O pequeno discurso
Há grandes discursos e declarações
retumbantes que, afinal de contas, pesadas as palavras e
descontada a tara e a ganga do escândalo, se afiguram
extremamente pobres. Palavras a dizerem o que toda a gente
suspeitava que andava na alma de quem as disse - se as disse - e
que acrescentam muito pouco ao que afinal interessa ao comum dos
cidadãos que lêem e ouvem os órgãos de comunicação social.
Toda a gente sabe que, quando morre um caso interessante e se
entra no marasmo do quotidiano - isto é, no tempo corrente das
lutas de classes que a maior parte dos media fazem de
conta que não existem - logo um jornal desenterra uma
retumbância, quando ela lhe não é oferecida de bandeja por uma
personalidade, um lobby, um partido desta direita
abrangente que vai governando o País. Desta vez nem o inefával
Portas teve de descer a escada da sede do PP para que acontecesse
notícia e os jornais se tivessem entretido a dar, em segunda e
terceira orelha, uma ressoante nova; nem o presidente Clinton se
deu ao trabalho de se encostar à tribuna a reafirmar a intestina
vontade dos EUA em defender os direitos humanos, para que os
telejornais, de joelho no chão, lhe bebessem o verbo. Outras
novas, que numa pasmaceira assim poderiam ter agitado as
redacções do jornalame ao serviço do Governo ou, muito
independentemente, ao serviço dos monopólios, quedaram-se,
transidas e pequenas, face ao FACTO.
Nem um terceiro filho acrescentado à casa de Bragança comoveu
as hostes. Nem os treinos de aquecimento dos corredores
presidenciáveis, que «ponderam» as respectivas candidaturas,
fizeram estremecer os chamados «aparelhos». Nem as rasteiras
que o PS se passa a si próprio - passará? - tiveram o condão
de se verem repescadas e repetidas nas páginas da generalidade
da imprensa, nas ondas da rádio, nas imagens da TV. É certo que
houve comoção quando o Benfica, inexplicavelmente, foi goleado
pelos galegos. Mas nem isso convenceu mais do que umas dezenas de
irados «adeptos» a insultar um plantel de profissionais da
bola. Não. O FACTO foi um ex-ministro a dizer a um amigo, entre
duas garfadas à mesa de um restaurante, o que já se suspeitava
que ele diria ao bater com a porta e ao arremessar com a pasta.
Não deixando de aqui registar o escândalo que agitou o fim de
semana, não será sobre ele que faremos crónica. Não iremos
botar opinião sobre a deontologia que levou uma jornalista a
sacar, de uma conversa íntima mas suficientemente pública, a
escandaleira das frases apanhadas. E sobre as frases de Sousa
Franco, há, afinal, muito pouco a dizer. A não ser que, neste
século e tal de política à portuguesa, talvez tenha havido
pior Governo do que este. O que não é desculpa para o
engenheiro Guterres. Não temos nada a ver com a desilusão que
«o António» terá provocado no espírito do ex-ministro das
Finanças. E, embora concordemos com ele quanto à sua previsão
de que «isto vai acabar mal», não nos parece muito
interessante saber se, com ele, Franco, no Governo, iria acabar
melhor.
A coisa em si - as amarguras de Sousa Franco e as serôdias
críticas que produziu na intimidade pública de um restaurante -
não acrescenta nada à política que por aí vai. E a política
que por aí vai diz-nos certamente respeito. Cai sobre nós. Nem
precisamos de presidentes viajantes para sabermos que males
alastram no País.
Há discursos, porém, que importa reter. Não aqueles, solenes e
pedantes, a tresandar a Vangelis e a promessas, não as
declarações de reiterado diálogo. Há palavras que pesam, como
em outros casos os silêncios ou as tortuosas declarações
valem. Sobretudo quando o descaramento dos membros do Governo de
Guterres costuma ir mais no sentido de nos dar gato por lebre,
uma palavrinha sincera vale mais do que um palavroso discurso.
Disse-a a ministra da Saúde. Uma frase só, que vale mais do que
todo o seu programa porque é mais verdadeira e mostra como tudo
se conjuga para afinal dar razão a Sousa Franco, embora talvez
eles não estejam de acordo sobre os termos. A ministra afirmou,
publicamente e sem intimidade nenhuma, que «este Serviço
Nacional de Saúde», com a despesa que dá, ainda vai acabar.
Uma pequena frase, ao jeito severo da nova ministra. Que diz mais
do que as tergiversantes declarações de outros ministros cuja
acção vai no sentido de privatizar tudo o que, no Estado,
significa serviço à sociedade. A acção deste Governo, que
persiste e aprofunda a política de direita, avança no sentido
de libertar o Estado das suas peias sociais, de o descarnar até
ao osso, de o transformar rapidamente naquilo que é a sua
essência - um aparelho ao serviço dos interesses do capital.
Com uma frase, a ministra mostrou o osso. Leandro
Martins