Trabalhadores acusam, exigem e propõem
Garantir no presente
o futuro do Arsenal

Por Domingos Mealha


Com um vasto leque de participantes, incluindo militares e responsáveis do estaleiro, teve lugar na semana passada um colóquio sobre o presente e o futuro do Arsenal do Alfeite.
Apesar da solenidade do auditório do Forum Romeu Correia, em Almada, a iniciativa foi um prolongamento natural da luta dos trabalhadores e dos esforços dos seus representantes, que assim ganharam novos apoios públicos para a exigência de consolidação do Arsenal.

Recentes afirmações de responsáveis do Ministério da Defesa, sobre uma futura transformação do Arsenal do Alfeite em sociedade anónima, a exemplo do que já sucedeu com a OGMA, constituíram o motivo principal que levou a CT e o Sindicato dos Trabalhadores dos Estabelecimentos Fabris das Forças Armadas a realizarem o encontro-debate de 24 de Novembro.
As preocupações dos trabalhadores, face a uma política que deixa aos estabelecimentos fabris militares e à indústria de defesa entre a continuada estagnação, a caminho do encerramento, ou a entrega ao capital privado, foram já expressas noutras ocasiões, com destaque para um encontro realizado em Janeiro de 1998, e para greves e manifestações realizadas nestes quase dois anos.
O sindicato e demais estruturas representativas dos trabalhadores exigem uma inflexão da orientação que tem prevalecido para o sector. Defendem que, mesmo com as dificuldades actuais, geradas por falta de resposta dos governos às novas realidades económicas, sociais e estratégico-militares, nos anos a seguir ao fim da guerra colonial, o Arsenal do Alfeite – tal como os restantes estabelecimentos fabris e indústrias de defesa – não estão irremediavelmente condenados.
O encontro de Almada, na semana passada, proporcionou uma importante ocasião para analisar com mais detalhe este ponto de vista. Preparado como iniciativa aberta a um amplo leque de participantes, mesmo com opiniões distintas sobre o assunto, o debate reuniu membros de comissões de trabalhadores e sindicalistas do Arsenal e de outros estabelecimentos, dirigentes do STEFFAs e de outras estruturas da CGTP-IN (como a União dos Sindicatos de Setúbal e a Federação da Função Pública), quadros técnicos, directores e um administrador do Arsenal, um representante do Ministério da Defesa, um deputado do PCP (de cuja intervenção damos notícia nestas páginas), autarcas dos concelhos de Almada e do Seixal, e outros convidados (designadamente antigos trabalhadores do Arsenal, como o dirigente comunista Jaime Serra, de quem abaixo publicamos um depoimento).

Público
e da Marinha

Apesar da diversidade das presenças e dos oradores, a ideia de que o Arsenal se deve manter como estaleiro da Marinha, privilegiando o interesse nacional, marcou o ambiente nas quatro horas de debate no Forum Romeu Correia. «Só um estaleiro naval integrado na organização da Marinha estará em condições de satisfazer as complexidades da reparação e manutenção dos equipamentos e dos sistemas interdependentes que constituem os navios modernos, bem como cumprir prazos de execução dos fabricos de acordo com os interesses e prioridades da Armada e em coordenação com todos os organismos da Marinha», salientou o representante da Comissão de Trabalhadores, ao abrir a discussão.
Vários intervenientes expuseram opiniões e propostas sobre a evolução do Arsenal, apontaram medidas e orientações para o maior aproveitamento das capacidades, tanto técnicas, como de mão-de-obra, e para a diversificação do mercado.
Foi sublinhada a importância do Arsenal na região, especial nos concelhos de Almada e do Seixal, onde vive a esmagadora maioria dos seus dois mil trabalhadores. Foi também lembrada, logo na intervenção de abertura, a necessidade de clarificar o estatuto do pessoal, com respeito pela sua qualidade de trabalhadores da Administração Pública.
Carvalho da Silva, o último dos oradores convidados, realçou o valor da iniciativa, que mostra «uma visão estratégica, para um futuro seguro», por parte das organizações dos trabalhadores. O coordenador da CGTP reclamou, para o Arsenal, uma estratégia clara quanto ao futuro, a modernização para aproveitamento das suas potencialidades, e formação com respostas adequadas a tal orientação.
José Carlos Gomes, em nome do STEFFAs, ao encerrar o encontro, informou que, embora sem extrair já quaisquer conclusões de uma iniciativa que, sobretudo, pretendia ser de debate, o sindicato vai tratar de divulgar «o que aqui se disse, para conhecimento dos trabalhadores, das chefias militares e das entidades governamentais».


