Saibamos todos
Era fatal como o destino.
Depois do que, dos mais variantes quadrantes, se havia dito e
escrito sobre a composição e estrutura do seu Governo e o seu
iniludível significado, estava-se mesmo a ver que o
Primeiro-Ministro, na cerimónia de posse do seu Governo, só
podia vir brindar-nos com uma inopinada reabilitação da
«ideologia» convenientemente agitada contra a «tecnocracia»
sem alma, proporcionar-nos umas palavras encantatórias sobre as
grandes «desafios» nacionais, oferecer-nos a imagem de um
executivo embebido até ao tutano por grandes causas, tarefas e
projectos colectivos.
Mas a verdade é que antes já muita gente
tinha percebido que o grande fio condutor dos critérios,
escolhas e soluções adoptadas para a composição do Governo
está na montagem de uma temível e sofisticada máquina de poder
estreitamente vinculada aos objectivos de influência eleitoral
do PS, está num novo salto qualitativo na articulação entre
interesses partidários e exercício de funções do Estado.
E se não bastassem as carradas de exemplos que, na estrutura e
composição pessoal do Governo, evidenciam este inquietante
propósito, aí estaria a demonstrá-lo a apressada e
estranhíssima notícia da nomeação dos dirigentes do PS Joel
Hasse Ferreira e Carlos Zorrinho para «Altos Comissários para a
Descentralização» respectivamente em Lisboa e Vale do Tejo e
no Alentejo, sem que ninguém conheça sequer qual o suporte
legal destes cargos, o seu enquadramento orgânico, as suas
funções.
Salta assim à vista, e uma coisa tem que
ver com a outra, que designadamente todos aqueles que não se
reconhecem na bondade da governação do PS, têm diante de si
não apenas a tarefa maior de dar combate ao mais que provável
prosseguimento dos grandes eixos e opções determinantes da
política de direita mas também a de lutar vigorosamente e sem
descanso contra um plano premeditado de consolidação, duradoura
estruturação e refinamento de um complexo sistema de
clientelas, dependências e condicionamentos.
Saibamos todos: este é um sistema que não brinca em serviço e
que vai apostar claramente no entorpecimento do espírito
crítico, na anestesia, dissolução e desintegração de
descontentamentos, na criação de sentimentos de impotência e
resignação, no favorecimento de uma larga abdicação de
qualquer vontade de mudança.
E é neste quadro que, depois de muitos dias em que compreensivelmente muitas atenções estiveram voltadas para a questão da correlação de forças parlamentar e suas prováveis consequências, ganha a maior importância uma aguda compreensão de que, talvez de forma acrescida nesta nova legislatura, o desfecho de muitas iniciativas e batalhas no plano parlamentar ou sobre a política do Governo vai sobretudo depender da nossa capacidade de iniciativa política em direcção à sociedade, aos trabalhadores e aos cidadãos, da movimentação social e dos movimentos de opinião que se afirmarem em torno dos problemas e das necessidades reais do povo e do país, em suma de uma forte revalorização da confiança dos cidadãos na eficácia de sua luta e no peso da sua opinião e intervenção na marcha dos acontecimentos. Vítor Dias