Timor Lorosae
Amanhã
é o dia da nossa independência
«Dili
e Timor estão queimados e destruídos. Mataram e violaram
direitos humanos. Tentaram destruir o que construímos no dia 30
de Agosto. Sabemos que estamos a sofrer, mas acreditamos que o
amanhã é o dia da nossa independência».
Palavras de Xanana Gusmão no seu primeiro e emocionado discurso
ao povo timorense, em Dili, de que ressalta a confiança no
futuro, a certeza de que a independência é já uma realidade.
Regressado a Dili em
apoteose, Xanana fez o seu primeiro discurso em liberdade, na sua
pátria, junto ao Palácio do Governador, construído no tempo da
colonização portuguesa e posteriormente ocupado pelo
representante máximo da administração da Indonésia no
território.
Local simbólico para lembrar, entre lágrimas partilhadas por
uma multidão emocionada, os mortos e o sangue que correu por
todo o Timor Leste enquanto os militares de Jacarta impuseram a
lei da repressão no território. Ou ainda os muitos que ainda
continuam do outro lado da ilha, na Indonésia, para onde foram
obrigados a partir pelas milícias integracionistas e pelos
militares ou para onde fugiram para tentar escapar á onda de
devastação que se seguiu à votação organizada pela ONU.
Mas, sobretudo, para sublinhar, num discurso feito em tetum, a
língua local, o resultado de todo este sacrifício: «A
independência está à nossa frente e, por isso, podemos decidir
o que queremos».
«Lutámos e construímos o nosso país. Criaremos algo de novo
em Timor Lorosae», disse o dirigente timorense, acrescentando
que «ainda temos que construir o nosso país para benefício das
nossas crianças e das gerações vindouras».
As mesmas ideias foram repetidas por Xanana na vila do Remexido,
num outro encontro profundamente emotivo com os elementos da
Falintil, em que sublinhou que o braço armado da resistência
timorense ainda não acabou o seu trabalho. «Temos que lutar
outra vez, não com armas, mas com enxadas, lutar para libertar o
nosso povo da crise», disse.
Agora é uma outra etapa que se abre. É o momento de, com todos
os timorenses, «procurar um mundo novo». Já na perspectiva de
um país independente, pois, como Xanana Gusmão disse, ainda no
Remexido, em entrevista à Lusa, apesar de «vários conceitos
possíveis» e da ajuda necessária das Nações Unidas, Timor
Leste «já é independente». «A administração da ONU só
será para nos ajudar a governar, uma questão mais técnica que
profissional», considerou.
Perspectivas
O primeiro navio com
refugiados timorenses vindos de Timor Ocidental chegou a Dili há
uma semana, no meio de grandes manifestações de alegria, com
centenas de timorenses a manifestarem-se ruidosamente e a darem
as boas vindas aos recém-chegados. A primeira de uma série de
viagens diárias, até colocar em Dili todos os timorenses
levados para Kupanga.
Na véspera tinha sido organizado o primeiro comboio por terra
desde Atambua, outra localidade em Timor Ocidental onde se
concentraram também milhares de refugiados. Por via aérea
continuam igualmente a chegar os muitos timorenses que foram
obrigados a abandonar a sua terra. Uns por temerem pelas suas
vidas, outros por terem sido ameaçados pelas milícias
integracionistas e pelos militares indonésios se não aceitassem
ir para Timor Ocidental. Mais um pesadelo que está a chegar ao
seu fim.
Um facto que se insere no processo de mudança política que
entretanto se vai desenrolando.
O Conselho de Segurança da ONU aprovou, segunda-feira passada, o
mandato da UNTAET, a missão que irá administrar Timor Leste no
processo de independência até à formação do primeiro governo
democraticamente eleito.
A primeira missão da UNTAET - de que será responsável o
brasileiro Sérgio Vieira de Mello, actual subsecretário-geral
da ONU para os assuntos humanitários - é restabelecer a lei e a
ordem e terminar com a crise humanitária criada pela onda de
violência desencadeada pelas milícias integracionistas com o
apoio do exército indonésio.
Entretanto, Xanana Gusmão, presidente do Conselho Nacional da
Resistência Timorense (CNRT), deverá ser consultado sobre a
nomeação do chefe da força de manutenção de paz da ONU.
Em simultâneo com estas decisões o governo indonésio
transferia oficialmente para as Nações Unidas a administração
de Timor Leste. Um facto que vem na sequência da aprovação,
pela Assembleia Consultiva Popular, órgão legislativo máximo
da Indonésia, da anulação do decreto de 1978, através do qual
a Indonésia formalizou a ocupação de Timor Leste.
Hoje, finalmente, livre.
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Tempo de reconstrução
Reconstruir
a administração em Timor Leste e, nomeadamente, recrutar
técnicos para o ensino e a saúde, são algumas das prioridades
dos dirigentes timorenses.
Num momento em que a reconstrução do país é preocupação
prioritária, o Conselho Nacional da Resistência Timorense
(CNRT), define prioridades apostando, nomeadamente, na
diversificação da economia.
