Colossal embuste


Passaram dez anos desde a «queda do Muro». Mas o alarido pela efeméride não foi grande. O balanço de uma década de restauração capitalista no Leste Europeu é sombrio para a generalidade dos povos da região. E em vários casos salda-se mesmo por um desastre nacional.

Em 1997 (o último ano para o qual havia dados definitivos) o PIB do conjunto dos países da Europa do Leste e ex-URSS era de apenas 73% do valor correspondente a 1989 (dados do Banco Europeu para a Reconstrução e Desenvolvimento, Financial Times de 24.9.99). Ou seja, mais de um quarto da riqueza produzida nesses países à data da «queda do Muro» evaporou-se com a transição desses países para a «eficiente», «produtiva» e «dinâmica» economia «de mercado». Dos 25 países a que se referem os dados, apenas um (a Polónia) viu o seu PIB crescer entre 1989 e 1997 (a uma taxa anual de 1,4%). As quebras foram particularmente graves nos países da ex-URSS. Os 12 países da Confederação de Estados Independentes (CEI) tinham em 1997 um PIB que correspondia a apenas 57% do valor de oito anos antes. Nalguns países a quebra assumiu a dimensão, verdadeiramente catastrófica, de cerca de dois terços do produto. É o caso da Ucrânia, cujo PIB é agora de apenas 37% do valor de 1989, da Arménia (38%), da Geórgia (32%), da Moldávia (35%), entre outros. É certo que alguns destes países registam crescimento económico nos últimos anos. Mas os dados referidos mostram que se trata duma recuperação parcial, que não compensou o terremoto provocado pelas «terapias de choque» impostas pelo FMI e os outros centros da globalização imperialista.

Se o «bolo» da produção nacional é hoje inferior ao que era no tempo do Muro, a forma como é repartido torna o problema ainda mais grave. «As economias em transição da Europa do Leste e CEI experimentaram o crescimento mais rápido de sempre na desigualdade. A Rússia tem, agora, a maior desigualdade – a parcela de rendimento dos 20% mais ricos é 11 vezes maior que a parcela dos 20% mais pobres», diz-nos o Relatório do Desenvolvimento Humano 1999 do PNUD. «Na Europa do Leste e países da ex-União Soviética milhões de pessoas viram os seus níveis de vida deteriorar-se durante a transição das economias planificadas para as economias de mercado. Cerca de 147 milhões de pessoas (aproximadamente uma em cada três) vivem com menos de 4 dólares por dia, um aumento de dez vezes em relação a 1989» informa-nos o insuspeito Banco Mundial (Financial Times, 27.4.99). E não é segredo para ninguém que em muitos desses países boa parte da economia está nas mãos de autênticas mafias. Que os sistemas de segurança social, ensino e saúde foram em grande medida desmantelados. Que a sobrevivência de milhões de pessoas faz-se hoje à custa da mendicidade, da criminalidade, da prostituição, de tráficos de vária ordem. O drama humano traduz-se neste aterrador dado, do já citado Relatório do PNUD: em vários países europeus da ex-URSS (Rússia, Estónia, Letónia, Lituânia, Ucrânia, Arménia, Bielorússia) a esperança de vida dos seus cidadãos é hoje inferior ao que era há trinta anos atrás. A globalização capitalista mata. Mesmo quando não o faz com bombas.

Mas há uma faceta de grandes «êxitos» nos processos de restauração do capitalismo a Leste. Que ajuda a explicar o porquê das receitas económicas que tantos estragos têm causado. Falamos da pilhagem dos recursos desses países por parte do grande capital internacional. Que não se traduz apenas pela tomada de controlo das empresas e matérias primas. Traduz-se também na colossal transferência de riqueza para a banca imperial. Segundo estimativas publicadas pelo Financial Times (27.8.99), a fuga de capitais da Rússia, entre 1992 e 1998, terá atingido 210 mil milhões de dólares. Esta fuga de capitais «excede em muito a entrada de capitais [na Rússia] de investidores estrangeiros e organizações financeiras internacionais» (FT, 21.8.99). Ou seja, não é «o Ocidente que ajuda a Rússia», é a Rússia que tem estado a ajudar o «Ocidente» (e as suas bolsas).

Que havia numerosos problemas com o modelo de socialismo no leste europeu é uma evidência histórica. Mas a restauração capitalista não visa resolver problemas. Visa aumentar os lucros e o poder do grande capital internacional. Perdoe-se o plágio, mas a restauração do capitalismo a Leste é um colossal embuste. — Jorge Cadima


«Avante!» Nº 1352 - 28.Outubro.1999