Aberto o debate para o 9.º Congresso da CGTP-IN - II
Acção reivindicativa e negociação colectiva


Prosseguimos neste número a divulgação do projecto de Programa de Acção da CGTP-IN para os próximos quatro anos.
O documento, como informámos na semana passada, foi aprovado pelo Conselho Nacional da Inter e, após um período de debate nas estruturas da central e entre os trabalhadores, será levado ao próximo congresso, marcado para 10 e 11 de Dezembro, no Centro de Congressos de Lisboa (antiga FIL). Nestas páginas publicamos alguns excertos do capítulo onde são tratados os temas relacionados com a acção reivindicativa e a negociação colectiva .

A intervenção do Governo PS na área da negociação colectiva é considerada «profundamente negativa», sobretudo porque «a revisão da legislação de trabalho e o seu conteúdo em áreas essenciais traduziu-se no incentivo ao patronato para endurecer a sua posição de intransigência na negociação», e porque «o Governo recorreu a medidas que representam graves atentados ao direito de contratação colectiva, de que é bem representativo a Acordo de Concertação Social de Curto Prazo». Na legislatura finda «foi também aprovada legislação com impacto negativo no direito de contratação colectiva, de que são exemplos algumas disposições da lei do emprego a tempo parcial».
«Apesar disso, a resistência a aspectos gravosos da revisão da legislação e trabalho veio a traduzir-se, nalguns casos, na valorização da negociação colectiva», refere-se no projecto. Na Administração Pública, «o novo quadro legal veio melhorar o regime de negociação colectiva, embora ficando aquém do que era reivindicado».

A não-neutralidade

No que respeita à resolução dos conflitos colectivos, «o Governo não recorreu aos instrumentos legais e normais estabelecidos na lei, adoptando uma posição de suposta "neutralidade", já que na prática beneficiou a parte patronal, não sancionando as práticas bloqueadoras da negociação e que negam o direito de contratação colectiva».
Tal comportamento justifica que a Intersindical não considere aceitável o argumento de que os problemas seriam solucionados com a imposição da arbitragem obrigatória, reafirmando que «a CGTP-IN sempre considerou que a arbitragem obrigatória só deve ser utilizada como solução de recurso, depois de esgotados todos os meios de resolução pacífica que não sejam ofensivos do princípio da autonomia negocial das partes, pelo que só deve ser utilizada para matérias de carácter pecuniário».
Para a CGTP, «deve ser valorizada e promovida a livre negociação» e a convenção colectiva «deve ser um instrumento privilegiado, porque assegura uma participação directa dos trabalhadores na determinação de normas de trabalho e porque existem interesses divergentes com o patronato». O Governo deve «assegurar o diálogo» e não recorrer (como aconteceu) a legislação que violou o direito de contratação.
No projecto de Programa de Acção são apontadas as reivindicações da CGTP nesta matéria:
- o cumprimento dos direitos individuais e colectivos dos trabalhadores;
- o respeito pelo direito de contratação colectiva como direito fundamental consagrado na Constituição;
- a promoção da negociação colectiva, tendo como referência a Convenção 154 da OIT;
- o empenhamento da Administração do Trabalho na promoção da negociação colectiva e na resolução dos conflitos colectivos de trabalho, devendo traduzir-se, sempre que necessário na formulação de propostas que visem a solução do diferendo;
- o sancionamento de comportamentos bloqueadores da contratação como a recusa de negociação e as manobras dilatórias que impeçam o andamento normal do processo de negociação.

 

