Na Yazaki
de Ovar
Uma
geração com espírito de classe
(Reportagem de Isabel Araújo Branco, texto e Sérgio Morais, fotos)
A Yazaki-Saltano instalou, no início da década, uma fábrica de componentes eléctricos para automóveis em Ovar. Os 20 hectares de terreno onde a empresa se situa foram vendidos por 20 mil escudos pela Câmara Municipal, que também construiu as infraestruturas. Nesta troca simbólica, os responsáveis pela multinacional japonesa comprometeram-se a trazer benefícios para a cidade e para todos os seus jovens.
Actualmente a Yazaki é conhecida pela média de idade dos seus funcionários (25 anos), pelos «castigos» que as chefias aplicam aos trabalhadores e pelas más relações que mantém com o Sindicato das Indústrias Eléctricas do Centro. Apesar das muitas dificuldades com que tiveram de lutar, os sindicalistas desempenham hoje um papel importante na vida dos quatro mil empregados da fábrica. E as suas funções ultrapassam as habituais. «O sindicato serve também de refúgio, de local de conversa para quem está aflito, até com problemas familiares ou psicológicos», explica Domingos Tavares, coordenador do SIEC do distrito de Aveiro.
Chegam às centenas,
de carro, de moto, de boleia com os namorados, em camionetas
alugadas. Encontram os colegas à entrada, encostam-se ao muro e
continuam a conversa interrompida no dia anterior. São todos
muito novos.
O cenário parece-se com uma escola secundária, mas trata-se da
Yazaki-Saltano, uma fábrica de componentes eléctricos para
automóveis de Ovar. Se se trocasse as batas pelos livros, se se
pensasse que os papeis que estão a ser distribuídos ao portão
são da associação de estudantes e não do sindicato, se se
confundisse os chefes com os professores ficaríamos convencidos
que estávamos noutro sítio.
Ao fundo, o
edifício da fábrica, várias dezenas de metros de fachada
pintada de cores claras. As grandes letras do nome da empresa
são visíveis ao longe. O trânsito está parado na estrada como
se o mundo estivesse a assistir a um espectáculo. Ninguém toca
as buzinas, habituados que estão a ver todos os dias, à mesma
hora, a troca de palavras, o movimento das batas coloridas, as
despedidas no regresso a casa. Afinal, são cinco horas da tarde,
altura da mudança de turno.
Em Ovar quase todos têm um familiar, um amigo ou um vizinho que
aqui trabalha. No total são cerca de quatro mil funcionários
(70 por cento mulheres), com uma média etária de 25 anos. Há
outras fábricas na cidade, mas esta é a que emprega mais
jovens.
Não é por isso de admirar que a comissão sindical da Yazaki
seja constituída por jovens. A actual comissão foi composta há
seis meses e empenha-se na defesa dos trabalhadores da empresa,
explicando direitos e denunciando ilegalidades em comunicados e
no boletim que publica, o «Geração XXI». Multiplicam-se os
casos em que o Sindicato das Indústrias Eléctricas do Centro
(SIEC) teve de recorrer à Inspecção e ao Tribunal de Trabalho
para fazer prevalecer a lei. E muitos são os exemplos em que a
Justiça lhe deu razão.
Actualmente, cerca de dez por cento dos funcionários da empresa
estão sindicalizados no SIEC, um número que Joaquim Gaspar,
dirigente do Sindicato dos Trabalhadores das Indústrias
Eléctricas do Norte, reconhece ser «demasiado baixo em
comparação com os índices das empresas do sector instaladas
há mais tempo em Portugal». No entanto, «no último ano tem-se
verificado uma adesão significativa comparando com todos os
outros anos anteriores», sublinha Gaspar.
Batalhas em duas frentes
Os primeiros três
anos e meio da presença da Yazaki em Ovar foram muito difíceis
para o SIEC. «O sindicato era tabu. Hoje fala-se abertamente»,
recorda Américo Rodrigues, 33 anos, electromecânico, delegado
sindical e o primeiro trabalhador da empresa de Ovar a se
sindicalizar. «Antigamente, quando se fazia distribuições de
informação à porta da fábrica, muita gente fugia. Agora são
poucos os que dizem que não querem os papeis e até há quem os
venha procurar», conta António Oliveira, 27 anos, operador
especializado e delegado sindical.
«É um trabalho moroso e complicado, mas agora estamos a
recolher os frutos. Há muita gente que já vê o sindicato como
uma organização que os defende», diz Joaquim Gaspar. «Os
trabalhadores eram "pau para toda a obra", remunerados
pelo nível mais baixo. Algumas acções que movemos em tribunal
acabaram por nos dar razão e os problemas que fomos resolvendo
deram credibilidade ao sindicato», acrescenta.
Muitas pessoas encaravam o SIEC como mais uma organização.
Neuza Borges, de 28 anos, partilhou esta opinião algum tempo.
«Tinha uma má imagem dos sindicatos e pensava que as pessoas se
sindicalizavam, pagavam as cotas e ficava tudo por aí. A
sindicalização surgiu por causa da minha revolta interior
contra determinadas situações na empresa e por ver a
insistência do SIEC a tentar resolver os problemas.» Neuza é
hoje delegada sindical porque, explica, «como delegada tenho
possibilidades de falar e de ser ouvida que não tinha como
simples colaboradora do sindicato».
