Prioridades


«Não há democracia plena na exploração, na miséria, na exclusão social...» - afirmou, há dias, o Secretário Geral do PCP, Carlos Carvalhas. Eis uma verdade incontestável e que a realidade da situação do nosso País demonstra exemplarmente. Com efeito, o carácter precário da democracia em que vivemos – patente em várias das suas manifestações – assume flagrante visibilidade na política antilaboral do Governo do engenheiro António Guterres. Todos os dias somos confrontados com autênticos atentados às liberdades e direitos dos trabalhadores quer em matéria salarial, quer em relação às condições de trabalho, quer no que respeita à segurança e à qualidade do emprego. As limitações «legais» ao direito inalienável de os trabalhadores lutarem pelos seus direitos são permanentemente, diariamente ultrapassadas pelas práticas ilegais do patronato, particularmente do grande patronato que vê no Governo do PS o seu Governo e se sente à vontade para fazer o que muito bem quer e lhe apetece. O grande capital está, de facto, no Poder e a política levada a cabo pelo Governo é, de facto, a sua política. Assim, a violação dos direitos dos trabalhadores – ou seja a violação de direitos humanos fundamentais – é uma constante nesta empobrecida democracia que tanto orgulha o engenheiro Guterres, chefe máximo daquilo a que, ironicamente, se chama Internacional Socialista.
E as perspectivas futuras não só não apontam para uma correcção destes afrontamentos à democracia como, pelo contrário, destapam iniludíveis sinais de acentuação e agravamento. As preocupações de António Guterres com «as pessoas» são muito limitadas no seu âmbito: na realidade dirigem-se apenas a algumas pessoas, poucas e sempre, sempre as mesmas.

É essencialmente sobre os trabalhadores que recai o grande peso das consequências gravosas decorrentes da política de direita praticada pelo Governo do PS. Não surpreende que tal aconteça se se tiver em conta o que acima se disse, ou seja o conteúdo de classe da política governamental, bem visível nos privilégios que concede aos grandes grupos económicos e financeiros e, por outro lado, no desprezo e no afrontamento que, ostensivamente, faz aos direitos e aos interesses de quem trabalha e vive do seu trabalho.
Ao eleger como preocupações prioritárias «a competitividade e a internacionalização das empresas», o Governo faz uma clara opção de classe: apoia, e quer que isso seja claro, o grande capital contra o trabalho; preocupa-se, e quer que isso seja claro, em defender os interesses de algumas, poucas, «pessoas» e descrimina, despreza, exclui os interesses de maioria das pessoas – dos trabalhadores que são a força da Nação e a sua principal riqueza. E de tal forma assume essa postura, «moderníssima», de prioritar a tal modernidade e a tal internacionalização das empresas, que não hesita em dar garantias de providenciar para que «os salários cresçam menos do que a produtividade» - assim assegurando a crescente desigualdade na distribuição da riqueza como mandam as regras da pia solidariedade guterrista, a qual muito enriquecida há-de ter saído dessa recente cimeira da hipocrisia que foi o seminário de Florença, subordinado ao tema «Reformismo no século XXI».
Sempre na mesma linha de preocupações, o Governo mostra-se empenhado em dar continuidade à alteração das leis laborais, alteração que visa não só agravar as condições de trabalho e salariais dos trabalhadores, mas também limitar-lhes as possibilidades de lutarem pela defesa dos seus direitos e interesses. Assim se explica o sentido da insistência do engenheiro Guterres na alteração à legislação laboral, nomeadamente na lei da contratação colectiva e na lei das férias, no condicionamento do exercício do direito à greve por via da alteração do conceito de serviços mínimos a prestar durante a greve, na retoma de concepções corporativas na negociação da contratação colectiva e na instrumentalização da concertação social.
Também neste caso não razões para quaisquer surpresas: cumprindo a sua função de fiel servidor e intérprete dos interesses do grande capital, o Governo penaliza, naturalmente, o trabalho e os direitos; e sendo, por isso mesmo, um semeador de ventos de agitação social, procura tomar medidas que o salvaguardem do pesado e incómodo encargo de colher as tempestades.

Entretanto, e ao contrário do que o Governo esperaria, as lutas continuam. Como pode constatar quem regularmente leia o «Avante!» - e quem não ler o órgão central do PCP jamais fará essa constatação...- todos os dias, por todo o País há gente que luta, todos os dias e por todo o País têm lugar greves, concentrações, manifestações, plenários, enfim pequenas, médias e grandes lutas que reflectem o descontentamento de milhares de trabalhadores e a sua determinação e disponibilidade para, lutando pelos seus interesses imediatos e pelos seus direitos ameaçados, darem simultaneamente combate à política de direita que sabem estar na origem da generalidade dos problemas que os afectam e ao povo e ao país.
Como sublinhou o Comité Central do PCP, o desenvolvimento da luta de massas é um factor determinante para obstaculizar a concretização de uma política direccionada para servir os interesses do grande capital, para defender e alcançar direitos e melhores condições de vida e de trabalho. E é definindo com rigor as linhas essenciais de intervenção e luta política e social que melhor se criam as condições para esse desenvolvimento da luta de massas.

Nesse sentido, e dado o papel do PCP enquanto partido da classe operária e de todos os trabalhadores, ganha ainda maior importância a necessidade do reforço e da organização do Partido no seio das massas trabalhadoras. Daí a relevância dos recentes Encontros de Quadros da ORL e da ORS, nos quais esta problemática teve presença marcante e onde, na sequência de participados debates colectivos, foram definidas linhas e orientações de trabalho visando esse objectivo.
Como pertinentemente foi afirmado no Encontro de Quadros de Setúbal, «a um Partido revolucionário que intervém na sociedade para a transformar cabem-lhe tarefas e responsabilidades cuja concretização depende em grande medida da capacidade que tivermos de nos ligarmos às pessoas onde quer que elas estejam, colocando como primeira prioridade nesta ligação os trabalhadores nos seus locais de trabalho».


«Avante!» Nº 1357 - 2.Dezembro.1999