária generosidade, capacidade, saber e dedicação será por muito tempo dificilmente preenchido. Deixa-nos, contudo, muito vivo o seu exemplo do revolucionário apostado na melhoria da vida do nosso povo e no aprofundamento da democracia no nosso país que, como com muita clareza demonstrou, passam pelo fortalecimento do nosso Partido e por um permanente trabalho de unidade com os aliados efectivos e potenciais.. Deixa-nos, também, o exemplo do militante que sabia, como poucos, empenhar-se nas tarefas práticas e ao mesmo tempo aprofundar e desenvolver a teoria, por isso mesmo aberto à vida e aos seus ensinamentos, atento às necessidades de renovação, firme nos princípios e sempre disponível para os rasgos inovadores. A prematura morte do Luís deve, por tudo isto, fazer-nos cerrar os dentes na dor com o propósito de tudo fazermos para seguir o mais inspirador da sua memória e preencher o melhor possível o seu lugar.Isto acontece numa situação de grandes desafios como é a do presente quadro político resultante das recentes eleições para a Assembleia da República. A direita foi insofismavelmente derrotada. Pode dizer-se, também, sem temeridade, que o eleitorado puniu a política de direita seguida pelo Governo, nomeadamente a sua política anti-operária. Reside aqui a razão maior do revés eleitoral do PS no tocante ao seu principal objectivo - a maioria absoluta. O parlamento inclinou-se para a esquerda por clara vontade da maioria dos portugueses. Apesar da clareza destas conclusões, os comentadores de serviço na noite das eleições e nos dias seguintes e ainda mais os líderes partidários da direita não se cansam de insistir no desaforo de que as grandes reformas de que o país carece - fiscal, segurança social e saúde - é à direita que têm que ser feitas. Ora António Guterres e a direcção do PS estão naturalmente mortinhos por ceder a estas pressões. Para já começam por pretender condicionar as oposições com a ameaça de eleições antecipadas a curto prazo, o que por razões constitucionais e políticas não passa de pura chantagem.Mas é vital que se tome rapidamente iniciativa. Que se avance no plano parlamentar, como o Comité Central deliberou na passada Quinta-Feira, com iniciativas sobre o salário mínimo, o aumento das pensões, a melhoria do Serviço Nacional de Saúde, a despenalização do consumo da droga. Que se dê larga divulgação às posições do PCP em relação à reforma fiscal e à reforma da segurança social. Que avance a luta dos trabalhadores na defesa dos seus direitos.A luta por uma viragem à esquerda na política nacional não se trava apenas no plano da acção prática, também se trava na plano das posições teóricas. Estas são da maior importância quando se discutem as grandes reformas do Estado. Aqui nos encontramos de novo com o labor desenvolvido pelo camarada Luís Sá. É da máxima importância valorizar a sua obra neste domínio. Além dos livros publicados, deixou numerosos dispersos em artigos de jornais e revistas e comunicações em reuniões de vário tipo. Seria muito importante seleccioná-los e reuni-los em volume. É largamente reconhecido o grande alcance da sua obra em tantos domínios, que vão desde o papel fundamental das autarquias locais no nosso sistema democrático, até ao reforço do lugar da Assembleia da Republica na relação com os outros orgãos do poder, passando por todas as matérias ligadas à descentralização, à regionalização e ao desenvolvimento regional. Que melhor homenagem poderíamos prestar à memória de Luís Sá do que organizar a curto prazo um seminário sobre a sua obra e as grandes pistas que ela aponta para o futuro da democracia em Portugal?Por tudo que nos deixou, o camarada Luís, que a morte arrebatou brutalmente ao nosso convívio, continua, como na canção do MUD juvenil, ao nosso lado. Mas estará connosco ainda mais se valorizarmos os seus livros e a sua obra teórica, quando há mais razões para revigorarmos a luta em todas as frentes. — Carlos Brito


«Avante!» Nº 1351 - 21.Outubro.1999