Direitos sindicais nos EUA, o que são?

Por Pina Gonçalves


Na «maior democracia do mundo», cujo modelo muitos dirigentes políticos do mundo, incluindo em Portugal, admiram e advogam, os trabalhadores não têm legislação adequada que lhes garanta representação sindical verdadeiramente livre. Quem o diz é a Confederação Internacional de Sindicatos Livres, num relatório que recentemente tornou público.

Nos EUA, em cada dez trabalhadores que participam em campanhas para a criação ou adesão a um sindicato um é despedido. Anualmente, em cada trinta trabalhadores dos que votaram em eleições sociais nas empresas pela criação ou acreditação de um sindicato um é despedido por esse motivo. O mesmo sucede em 25 por cento das campanhas de organização sindical.
Uma sondagem realizada em 1994 indicava que 79 por cento dos trabalhadores norte-americanos estão convictos de que serão despedidos se tentarem fundar ou aderir a um sindicato.
Os supervisores e chefias, proibidos por lei de se sindicalizarem, são frequentemente usados em campanhas patronais de intimidação anti-sindical.
Os trabalhadores que apoiam os sindicatos são, com frequência, fichados e isolados dos seus colegas. Os patrões chegam ao ponto de contratar consultores, detectives e sociedades de vigilância para participarem em campanhas contra os sindicatos. Os sindicalistas são espiados, as suas fichas médicas vasculhadas, os seus contenciosos jurídicos abertos e a sua vida pessoal devassada na tentativa de encontrar algo que possa ser usado para o seu descrédito.
A par destes métodos a maioria das empresas impede os sindicalistas de contactar os trabalhadores no seu local de trabalho, recorrendo à ameaça de prisão e à expulsão dos dirigentes sindicais da empresa, criando assim um ainda maior clima de medo e condições favoráveis ao fracasso as campanhas de sindicalização.

Justiça…para o patronato!

O National Labor Relations Board, organismo estatal dos EUA para a regulação de conflitos laborais, é lento a actuar, dando todo o tempo ao patronato para realizar os seus desígnios, beneficiando de quase todas as vantagens da lei, da correlação de forças nas empresas e na sociedade.
Tanto assim é que, em 1998, um estudo demonstrou que de todos os trabalhadores despedidos por exercerem actividade sindical só 40 por cento recuperaram o seu posto de trabalho, e destes só 20 por cento conseguem conservar o seu emprego por mais de dois anos após a reintegração.
Estas situações ocorrem um pouco por todos os sectores de actividade, mas de acordo com o relatório da CISL, nestes últimos anos ainda incidiram mais na hotelaria, alimentação e bebidas, indústria gráfica, construção civil e telecomunicações. A Disney Corporation inclui-se nesta crua lista.

Encerramento de empresas – «business as usual»

O grande capital dos EUA reage frequentemente às tentativas de avanço da organização sindical nas suas empresas com o seu encerramento e posterior deslocalização.
Um inquérito publicado em 1996 demonstrou que na indústria, onde a ameaça de encerramento é ainda mais evidente, em 60 por cento das campanhas de sindicalização realizadas ocorreu o encerramento das respectivas empresas, e nos casos em que uma convenção colectiva foi negociada pela primeira vez, 18 por cento dos patrões ameaçaram fechar a fábrica e 12 por cento cumpriram a ameaça.
Apesar de neste particular a lei proibir os empregadores de executarem estas acções, o facto de não prever sanções faz com que os patrões façam tábua rasa das disposições legais. O mesmo já não podem dizer os sindicatos submetidos a um apertado «cinto de segurança» legal que, aqui sim, já prevê pesadas sanções para as organizações sindicais que cometam o crime de ultrapassar a lei, ousando lutar, representando condignamente os seus associados.
É também esclarecedora do conceito de democracia no local de trabalho a disposição legal que dá aos detentores do capital e dos meios de produção a liberdade de «…beneficiar livremente do jogo das forças económicas», proibindo ao mesmo tempo os trabalhadores de encetarem acções concertadas, como greves parciais, em carrossel, ou rotativas, boicotes secundários, como por exemplo a empresas que comercializam os produtos que produzem, e as greves ou outras acções de solidariedade no mesmo sector de actividade ou até na mesma empresa.


Escravatura no limiar do século XXI

Mas o grande capital norte americano, apoiado num sistema político de «alternância» entre dois partidos defensores do mesmo sistema, tem ainda outras formas de exploração extrema de que faz uso sem hesitar.
Nas Ilhas Marianas Setentrionais, um paraíso fiscal sob tutela dos EUA, foi desenvolvida desde os anos oitenta uma indústria de vestuário cujos lucros assentam numa mão de obra praticamente escrava e na exportação livre de taxas.
A coberto do seu estatuto, com leis próprias sobre emigração e um controlo local dos salários, introduziu-se aí um sistema de servidão imposto aos trabalhadores, «importados» por empresas privadas especializadas neste tráfico, na maior parte filiais das manufacturas de vestuário. Estes trabalhadores oriundos na sua maioria da Tailândia, China, Filipinas e Bangladesh são recrutados por estes intermediários que lhes exigem somas exorbitantes, impossíveis de pagar de imediato e, tirando partido da miséria que exploram, fazem-nos assinar contratos comprometendo-se a descontar do futuro magro salário a quantia exigida, a nunca pedir aumentos salariais, a não mudar de emprego e a não aderir a um sindicato.
Também no território continental dos EUA a legislação laboral existente não abrange sequer os trabalhadores agrícolas e o trabalho doméstico.
No entanto, o conceito do «trabalhador independente» está definido juridicamente, sem o distinguir relativamente aos empregadores. São considerados partes iguais na contratação. Lá como cá os «recibos verdes» têm os direitos sindicais seriamente amputados.