O país deverá desenvolver nomeadamente as vertentes agrícola e
do turismo. Até agora, as exportações de café constituem a
principal fonte de receitas do país, mas muitas das plantações
estão abandonadas. Em alguns anos, as exportações de café
poderiam render cerca de 50 milhões de dólares e a superfície
cultivada poderá, numa dezena de anos, atingir os 100000
hectares.
De notar que a agricultura representa 30 por cento do Produto
interno Bruto (PIB), que era de cerca de 200 milhões de dólares
antes da crise económica asiática que se iniciou em 1997.
Em causa estão também as profundas desigualdades sociais. Até
agora, cinco por cento da população dispõe de 80 por cento da
riqueza gerada no território.
A futura divisão administrativa do novo país, também numa
perspectiva de reconstrução, é outra das questões em debate.
Uma das propostas consideradas pelo CNRT aponta para a criação
de três províncias - uma abrangendo a zona leste do
território, a outra a zona norte e a terceira a zona sul.
De acordo com a proposta, a província de leste seria demarcada
por uma linha traçada entre os concelhos de Manatuto e Baucau,
que seria a capital da província, e designada como zona
privilegiada de desenvolvimento turístico.
As províncias do norte e do sul, estendendo-se da fronteira com
Timor Ocidental até á demarcação da província do leste,
seriam definidas pela zona montanhosa central do território, com
Dili como a capital do norte, além de capital nacional, e Same a
capital do sul.
A vocação da norte poderá vir a ser a pequena indústria e
cultivo do café, podendo o sul vir a desenvolver-se como área
de exploração agrícola alimentar e centro portuário.
Entretanto a missão do Banco Mundial e do Fundo Monetário
Internacional (FMI), esperada esta semana em Timor Leste, que
inclui também 25 timorenses, deverá analisar, além da área
alargada de desenvolvimento macroeconómico, aspectos como a
administração pública, a agricultura e o re-estabelecimento
das comunidades e a saúde.
Os portugueses que integram a missão vão trabalhar em quatro
sectores-chave da reconstrução - educação, justiça,
macroeconomia e administração pública.
No final deste levantamento, todas as informações recolhidas
serão discutidas com os dirigentes timorenses.
As considerações resultantes destes encontros serão
incorporadas num relatório a submeter aos participantes no
encontro de doadores que o Banco Mundial e a ONU pretendem
realizar, em que serão discutidos o estabelecimento da
administração civil, as prioridades de reconstrução e as
necessidades de financiamento externo para so gastos recorrentes
e de desenvolvimento.
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Conselho
de Segurança da ONU
autoriza administração transitória
O Conselho de
Segurança das Nações Unidas autorizou, segunda-feira passada,
a constituição em Timor-Leste de uma administração
transitória da ONU, suportada por nove mil capacetes azuis.
Os quinze membros do Conselho de Segurança (CS) aprovaram, por
unanimidade, a resolução 1272, autorizando o secretário-geral
da ONU, Kofi Annan, a estabelecer a Administração Transitória
das Nações Unidas em Timor Leste (UNTAET).
São os seguintes os pontos principais do documento
aprovado:
Estabelece a Administração Transitória das Nações Unidas
para Timor Leste (UNTAET) com total responsabilidade pela sua
administração e autoridade em matéria legislativa, executiva e
judicial;
Dá às Nações Unidas um mandato inicial até 31 de Janeiro de
2001;
Autoriza o envio de 9150 «capacetes azuis» da ONU, incluindo
8950 tropas e 200 observadores militares, para substituir a
força multinacional comandada pela Austrália (INTERFET) enviada
para Timor Leste no passado mês;
Autoriza igualmente o envio de 1640 polícias para trabalharem
com a força de paz;
Autoriza a missão das Nações Unidas a tomar «todas as medidas
necessárias» para cumprir o mandato em pleno (capítulo VII da
Carta das Nações Unidas);
Concede poder à força de paz para coordenar a assistência
humanitária e a reconstrução do território;
Sublinha a necessidade da missão da ONU consultar os
representantes timorenses para ajudar a criar as instituições
democráticas, incluindo uma independente relativa aos Direitos
Humanos;
Concede poder ao representante especial do secretário-geral das
Nações Unidas, que será o administrador transitório de Timor
Leste, para assumir a responsabilidade por todos os aspectos do
trabalho da ONU e poder para decretar, reformar, suspender ou
anular leis e regulamentos;
Congratula-se pelo estabelecimento de um fundo monetário de
ajuda para a reconstrução, necessidades básicas, criação dos
serviços públicos e pagamentos dos salários aos funcionários
civis locais;
Condena todos os actos de violência registados no território e
apela ao seu fim imediato, ao mesmo tempo que exige que os
responsáveis pelos mesmos sejam chamados à justiça. Apela
igualmente às partes para que cooperem nas investigações aos
atentados contra os direitos humanos;
Sublinha que a Indonésia é responsável pelo regresso em
segurança dos refugiados e deslocados que saíram do território
no período de violência após a consulta popular de 30 de
Agosto.