  • Na União Europeia

«A negociação europeia apresenta desenvolvimentos, nos seus diferentes níveis. Na negociação confederal, houve três acordos-quadro (licença parental, trabalho a tempo parcial e contratos de duração determinada) que foram transpostos para directivas. Ao nível sectorial, há vários acordos em diferentes actividades. Em várias empresas multinacionais constituíram-se comités de empresa europeus, órgãos com competências nos domínios da informação e da consulta dos trabalhadores. Também a nível regional (transfronteiriço), através dos Comités Sindicais Inter-regionais, existe um nível negocial reconhecido, ainda que, até agora, sem ter sido devidamente explorado.
«A CGTP-IN, que tem acompanhado a evolução destes processos, considera que alguns dos acordos-quadro efectuados se inserem numa filosofia de prescrições mínimas, com conteúdos controversos e mesmo negativos, que podem pôr em risco o objectivo de uma harmonização social no progresso, bem como a credibilização da própria negociação europeia.
«A realização da União Económica e Monetária veio impulsionar o debate para a necessidade de coordenar a negociação colectiva a nível europeu. A criação da moeda única, tendo como consequências a intensificação da concorrência e a perda ou a limitação de instrumentos de política económica, como as políticas monetárias e orçamentais, veio reforçar os riscos de dumping social, através de espirais regressivas nos vários países (restrições salariais, redução de direitos, etc).
«Neste quadro, têm-se desenvolvido iniciativas com vista a coordenar a negociação colectiva, quer ao nível de toda a UE (CES), quer ao nível regional (grupo de Doorn: Alemanha, Bélgica, Holanda e Luxemburgo), quer no âmbito sectorial, através das Federações Sindicais Europeias (FSE). O IX Congresso da CES, realizado em Julho de 1999, aprovou uma resolução em que prevê a coordenação da política contratual na Europa a nível interprofissional e sectorial e a criação de um Comité de Coordenação das Negociações Colectivas.»

Harmonização
no progresso

«A CGTP-IN sempre se bateu pela harmonização no progresso das condições de vida e de trabalho. É este o elemento essencial para o desenvolvimento da regulação a nível europeu. Esta deve cimentar e não substituir os avanços obtidos nos vários países, criando condições para a elevação dos direitos na UE e abrindo novos espaços de solidariedade.
«É necessário e é possível intensificar a acção sindical, no espaço da UE, pela defesa de objectivos como a melhoria na repartição do rendimento, a luta pelas 35 horas de trabalho semanais, a promoção da estabilidade de emprego, o direito à formação, a igualdade de oportunidades e de tratamento, o direito à Segurança Social, a protecção da saúde. A definição de objectivos reivindicativos comuns, a coordenação das negociações em cada país, sem perda de autonomia, e a realização de acções de pressão comuns são os elementos-chave para a criação de uma relação de forças a nível europeu, que abrirá as perspectivas para autênticas convenções colectivas europeias.
«A coordenação das negociações ao nível sectorial por via das FSE deve representar um passo decisivo. Para isso, é necessário criar instrumentos como o reforço da cooperação, a criação de bases de informação comuns, com vista à coordenação de objectivos, e a criação de estruturas de negociação específicas.»

(A negociação colectiva europeia, ponto VI.5)

 

«Os níveis de negociação e de intervenção têm-se vindo a desenvolver: acção reivindicativa de empresa, contratação colectiva, concertação social, negociação europeia, etc. Estamos perante uma situação mais complexa, que exige respostas mais qualificadas; que exige um maior esforço no sentido da coerência geral das reivindicações; que exige um trabalho sindical mais planificado, coerente e articulado, o que implica um maior papel de coordenação pela CGTP-IN; que exige o desenvolvimento de formas de articulação e de complementaridade.
«Estes problemas têm sido há muito debatidos pela CGTP-IN. Mas, importa reconhecer que persistem dificuldades, como sejam, entre outras: insuficiente coordenação da política reivindicativa; acção reivindicativa nas empresas muitas vezes feita à margem dos sindicatos; ausência de articulação entre reivindicações de empresa e os contratos sectoriais.»

Ganhar força
na base

«Para a CGTP-IN, a intervenção nos diferentes níveis deve apoiar-se no factor estratégico decisivo, que é a capacidade de melhorar a relação de forças a partir do local de trabalho.» (...)
«Os desafios são pois: o de ganhar poder contratual na base para impulsionar os diferentes níveis de negociação; e o de criar uma intervenção global mais orgânica, coerente e planificada em todos os níveis da estrutura. Neste sentido, destacam-se dois aspectos essenciais:
a melhoria da coordenação da política reivindicativa pela CGTP-IN. A definição de objectivos reivindicativos comuns constitui um dos aspectos essenciais. Neste sentido, deve ser consolidado o trabalho com vista à preparação da política reivindicativa de cada ano, a realizar imediatamente a seguir às férias. Deve também promover-se um maior debate da política reivindicativa reforçando o papel das reuniões de Federações e de Uniões, recorrendo-se nomeadamente a reuniões sobre temas específicas;
o reforço do papel de coordenação das Federações em relação às reivindicações de empresa. Deve ter-se como referência a política de contratação colectiva para 2000, que contém uma estratégia com vista à criação de uma nova dinâmica reivindicativa, articulando as reivindicações de empresa com a negociação do contrato sectorial.»

