Cadeiras
e outras diversões
Há ditos tão certeiros que perduram mesmo
depois de as situações que lhes estão na origem se terem
desvanecido na memória, dada a tão pouca importância que se
lhes (às situações) atribui. Aqui há tempos, ainda as
eleições legislativas não tinham apurado resultados e não
havia começado o jogo das cadeiras nem o PS contava com a metade
de um hemiciclo para prosseguir (sempre dialogante) a sua
política de direita, apoiado em quem o venha a ajudar, um
comediante da nossa praça - talvez o único humorista que
conseguiu vicejar e fazer-nos rir e pensar, apesar das
escorregadelas a que se sujeita -, fazia esta pergunta no seu
programa de TV: «Onde é que o Bloco de Esquerda se vai sentar?
À esquerda do PCP? À direita do PCP? Ou lá atrás, ao colo dos
jornalistas onde nunca deixou de estar?» Era mais ou menos esta
a pergunta, cito-a de memória e recordo, no barulho dos
aplausos, o entendimento da piada por parte do público.
Lidos os resultados, o BE lá conseguiu duas cadeiras, ficando
agora com o problema de as juntar a quem quiser para a política
que quiser fazer. Quererá fazer alguma? Da sua pressa anunciada
em «renovar» a política e «renovar» a «esquerda», os seus
primeiros passos parecem revelar que pretende apenas continuar
«sentado ao colo dos jornalistas». Mesmo de pé - como ficou o
par de deputados BE durante todo o primeiro dia da Assembleia, na
tomada de posse - o agora deputado Louçã, acoplado do seu
«adjunto» que o acompanha hoje por toda a parte, mesmo nas
partes gagas de protestos «anti-chineses», mesmo de pé ambos
continuam sentados. E os «jornalistas» - escrevo com aspas por
respeito sincero para com a profissão e os profissionais que se
recusam aos fretes mediáticos e ao serviço mais rasteiro dos
interesses de quem é dono de jornais e de política - os
«jornalistas» arriscam-se a terem de puxar pela imaginação
para fornecer algumas ideias «renovadas» e frescas aos
deputados BE. Porque não lhes forneceram banquinhos?
O jogo das cadeiras, porém, não se limita ao cantinho do BE.
Muita cadeirada se adivinha nas bancadas do PS e à sua direita,
para saber quem vai liderar o quê. E, no que toca ao Governo -
«novo», como anunciava Guterres, deixando ver como a palavra
«renovação» já não é o que era e esconde muitas vezes
jogos de poder -, a novidade foi afinal um arrumar de cadeiras e
de traseiros mal sentados.
Alguns ministros, que entretanto engordaram na primeira fase da
política de direita de Guterres, tiverem direito agora a duas
cadeiras. Caso de Jorge Coelho, que arrecada a das Obras
Públicas, mesmo a calhar para o seu jeito inaugurativo, e a da
Presidência, a jeito da sua propensão truculenta de «grande
dinamizador» de um governo cuja estratégia não tem alma mas
está carregada de «espírito de serviço» aos interesses do
grande capital. Por falar em capital, outro «pesado» do
ministério, Pina Moura, acumula a Economia e as Finanças - duas
cadeiras para melhor servir, a golpes de privatização e de
imposto.
Outras mudanças de assento são menos claras para o entendimento
comum. Claro que fica a matar a Fernando Gomes o ministério das
polícias, o seu pendor é esse. E que se compreende o
afastamento de Miranda Calha, que não calhava ao desportivismo
do ministro. Mas já não se entende que o eterno secretário de
Estado do Desporto, agora com a medalha de haver contribuído
para o êxito da candidatura portuguesa para o Euro 2004, seja
despedido e vá para a... Defesa, quando se revelou um ponta de
lança. Se é natural que Cravinho haja recusado a Defesa - ele
que manifestou a sua queda para o lado civil da engenharia - já
não se percebe o que fará no pelouro um jurista como Castro
Caldas, acolitado pelo infeliz Calha, ainda por cima com a espada
da Justiça sobre a cabeça. Talvez o «futebol» venha a
explicar tudo.
O resto, ainda que misterioso apareça, são apenas cadeiras.
Como a que deram à ministra de Belém, uma cadeirinha da
«igualdade» para continuar, em lugar inferior, a acompanhar os
negócios do Estado.
Alguns protagonistas, ao que parece, talvez nem venham a aquecer
os lugares.
Entretanto, falemos de nós. Dos comunistas, que não jogam às
cadeiras nem ao calhas.
No dia da tomada de posse, o grupo parlamentar do Partido
Comunista Português teve um gesto significativo que, como era de
esperar por parte da generalidade dos órgãos de comunicação
social, não teve a retumbância que atribuem às cadeiral
política. O PCP anunciou a entrega na Mesa da Assembleia da
República, logo que no dia seguinte fosse eleita, de cinco
projectos de lei.
Trata-se de uma iniciativa a que o nosso jornal dá relevo e que
deveria merecer a atenção de todos os que da política mantêm
uma ideia de dignidade, de verdade e de responsabilidade, mesmo
aos que discordam das medidas propostas, porque são medidas com
um conteúdo de classe a que se mostram adversos. O PCP avança,
como prioridades, com projectos de lei de aumento do salário
mínimo; aumento das pensões de reforma; reposição da idade da
reforma das mulheres aos 62 anos; baixa das tarifas de
electricidade; medidas para garantir a eleição do Conselho de
Fiscalização dos Serviços de Informação.
Avançar com estes projectos é uma urgência porque se pretende
responder a questões que urgem. Mas tem ainda o mérito de
mostrar naturalmente, como afirmou Octávio Teixeira, «o nosso
inquestionável empenhamento na concretização dos nossos
compromissos eleitorais». Leandro Martins