Argentina
Novo
Presidente promete
«uma sociedade sem medos»
Fernando de
la Rúa, dirigente da União Cívica Radical (UCR), vencedor das
eleições presidenciais de domingo, na Argentina, com 52,02 por
cento dos votos, chega ao poder com a promessa de combater o
desemprego, a corrupção e a delinquência, de forma a conseguir
transformar o país «numa sociedade sem medos».
Para aumentar o emprego, o líder radical propõe-se implementar
de imediato um plano de apoio às empresas que contratem
desempregados e de modernização da legislação laboral.
A eleição do
candidato radical logo na primeira volta das presidenciais
representa uma viragem importante na vida política da Argentina,
pondo fim a mais de uma década de governos presididos pelo
justicialista Carlos Menem. O Partido Justicialista (PJ,
peronista) é justamente o grande derrotado destas eleições, em
que o seu candidato, Eduardo Duhalde, não conseguiu mais do que
34,82 por cento dos votos. O terceiro candidato, Domingo Cavallo,
do Partido de Acção pela República (AR), ficou-se pelos 10,7
por cento dos votos.
Na Argentina o escrutínio é obrigatório para todos os
eleitores - 24,1 milhões recenseados - com mais de 18 anos e
menos de 70.
De la Rúa apresentou-se ao eleitorado à frente da Aliança para
a Educação e Trabalho, formada pela UCR com a Frente País
Solidário (FREPASO, de centro esquerda), com uma mensagem de
mudança - «Vimos recuperar a dignidade dos argentinos» - e um
plano de acção para o desenvolvimento social «que integre
todos no processo produtivo, para que o país cresça em
dignidade e num clima de igualdade».
No seu programa eleitoral, intitulado «A Grande Mudança», a
Aliança compromete-se a adoptar «a estratégia das economias
que saíram rapidamente do subdesenvolvimento: as que realizaram
grandes esforços para multiplicar a produção de valor
acrescentado e ganhar competitividade internacional». Segundo o
programa, os maiores esforços nesse âmbito devem ser orientados
para a produção de bens e serviços com valor acrescentado e de
forte procura internacional. Entre outras medidas, a Aliança
promete ainda defender o valor interno e externo do peso (a moeda
nacional), conseguir um equilíbrio fiscal, aumentar a produção
e o intercâmbio comercial, reduzir as despesas públicas e
aumentar os recursos sem aumentar a carga fiscal e combatendo a
evasão fiscal.
Como «metas sociais», para garantir a igualdade de
oportunidades, a Aliança propõe-se, designadamente, melhorar a
assistência médica de forma a «permitir uma cobertura
universal e igualitária para toda a população», acabar com a
subnutrição infantil, aumentar a esperança de vida, acabar com
a indigência, alargar as redes de água potável e de saneamento
básico, alfabetizar um milhão de argentinos, combater o
absentismo escolar, travar a degradação ambiental.
No respeitante ao combate à corrupção, um tema insistentemente
abordado por De la Rúa durante a campanha, a questão que se
coloca é a de saber até onde está disposto a ir o novo
presidente. De acordo com o especialista Raúl Eugenio Zaffaroni,
director do centro anti-corrupção criado pela Aliança, não
foi feito nenhum pacto de impunidade com o governo cessante, pelo
que as investigações aos escândalos relacionados com as
privatizações, os subornos, a evasão fiscal e tantos outros
delitos do género serão levados a cabo sem olhar a quem. «O
que não haverá é uma caça às bruxas», garante Zaffaroni.
De la Rúa assumirá a presidência da Argentina no próximo dia
10 de Dezembro.
Nas eleições de domingo foram ainda eleitos, para além do
presidente, os governadores das províncias de Buenos Aires,
Chubut, Entre Rios, Jujuy, La Pampa e Mendoza, bem como
presidentes de câmara, legisladores provinciais e comunais, num
total de 8.316 cargos.
Nas 19 províncias e na capital federal procedeu-se igualmente à
eleição de 130 deputados, cerca de metade dos assentos da
câmara baixa.
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A herança de Carlos Menem
O ainda presidente argentino, Carlos Menem, cujo mandato termina em Dezembro, considera que a História já o julgou «como um bom presidente» e tem esperança de voltar à cadeira presidencial em 2003. De acordo com a reforma constitucional de 1994, que estabeleceu a eleição directa do presidente e reduziu o mandato presidencial de seis para quatro anos, não é possível cumprir mais de dois mandatos consecutivos.
No poder desde Julho de 1989, Menem, agora com 69 anos, considera-se «um homem que cumpriu os seus sonhos e que deixa um país em boas condições». Uma opinião contestada pelos argentinos, como os próprios resultados eleitorais confirmaram.
A favor do seu
desempenho, Carlos Menem esgrime a estabilidade do país, a
modernização da economia, o controlo da inflação. È um facto
que em 1989 a inflação estava totalmente fora de controlo,
chegando no final desse ano a atingir os 4923 por cento, e que
este ano as estimativas apontam para uma quebra dos preços da
ordem dos 0,7 por cento; e que o Produto Interno Bruto (PIB)
passou de 82 773 milhões de dólares em 1989 para 298 131
milhões de dólares no ano passado. Mas também é verdade que
há dez anos a taxa de desemprego era de 8,1 por cento e
actualmente se situa nos 14,5 por cento, e que a dívida externa,
então de 62 843 milhões de dólares, ascende hoje aos 144 000
milhões de dólares.
Ao chegar ao fim do seu consulado, Menem deixa um país onde se
acentuaram de forma brutal as desigualdades. Segundo os
dados da Fundação de Investigações Económicas
Latino-Americanas (FIEL), mais de 17 por cento da população da
Grande Buenos Aires vive abaixo do limiar da pobreza. Em todo o
país, de acordo com os dados oficiais, há 10 milhões de pobres.
O panorama no domínio da saúde não é mais animador, apesar
dos investimentos no sector representarem 6,9 por cento do PIB: a
taxa de mortalidade infantil é de 20 por mil (duas vezes
superior à do Chile e três vezes maior do que a de Cuba), e um
terço da população não dispõe de assistência médica.
Após uma década de «estabilização» da economia,
caracterizada pela abertura aos investimentos estrangeiros, a
privatização de tudo o que era possível privatizar, e um plano
de conversão que ligou o peso ao dólar americano, as
perspectivas de futuro para a Argentina estão longe de ser
animadoras. Segundo o FMI, a previsão de crescimento para o
próximo ano é de apenas 1,5 por cento, a produção industrial
baixou 14,5 por cento, e o défice fiscal ascende a 6500
milhões. Tudo isto quando o fluxo de capitais estrangeiros para
a região está em redução acelerada (menos 55 por cento em
1998, segundo o FMI), e quando quase todos os países da América
Latina registaram na primeira metade de 1999, como revela um
estudo da Comissão Económica para a América Latina e as
Caraíbas da ONU (CEPAL), uma acentuada desaceleração do
crescimento, ou mesmo abertamente uma recessão.