França
Debate
da 35 horas continua
A lei das 35 horas ou lei Aubry - nome da ministra do Trabalho, Martine Aubry -, aprovada a semana passada pela Assembleia Nacional francesa por 315 votos contra 255, está longe de encerrar o processo respeitante ao tempo de trabalho que deverá passar a vigorar em França. As forças à esquerda do PS francês desejam ver o texto legal melhorado na discussão na especialidade, enquanto os partidos de direita, que votaram em bloco contra a nova legislação, aspiram despojá-lo dos seus aspectos mais positivos.
«Quero exprimir a
minha satisfação de ver como, neste texto, a maioria plural
funcionou como uma verdadeira maioria política debatendo sem
tabus nem calculismos. Longe da cacofonia, a maioria transformou
em música uma única partitura, cuja harmonia de hoje é o
produto das suas múltiplas inspirações.» As palavras são da
ministra do Trabalho, Martine Aubry, que esqueceu os agitados e
tensos debates que antecederam a votação, bem como a centena de
alterações que acabaram por ser adoptadas, para colocar todo o
ênfase no consenso final alcançado. «Unidos, vamos, graças
às 35 horas, fazer recuar o desemprego», disse Aubry.
Por seu lado, os comunistas franceses, que classificaram a lei
das 35 horas como uma «grande lei de civilização que se
inscreve num processo histórico», não deixaram de sublinhar
que, apesar do entusiasmo, o seu voto foi um «sim, mas...», e
que vão «continuar a trabalhar» para melhorar a nova
legislação «em ligação com o movimento social». Nas
palavras do deputado comunista Maxime Gremetz (ver caixa) foram
conseguidos «avanços significativos, mas falta ainda resolver
importantes questões». Os pomos de discórdia com o projecto
governamental respeitam, designadamente, à situação dos
quadros, às horas extraordinárias, à função pública e à
questão dos financiamentos.
Diametralmente opostas foram as intervenções dos partidos de
direita, para quem a nova lei representa uma «política
solitária, anacrónica e incoerente na Europa», como afirmou o
representante da UDF.
O texto adoptado vai agora ser enviado para o Senado, que por sua
vez o deverá examinar de 2 a 9 de Novembro. É de esperar que a
maioria de direita do Senado o rejeite ou, em alternativa, o
adopte depois de desvirtuar profundamente a sua natureza. Após
concluída a primeira leitura no Senado, compete ao governo
convocar uma comissão mista paritária composta por
representantes das duas câmaras que deverão tentar chegar a um
acordo de compromisso. Dado ser altamente improvável chegar a
tal acordo, a comissão dos Assuntos Sociais da Assembleia
Nacional deverá retomar o projecto a partir de 16 de Novembro,
devendo o debate da nova leitura em sessão pública ter lugar na
última semana de Novembro. Após uma nova passagem pelo Senado
nos primeiros dias de Dezembro, a Assembleia será chamada a
emitir um voto definitivo (então sem possibilidade de
alterações) ainda na primeira quinzena do mês.
Sendo provável que a direita recorra para o Conselho
Constitucional, este disporá de um mês para se pronunciar,
salvo se o governo pedir urgência para o caso, o que reduzirá o
prazo para oito dias. Finalmente, caberá ao Presidente da
República promulgar o texto, que passará a ter força de lei
após publicação no Jornal Oficial.
Novas disposições legais
As novas disposições consagradas na lei aprovada no dia 19 pela Assembleia Nacional, em primeira leitura, são, resumidamente, as seguintes:
Tempo de trabalho - A partir de 1 de Janeiro de 2000, a duração legal do tempo de trabalho semanal é fixada em 35 horas para as empresas com mais de 20 trabalhadores. Esta medida é estendida às empresas com menos de 20 trabalhadores em 2002. A lei precisa a noção de «trabalho efectivo», que compreende nomeadamente os tempos de pausa e de refeição durante os quais os trabalhadores ficam à disposição do empregador.
