«Pacto de
Insubmissão»
Intelectuais
debatem intervenção política
A Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa foi palco, no sábado, de um amplo debate sobre as «Perspectivas de Intervenção Política dos Intelectuais», organizado pela DORL no âmbito do «Manifesto 99-Pacto de Insubmissão», onde os temas abordados não se restringiram ao trabalho dos intelectuais, mas também a toda a intervenção do PCP.
Um ponto comum à
maioria das intervenções foi a necessidade de intervir na
sociedade quotidianamente no sentido de aumentar o número de
«insubmissos» à ordem vigente, porque há um mundo que tem de
ser profundamente alterado. Como defendeu Rui Godinho, vereador
da Câmara Municipal de Lisboa, há que «construir, todos os
dias e em todos os lugares, a alternativa» e lutar «contra a
normalização que nos é imposta».
Diego, um estudante espanhol da Faculdade de Ciências Sociais e
Humanas, referiu este aspecto e defendeu a necessidade de não
separar a militância política da vida estudantil. E deu o
exemplo de um trabalho de investigação feito por alunos sobre
as empregadas da limpeza daquela faculdade, que contribuiu em
grande parte para alterar a situação de sub-contratação em
que se encontravam.
E como criar mais «insubmissos»? Essa não é uma missão
fácil, em especial devido ao facto de a generalidade dos meios
de comunicação social terem as costas viradas às alternativas.
A internet pode aqui desempenhar um papel importante, como
forma de divulgação e de aumentar a participação.
Mas essa não é a única maneira. O actor Morais e Castro
defendeu dois caminhos: o comportamento ético e a defesa da
verdade, com vista à construção de uma base cultural que
contribua para a mudança das mentalidades. Na prática isso quer
dizer um bom ensino, o enriquecimento do conteúdo dos
espectáculos e das artes e a comunicação dos intelectuais com
o público em geral.
Alerta contra neoliberalismo
Todas as
intervenções foram ao encontro do «Pacto de Insubmissão»,
manifesto subscrito por mais de 1600 pessoas, que, como Helena
Medina referiu, não é uma base programática ou um compromisso
global de intervenção conjunta. Para a dirigente comunista,
este documento «é um grito de alerta contra o neoliberalismo.
É a expressão determinada de uma vontade de intervenção
individual por parte de quem acredita que vale a pena o esforço
de, no dia-a-dia, procurar a unidade e a convergência».
Helena Medina não esqueceu a forte pressão que os intelectuais
sofrem no sentido de serem instrumentalizados. E apontou várias
razões: a degradação das condições de trabalho; o
silenciamento ou deturpação dos projectos alternativos; as
linhas de orientação visando cortes de investimentos nos
sectores sociais e culturais; a recusa prática do direito de
participação na definição das políticas para os seus
sectores de actividade; e a entrega do papel regulador
fundamental da cultura às regras económicas e ideológicas do
mercado capitalista.
A dirigente comunista defendeu ainda que o grande apoio que o
«Pacto de Insubmissão» suscitou se deve à «necessidade
sentida por muitos intelectuais de afirmar que há intelectuais
que não estão à venda; que há intelectuais que não desistem
de pensar, de questionar o mundo e de romper com verdades
estabelecidas».
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Carlos Carvalhas:
«Um
Partido de causas, valores e ideais»
«A iniciativa do "Pacto de Insubmissão", que não é nem pretendeu ser uma plataforma para um qualquer movimento e muito menos um artifício para a instrumentalização de cidadãos incautos, foi uma iniciativa de grande importância que congregou diferentes vontades e saberes em torno de causas e que ajudou a atingir os objectivos eleitorais da CDU. Passada a conjuntura eleitoral, pensamos que era de todo o interesse ouvir, trocar opiniões, debater sem agenda prévia ou fechada e abrir caminhos para novas lutas, mesmo que pontuais, em que nos pudéssemos encontrar com total respeito pelos percursos, posturas, diferentes opiniões ou opiniões diferenciadas», afirmou Carlos Carvalhas na sua intervenção.
O secretário-geral
do PCP afirmou que «após as eleições, o nosso Partido
entendeu realizar plenários de militantes, abertos a todos os
que estiveram connosco nesta importante batalha», explicando que
«o objectivo era o de ouvir. De pedir a todos e, nomeadamente,
aos independentes a sua reflexão e as suas sugestões sobre a
nossa intervenção futura, sobre a iniciativa política, sobre
as grandes causas e as prioridades, sobre os movimentos sociais e
os novos movimentos, sobre o envolvimento de todos e de cada um,
em batalhas futuras.»