Jaime Serra ao «Avante!»
Salvaguardar os direitos
agora como antes

O Encontro/Debate sobre o presente o futuro do Arsenal do Alfeite constituiu um acontecimento de grande interesse e oportunidade. Quer a iniciativa, quer as intervenções realizadas no decorrer do debate, reflectem uma preocupação comum aos trabalhadores de outras áreas de Serviços Públicos tradicionalmente sob a administração do Estado, face à fúria privatizadora do actual Governo do PS, na continuação da política de recuperação capitalista de governos anteriores.

A hipótese da entrega do Arsenal de Marinha ao chamado sector privado, isto é, ao grande capital nacional e estrangeiro, tem particular gravidade, não só em termos da ameaça aos interesses dos trabalhadores, como também em termos de defesa da soberania nacional, dado o papel deste estabelecimento fabril no apetrechamento e manutenção em condições operacionais da nossa Marinha de Guerra, sabendo-se que somos um País com uma fronteira marítima de cerca de mil quilómetros, com uma grande área de «águas territoriais» a defender, mesmo no quadro das instituições europeias, quer da rapina na área das pescas, quer dos agentes poluidores que demandam as nossas águas.

Trabalhei no Arsenal do Alfeite na década de 40, no auge da ditadura fascista, período em que os trabalhadores do Arsenal, tal como os de outros estabelecimentos fabris militares, travaram duras lutas na defesa dos seus direitos, negados sistematicamente sob a exigência de que os trabalhadores de empresas da área militar, por falsas razões de Estado, se deviam sujeitar às limitações de toda a ordem impostas aos militares. No fundo, tais restrições, mais do que defender hipotéticos segredos de carácter militar, visavam impor aos trabalhadores um regime de exploração desenfreada, com baixos salários e jornadas de trabalho extraordinário não remunerado ou mal remunerado.

O que o Governo visa hoje, por caminhos diferentes, é um objectivo semelhante: retirar aos trabalhadores regalias e conquistas tão duramente alcançadas ao longo de gerações, sob o falso pretexto da necessidade de reformas da gestão ou de reconversões tecnológicas, umas e outras sempre possíveis com o actual estatuto.
Razão têm, pois, os trabalhadores do Arsenal para as suas preocupações e para a sua luta, que desejamos resulte vitoriosa.


Para defender o Arsenal do Alfeite
Podem contar com o PCP

Vicente Merendas realçou a importância do debate e o peso da indústria naval e do Arsenal, e defendeu a continuação da unidade do Alfeite no âmbito público e ligada à Marinha. O deputado do PCP, que é trabalhador da indústria naval, reafirmou o empenhamento dos comunistas na defesa do Arsenal, numa intervenção feita no encontro de dia 24 e de publicamos aqui largos excertos.

«Consideramos de grande oportunidade este encontro-debate, realizado pelo Sindicato dos Trabalhadores dos Estabelecimentos Fabris das Forças Armadas e a Comissão de Trabalhadores do Arsenal do Alfeite.«As questões levantadas pela Comissão de Trabalhadores são, de facto, bastante pertinentes, dado que abordam o actual papel do Arsenal do Alfeite, no contexto das Forças Armadas e na eventual alteração que, legitimamente, levanta sérias preocupações aos trabalhadores, certamente à própria Marinha, à população do concelho de Almada e ao País.»