Horas extraordinárias - É devida uma majoração de 50 por cento para as horas para além da 43.ª. Para as horas compreendidas entre a 36.ª e a 39.ª, duas etapas: em 2000, a majoração será de 10 por cento em benefício do trabalhador ou de um fundo para o emprego (se não há acordo para isso na empresa); a majoração passa em seguida para 25 por cento, em benefício do trabalhador ou (sem acordo de 35 horas) dividida entre ele (15 por cento) e o fundo (10 por cento).
Quadros - Distinguem-se três categorias. Os quadros dirigentes não são abrangidos. Os que estão integrados numa equipa beneficiam do regime geral. A terceira categoria, intermédia, verá o seu tempo de trabalho estabelecido por uma convenção contratual em dias, com um máximo de 217 dias por ano.
Salário mínimo - Os trabalhadores com salário mínimo garantido conservarão o salário equivalente a 39 horas, graças à entrega, pelo Estado aos empregadores, de um complemento diferencial de salários. É instituído um dispositivo específico para as empresas criadas após 1 de Janeiro de 2000.
Tempo parcial - Foi suprimido o abatimento de 30 por cento nos encargos sociais relativos aos empregos a tempo parcial de que beneficiavam os empregadores. Os horários diários, semanais ou mensais de todo o trabalhador a tempo parcial deverão constar no contrato de trabalho.
Planos sociais - A emenda «Michelin» prevê que uma empresa deve, antes de qualquer anúncio de plano social, ter concluído um acordo de redução do tempo de trabalho ou, pelo menos, ter encetado negociações sérias nesse sentido.
Ajuda públicas - Para haver direito a uma redução de cotizações patronais, o acordo de empresa deve precisar o número de empregos criados ou salvaguardados pela redução do tempo de trabalho. Os postos de trabalho prometidos devem ser concretizados no prazo de um ano.
Controlo das ajudas - As ajudas e reduções de encargos de que beneficiarão as empresas no quadro da redução do tempo de trabalho deverão ser anualmente objecto de uma apresentação ao comité de empresa e de um relatório anual do governo ao parlamento.
«Uma grande lei de civilização»
«Realizámos o
debate com o objectivo de responder o melhor possível ao
movimento social e às aspirações dos trabalhadores. Hoje
fizemos avanços significativos, mas há ainda questões
importantes para resolver. Penso em particular no capítulo
respeitante aos quadros, contra o qual votámos [...]
«Continua ainda por resolver a questão do adiantamento de 10
por cento sobre as horas extraordinárias. Lamentamos que os
funcionários públicos não sejam abrangidos pela lei. Quanto ao
debate fundamental do financiamento das 35 horas, vamos
prossegui-lo aquando do exame da lei de financiamento da
Segurança social [...]
«Dissemos e repetimos que a lei não era susceptível de ser
aprovada. Por duas razões maiores e fundamentais: as
exonerações e as ajudas financeiras tinham deixado de estar
condicionadas à criação e à preservação de empregos, e o
controlo eficaz da utilização dos fundos públicos não estava
assegurado. Congratulamo-nos que na sequência do impacto da
grande manifestação unitária de 16 de Outubro e do trabalho
sério levado a cabo com o governo, tenhamos conseguido responder
a estas duas preocupações. Várias das nossas alterações mais
significativas, de inegável importância, foram adoptadas. É o
caso da disposição geral do artigo 11 precisando que a ajuda
financeira está dependente de um acordo colectivo sobre a
redução do tempo de trabalho [...]
«Evidentemente, durante os debates a direita tentou agravar a
flexibilidade, fazer desaparecer todas as defesas sobre as
garantias dadas aos trabalhadores. Todas as reivindicações do
MEDEF [organização do patronato] foram apresentadas na
Assembleia pela direita [...]. O grupo comunista vai votar esta
grande lei de civilização, que se inscreve num processo
histórico. Ao mesmo tempo vamos continuar a trabalhar pela sua
melhoria, em ligação com o movimento social.» (Excertos da
declaração de voto do grupo comunista, apresentada pelo
deputado Maxime Gremetz)