(Os níveis de negociação, ponto VI.3)

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«A negociação colectiva só poderá ser verdadeiramente dinâmica se os trabalhadores forem envolvidos na negociação, nas propostas reivindicativas, nas formas de luta, nos resultados negociais. Só assim os trabalhadores participam de facto na negociação e só assim é possível criar uma relação de forças mais favorável.
«No entanto, constatam-se dificuldades na aplicação desta orientação. A natureza destas dificuldades conduz à ideia de que uma resposta adequada terá de passar pela melhoria na articulação da acção reivindicativa com a organização. Existe hoje uma excessiva especialização e parcelização: quadros que só fazem negociação; não envolvimento de todos os dirigentes na discussão da política reivindicativa; tratamento dos problemas de negociação sem ter em conta uma visão mais larga que considere os diferentes determinantes da acção sindical; etc. É importante sublinhar a ideia de que as questões reivindicativas dizem respeito a todos os dirigentes sem excepção, mesmo que existam quadros mais especializados na negociação. Importa pois procurar formas de articulação mais dinâmicas entre a acção reivindicativa e a organização.
«O desenvolvimento da acção reivindicativa não deve visar somente fins imediatos da melhoria das condições de quem trabalha: constitui também um meio fundamental para a ligação e o contacto com os trabalhadores; para o recrutamento de quadros sindicais; para o reforço da organização sindical nos locais de trabalho.

(A articulação da acção reivindicativa com a organização, ponto VI.4)

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«A ideia largamente difundida de que a negociação colectiva apenas negoceia salários não corresponde à realidade. A convenção colectiva tem regulado os vários aspectos da prestação de trabalho e têm sido precisamente os avanços obtidos face aos mínimos legais que explicam a virulência dos ataques das forças neoliberais contra a contratação colectiva. Quando, em muitos processos, a parte visível é revisão salarial, isso quase sempre traduz que os trabalhadores não abdicaram de direitos que a convenção consagra. Deve ter-se presente que o patronato tem condicionado as revisões salariais a modificações nos direitos fixados nos clausulados das convenções.
«Isto não significa que o movimento sindical não deva persistir na melhoria dos direitos e das condições de trabalho. Mesmo no actual quadro de relação de forças, a negociação colectiva poderá ser mais dinâmica: na tradução de novos objectivos reivindicativos, procurando novos avanços sociais; na adaptação da convenção às transformações verificadas no trabalho; na procura de soluções negociadas para conflitos em curso; na adaptação das convenções a modificações objectivas na vida de trabalho; na transposição para a convenção de avanços obtidos a nível legal e na melhoria destes; na limitação de conteúdos gravosos da legislação de trabalho.» (...)

Valorizar os resultados

«A valorização dos resultados mantém-se como debilidade não ultrapassada. A valorização dos resultados é fundamental, porque pode contribuir decisivamente para manter os trabalhadores organizados e ligados ao sindicato. Resultados valorizados constituem a prova de que a acção sindical vale a pena. Dão confiança aos trabalhadores para prosseguirem e apresentarem novas reivindicações no futuro. Mesmo as pequenas melhorias devem ser valorizadas. Deve ter-se presente que as grandes conquistas são quase sempre o resultado de pequenos avanços, normalmente ao nível de empresa, que se vão progressivamente generalizando. E, inversamente, o patronato utiliza os recuos, divulgando-os com vista a obter retrocessos sociais generalizados.»

(Os conteúdos reivindicativos, ponto VI.2)


«Avante!» Nº 1352 - 28.Outubro.1999