O sector e o Arsenal

«Com o desaparecimento da SRN, CPP e Parry & Son, e com a Lisnave de malas aviadas para o Estaleiro da Mitrena, em Setúbal, o Arsenal já no ano 2000 será o único estaleiro no concelho de Almada e uma das maiores unidades industriais.«Isto é bem revelador da importância que o Arsenal do Alfeite tem a nível do concelho. Sendo o Arsenal do Alfeite um estaleiro de reparação e construção naval, queria aqui referir a importância que o sector ainda tem na economia nacional.«A indústria naval tem importante interdependência com outros sectores, nomeadamente com os transportes e o comércio externo (mais de 80 por cento das trocas comerciais fazem-se por via marítima), cujos dados disponíveis importa referir.«O Estado português paga mais de 200 milhões de contos/ano a navios estrangeiros, o que corresponde a 20 por ano do défice anual da nossa balança de pagamentos. O saldo negativo dos transportes marítimos tem um agravamento de cerca de 10 milhões de contos/ano, simplesmente à custa dos débitos, pois as suas receitas têm-se mantido praticamente estacionárias, na ordem dos 35 milhões de contos/ano, o que traduz um acentuar do recurso ao frete externo, pela diminuição e cada vez maior insuficiência da capacidade da nossa frota mercante.«Apesar de diversas instâncias internacionais, nomeadamente o Conselho Europeu, afirmarem que os transportes marítimos deverão ser desenvolvidos, pois constituem uma alternativa ecológica ou um complemento para outros modos de transporte, a verdade é que a nossa frota está cada vez mais reduzida, mais envelhecida e não se verificam sinais de vontade política para a sua renovação.Nenhuma medida foi tomada que conduzisse à consolidação e desenvolvimento do sector. Pelo contrário, tudo tem sido feito para a sua progressiva deterioração e consequente redução de capacidade. Isto num país como Portugal, ribeirinho, periférico em termos europeus, que deveria considerar vital e estratégica a sua relação com o mar.«Urge criar condições para construir o navio português, com a incorporação da indústria portuguesa.»


E na Rocha?

«A Lisnave teve a concessão do Estaleiro da Rocha durante dezenas de anos. Surpreendentemente, desinteressa-se do estaleiro, que foi encerrado e passou por uma fase de desmantelamento em que foram gastos largos milhares de contos. Surge, a posteriori, a constituição da uma sociedade, da qual o Arsenal faz parte integrante, para reactivar o estaleiro.«Ora, nos termos da legislação vigente, nomeadamente da Lei Orgânica da Marinha, o Arsenal do Alfeite é um estabelecimento fabril da Marinha, na directa dependência do superintendente dos Serviços do Material. Não é, certamente, nesta qualidade e com o actual estatuto que o Arsenal participará na referida exploração daquele estaleiro.«É necessário esclarecer em que qualidade e com que estatuto tenciona o Governo fazer participar o Arsenal do Alfeite na exploração do Estaleiro da Rocha do Conde Óbidos.»


A posição do PCP

«Estas são questões que o Grupo Parlamentar do Partido Comunista Português tenciona levantar brevemente ao Governo, através de um requerimento na Assembleia da República.«O Arsenal do Alfeite é uma empresa de grandes tradições, que honra a Marinha e todos os arsenalistas. É impensável imaginar a Marinha sem o Arsenal e o Arsenal sem a Marinha.«Para nós, Partido Comunista Português, é fundamental que o Arsenal se mantenha no âmbito público, ligado às Forças Armadas. O Arsenal tem capacidades para, através da investigação, procurar novos campos.«O Arsenal pode potenciar a sua capacidade instalada, com uma articulação com outros estaleiros. O protocolo assinado com Viana é boa notícia; esperamos que não seja só notícia.«A indústria de defesa nacional necessita de um suporte produtivo, adequado, para o abastecimento das suas Forças Armadas. Isto tem custos? Pois tem! Sem complexos, nós afirmamos que devem ser suportados pelo povo português.«Chamamos a atenção para a política do Governo PS, que no fundamental não deu resposta a nenhum dos problemas concretos com que se tem vindo a debater a instituição militar, a falta de modernização efectiva da instituição, bem como elevou o grau de desmotivação dos militares.«Para defender o Arsenal vai ser necessária motivação. Os trabalhadores já demonstraram, nas recentes acções desenvolvidas, que não pactuarão e estão determinados a lutar pelo Arsenal dos arsenalistas. Os trabalhadores sabem que as privatizações têm sérias consequências no plano económico e financeiro, que o emprego e os direitos são sempre seriamente atingidos e são sempre liquidados postos de trabalho.«Neste quadro de grandes incertezas, uma certeza quero deixar: contem com o empenhamento do PCP na defesa do Arsenal do Alfeite, ao serviço dos trabalhadores, da Marinha e do País.»


«Avante!» Nº 1357 - 2.Dezembro.1999