«Infelizmente, a maioria das pessoas só se sindicaliza quando
tem algum problema», diz Conceição Pinto, de 30 anos,
operadora especializada e dirigente do sindicato há um ano.
Conceição é um caso raro, pois sindicalizou-se quando ainda
estava contratada a prazo.
As relações entre o SIEC e a administração da Yazaki sempre
foram difíceis. O placard com informação sindical foi
colocado depois da intervenção da Inspecção do Trabalho e a
empresa só permitiu a presença do sindicato dentro da fábrica
após ordem do Tribunal do Trabalho.
Depois de ser obrigada, a empresa atribui uma secretária num
espaço aberto, a um metro de distância da do director de
produção. «Quando os delegados iam para lá falar, o director
tinha sempre qualquer coisa para fazer e também ia para lá»,
conta Joaquim Gaspar. O argumento da empresa era simples: não
queria pôr os delegados num ghetto. Só com uma nova
intervenção do tribunal foi atribuída uma sala própria.
Mas as situações mais graves eram as que afectavam directamente
os funcionários sindicalizados e delegados sindicais, que
durante mais de dois anos não viram os seus salários
aumentados.
«Quando me tornei delegada sabia que ia sentir na pele muita
coisa - como senti e continuo a sentir», afirma Conceição
Pinto. Mas, apesar de uma melhoria significativa, a situação
ainda está longe de ser a ideal. «Quando disse à minha chefia
que ia ser o delegado do turno da noite, tive como resposta:
"Então vais ser o próximo a ser despedido."»,
recorda Miguel Freitas, operador especializado.
«Quem acha que deve lutar por aquilo a que tem direito nunca
pode baixar a cabeça e desmoralizar. Temos de ser fortes e
acreditar que vale a pena lutar. No dia em que pensarmos que não
vale a pena está tudo perdido», defende Conceição.
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Castigos e proibições
Um dos grandes
problemas na Yazaki é o comportamento das chefias intermédias
em relação aos trabalhadores. «Brusco, violento, a raiar a
malcriadice», caracteriza Domingos Tavares, coordenador da
direcção distrital de Aveiro do SIEC. O próprio director da
fábrica reconheceu que se trata de uma lacuna e pediu à
comissão sindical que apresentasse casos concretos à
administração.
«As chefias continuam a impor as suas leis, normas que não são
da administração mas que saem da cabeça de cada um. Parece que
em cada secção funciona uma empresa. Cada chefe diz as coisas
à sua maneira», explica Conceição Pinto. E muitas dessas
normas, além de arbitrárias, são totalmente caricatas. Como a
proibição de mastigar pastilha elástica.
Mais graves são os «castigos» que os trabalhadores sofrem. Um
exemplo: quando uma funcionária da secção dos protótipos se
recusou a ser transferida para a produção, foi colocada numa
secretária durante dois dias sem fazer nada. Os colegas foram
proibidos de falar com ela. Conceição passou por uma situação
semelhante. «Sempre que alguém era visto a falar comigo era
logo chamado à atenção», lembra.
Delfim Oliveira, electromecânico e coordenador da comissão
sindical, conta outro caso, passado com ele e com um colega. Há
algum tempo foi-lhes pedido que fizessem uma alteração nos
painéis de montagem, sem orientações e sem material próprio.
A linha de montagem parou cerca de 30 minutos e o seu
responsável pressionou-os a assinar um documento a
responsabilizarem-se. Eles recusaram.
«Passado duas horas saiu o "castigo": vieram-nos dizer
que tínhamos de ir arrumar a arrecadação. No outro dia de
manhã fomos para lá só de camisa, apesar do frio», diz Delfim
Oliveira. «Ainda hoje se encontram lá as peças, organizadas e
contadas, sem ninguém lhes mexer.»
«Aquilo é como uma escola. Se o "menino" não se
porta bem, vai de castigo para a parede», ironiza Benjamim
António, operador especializado do turno da noite.
Reagir a essas penalizações «é muito difícil, porque
acontece a uma pessoa de cada vez», explica Conceição. «Mesmo
conhecendo os direitos, por vezes as pessoas acabam por fazer o
que lhes dizem com medo de represálias.» A única solução é
denunciar. Foi o que fez Maria Augusta Tato, que, em Setembro
passado, foi agredida ao pontapé por um responsável japonês
por ter pisado inadvertidamente um cabo. O julgamento deste caso
está marcado para dia 29 de Novembro.
Reivindicações... O SIEC apresenta uma longa
lista de reivindicações à Yazaki, entre as quais o
pagamento dos anos em que os salários dos trabalhadores
sindicalizados não foram aumentados, a distribuição de
máscaras e protecções para os olhos nas secções onde
se trabalha com produtos químicos, bem como o
alargamento do parque de estacionamento, de modo a que
todos os funcionários tenham os automóveis protegidos
de roubo. |
... e conquistas Nos primeiros anos de
laboração da fábrica os contratos a prazo rondavam os
70 por cento, um número que hoje desceu para 30 por
cento. Mas outras conquistas foram feitas pelo SIEC, como
o reconhecimento dos delegados sindicais, o pagamento de
complemento do subsídio de doença profissional e do
complemento do trabalho nocturno no subsídio de Natal e
de férias, a aceitação das duas horas de amamentação
e a passagem de funcionários para o escalão devido. |