Trabalhadores da função pública
amordaçados nos EUA

Dos 14,9 milhões de funcionários da administração local e central dos EUA, sete milhões estão privados do direito à negociação colectiva. Mais de dois milhões de funcionários do governo federal estão submetidos ao «Federal Labor Relations Act», de 1978, lei que lhes interdita o direito à greve e à negociação colectiva.
Em contrapartida, esta lei alargou a liberdade de acção do governo, como entidade empregadora, na gestão dos seus funcionários, nomeadamente podendo seleccioná-los de acordo com as suas opiniões políticas ou rejeitá-los se não aceitarem o repúdio de ideais e organizações de esquerda, como por exemplo, o comunismo.
Em 13 estados só é autorizada a negociação colectiva a certas categorias de funcionários, e em 14 é proibida em absoluto.
É esclarecedor que, na era da informação, como se diz, se tenha tanta dificuldade em saber a realidade existente no mundo do trabalho para lá do muro das grandes cadeias de comunicação social.
Com as tradições de luta do nosso movimento sindical, a CGTP-IN, a sua natureza de classe e, não menos importante, a realidade política e partidária no nosso país, a resistência ao fascismo em duríssimas condições e o 25 de Abril que essa luta tornou possível, são razões para termos uma confiança diferente no futuro da nossa luta. Com organizações cuja natureza não se rende a reformismos e conformismos.
Mas é preciso não adormecermos, para não corrermos o risco de ter um pesadelo ao acordar. É que os sintomas daquilo a que querem submeter os trabalhadores portugueses e europeus são realmente preocupantes.
As próximas batalhas contra o pacote laboral e em defesa da segurança social são dois exemplos concretos de lutas que se avizinham.

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Fura greves…
De substitutos temporários
ao quadro permanente

O lock out e até a provocação de greves pelo patronato - tácticas frequentemente utilizadas como forma de criar as condições para a expulsão dos sindicatos das empresas - normalmente acompanhadas pela contratação e formação profissional de trabalhadores desempregados para furarem a greve, que antecede as manobras para agudizar ou mesmo criar artificialmente conflitos que possam ter como resposta dos trabalhadores a greve.
Nessa altura, recorrem imediatamente aos substitutos contratados para o efeito, com menos direitos e menos salário. Esta estratégia patronal inclui a solicitação ao organismo estatal competente de realização de eleições sociais na empresa, com o objectivo de conseguir a anulação da acreditação do sindicato na mesma. Nessas eleições também votam os fura greves.
Mesmo nos casos em que o sindicato chega a um acordo durante uma greve, provocada ou não, os grevistas não recuperam automaticamente o seu posto de trabalho. A legislação pura e simplesmente não o prevê.
Os exemplos são vários:
Diamond Walnut, em Stockton, Califórnia
: Durante uma greve realizada entre 1991 e 1998, provocada pelo proprietário, foi efectuada a substituição do efectivo da empresa em greve por desempregados contratados para furarem a greve, e que se tornaram trabalhadores permanentes desta empresa;
Detroit News & Knight – Ridder
: Durante uma greve, também provocada, com início em 13 de Julho de 1995, envolvendo 2 600 trabalhadores, foi realizada a substituição permanente dos grevistas;
Hotel Bestwestern Grosvenor Resort, no lago Buena Vista, Florida
: Ocorreu uma situação idêntica após a realização de uma greve com início em Setembro de 1996;
CF&I Steel, filial da Oregon Steel Mills Inc., em Boulder, Colorado
: Após uma greve iniciada em Outubro de 1997 os grevistas foram todos substituídos. O sindicato propôs o regresso ao trabalho sem condições, mas cumprindo o seu plano, o dono da empresa continuou a produção com os substitutos contratados para o efeito, ignorando os grevista e o sindicato;
Continental General Tire Inc., em Charlotte, Carolina do Norte
: Após o início de uma greve em Setembro de 1998, 1 500 trabalhadores foram substituídos. Nesta empresa, propriedade do fabricante de pneus alemão, Continental AG, os preparativos para a negociação com o sindicato iniciaram-se com a fortificação da fábrica, contratando fura greves e guardas armados.
Todos estes esquemas, praticamente mafiosos, seguem sempre a mesma linha. Os patrões começam por exigir dos trabalhadores sindicalizados reduções salariais e de direitos alcançados através da negociação colectiva, que sabem ser inaceitáveis. Quando o conflito se agudiza e a luta evolui para a forma de greve, substituem os trabalhadores sindicalizados por desempregados que contratam com menos salário, sem direitos, e sem sindicato. Estes esquemas são também usados como forma de obstruir ou mesmo inviabilizar a negociação colectiva.


«Avante!» Nº 1357 - 2.Dezembro.1999