«O PCP é um Partido de causas, valores e ideais, sempre
disposto a conjugar esforços e a levantar bandeiras, quer em
relação a causas com um cunho de classe, quer em relação às
causas transversais a toda a sociedade. A sua prática é a
tradução da cultura da insubmissão, da coerência, da luta
pela transformação da sociedade», afirmou o líder comunista.
«Nós consideramos a aliança entre a classe operária e os
intelectuais como uma aliança social básica e entendemos que a
intervenção dos intelectuais é também da máxima importância
quer na elaboração da linha política geral do Partido quer na
luta das ideias», sublinhou.
«Como é sabido no nosso ideal e projecto, a democracia tem
quatro vertentes inseparáveis: política, económica, social e
cultural e assentando esta na liberdade e apoio à produção
cultural. A democracia cultural radicada no movimento da
sociedade e componente da vida do povo constitui um dos factores
de transformação da realidade.»
Carlos Carvalhas reiterou que a importância e a intervenção do
debate «é enorme, nomeadamente no movimento e na luta das
ideias, no combate a mistificações, mas também na maior
abertura do Partido à sociedade, ao debate plural, à
assimilação critica das contribuições e reflexões alheias».
Silenciamento e propaganda
«As pressões do
"pensamento dominante", do "pensamento
único", do pensamento ao serviço dos interesses dominantes
exige um grande esforço de atenção, de resposta e também de
"marcação de agenda" apesar da grande desproporção
de meios», salientou Carlos Carvalhas, afirmando que «a
ofensiva atinge todos os domínios, quer pela mentira e pela
mistificação, quer pela deturpação ou pelo silenciamento».
«Silenciamento por exemplo quanto às continuadas atrocidades da
Turquia em relação aos curdos ou em relação ao Kosovo, onde a
OSCE acaba de revelar um balanço terrível de raptos, mortos,
pilhagens e incêndios criminosos contra sérvios, ciganos
muçulmanos islâmicos e albaneses moderados», recordou.
«Silenciamento em relação aos objectivos da Organização
Mundial do Comércio (OMC) e ao que está em causa na reunião de
Seattle. Cada vez mais a OMC está para o comércio internacional
como a Nato está para a segurança europeia e mundial: um biombo
para o domínio americano», acusou o líder comunista.
Carlos Carvalhas referiu também «a apresentação de realidades
como naturais ou como fatalidades, como é o caso da
globalização como tendo que ser a globalização da pobreza, do
agravamento das desigualdades, do casino financeiro planetário.
A apologética e a mistificação andam muitas vezes a par, como
é o caso da propaganda do "modelo americano" e do que
lhe está associado: trabalho precário, parcial,
flexibilização, "baixa dos custos do trabalho",
etc.»
«É assim que, por exemplo, se propagandeia o carácter
"excepcional" do actual crescimento da economia
americana, qualificado o mais forte de sempre, quando olhando
para um período mais longo se verifica que desde os fins dos
anos 50 a economia americana já passou por seis fases de
expansão e outras tantas de recessão. Mais: na retoma
verificada no período KennedyJohnson (1958/69) o
crescimento médio anual foi de 4,1 por cento, na retoma ligada
à administração ReaganBush (1982/90) a taxa anual de
crescimento foi apenas de três por cento e no actual ciclo de
crescimento (1990/98) a taxa de crescimento ainda foi menor: 2,6
por cento ao ano», afirmou.
Falsa «sensibilidade social»
«Também no nosso
país as mistificações do Governo PS ultrapassam tudo»,
considerou Carvalhas. «Afirmam enfaticamente, por exemplo, que
governam com "grande sensibilidade social".
"Grande sensibilidade social" que tem depois tradução
nos aumentos ridículos (e obscenos quando comparados com os
lucros da banca, ou com os milhões da negociata
Champalimaud/Santander) do salário mínimo nacional e das
pensões e reformas. Ou na acentuação das desigualdades, em que
Portugal ocupa vergonhosamente o primeiro lugar no quadro da
União Europeia», acusou.
«Afirmam que o desemprego tem vindo a diminuir sucessivamente,
escondendo as alterações dos critérios que não permitem
comparações e as operações de cosmética sobre o falso
emprego e o trabalho precário. Gabam-se do crescimento
económico do país, mas escondem que não só é relativamente
modesto como assenta em areias movediças. Veja-se o
endividamento externo», declarou o líder comunista.
«O défice da Balança de Transações Correntes (mercadorias
mais serviços) registou um agravamento de quase 40 por cento
(entre Janeiro e Agosto deste ano), quando comparado com o
período homólogo do ano passado.»
«E o Banco de Portugal já expressou que o défice da Balança
Corrente mais o de capital possa vir a exceder este ano os seis
por cento do PIB, o que seria um dos piores valores da economia
portuguesa nos últimos 20 anos!», considerou Carvalhas.