50.º aniversário da morte de Soeiro Pereira Gomes


A vida e obra de Soeiro Pereira Gomes foi evocada em Pernes, através de uma exposição inaugurada no sábado passado, na Biblioteca da Junta de Freguesia de Pernes e patente ao público até ontem.

A iniciativa, realizada no âmbito das comemorações do 50.º aniversário da morte de Soeiro Pereira Gomes, teve seguimento no domingo, com o descerramento de uma lápide evocativa, no Moinho de Vento dos Rodeados, que serviu de casa de apoio à luta clandestina na década de 40.
Na ocasião, Óscar Vieira, Policarpo Gonçalves e Dias Lourenço fizeram depoimentos sobre o destacado militante e escritor que foi Soeiro Pereira Gomes.

À tarde, com a presença de mais de 250 pessoas, Álvaro Cunhal participou numa sessão-debate sobre «O artista e o militante», que se realizou no salão da Junta de Freguesia de Pernes. E, na terça-feira, numa outra realizada na Sociedade Euterpe Alhandrense (iniciativas a que o «Avante!» voltará na próxima edição).


A liberdade passou por aqui

Estamos todos no alto de uma colina mágica, à volta de um moinho, pintado de vermelho e branco, comovidos e em silêncio, cheios de gritos interiores. Tons de verde multiplicam-se , qualquer que seja a direcção para onde olhamos, daquela colina de Vaqueiros. Em muitos olhos lagrimas.
Policarpo Marcelino Gonçalves, 95 anos de idade, está a contar-nos histórias, como só homens como este sabem contar, sobre aquele moinho de mistério. Oscar Vieira, o seu neto, apresenta o avô e fala-nos do que foi para a sua família, Soeiro.
Óscar Vieira, apresenta-nos um Soeiro Pereira Gomes, escritor tal como o leu em adolescente, e como o descobriu, nas histórias de família, como um ser especial que, dinamizava tudo e todos, que organizou daquele moinho, as grandes lutas camponesas do Ribatejo.
Alguém, que empolgou a luta dos camponeses em Pernes, Vaqueiros, Vale de Figueira, Casevel, S. Vicente de Paúl, e, mais para além, Torres Novas, Brogueira, Ribeira Branca, Lapas e as grandes greves que por lá se realizaram.
Policarpo conta a história da sua vida.
À volta do moinho os familiares dos seus antigos amigos e os camaradas do distrito, todos profundamente comovidos. Entre os que ouviram Jorge Cordeiro, da Comissão Política do PCP, responsável pelo Distrito, responsáveis regionais do Partido, militantes anónimos.

Fui ao Dr. Ferreira da Silva porque estava doente. Gostava muito do ouvir e aprendia muito, cada vez que ia à consulta dele.
Atendia-me muito bem e explicava-me tudo politicamente. Nesse dia, disse-me que me queria apresentar o "Serrano".
O "Serrano" explicou-me o sofrimento do povo tão bem que fiquei impressionado.
Não sabia quem ele era, realmente, mas era tão especial que nos ganhava de imediato para a luta.
O "Serrano" – Soeiro Pereira Gomes veio então viver comigo para o moinho e para aquela casa lá de baixo, onde mais tarde se instalaria uma tipografia clandestina.
O Soeiro ficou aqui a viver muito tempo, ia e vinha e ás vezes chegava cheio de fome e de frio. Aqui comia o pão, aqui se restaurava.
Mal chegou, ensinou-me a montar a organização. Assim além de mim, tínhamos o Sebastião Fragoso Montalvo, correeiro, Domingos Melro, operário, António Rebelo Pereira, moleiro, Domingos Vieira, industrial e Rafael da Cândida, camponês.
Depois começamos a montar a organização que deu as grandes greves operárias agrícolas, daquela época.

O Óscar picava o avô e saltavam más histórias. A "história dos alfinetes", a "historia do Ribatejo", a queda e a doença de Soeiro, os encontros clandestinos e saltavam os nomes dos camaradas e dos amigos que ajudaram a criar o Partido em toda esta região.
Dias Lourenço, presente, falou dos camaradas de Santarém da época, o Humberto Lopes, o Daniel Faustino, sapateiro, o Manuel da Pastelaria Abidis e de tantos outros e dos encontros que teve com Soeiro, o último na praia de São Martinho do Porto.
Os amigos presentes suspensos das histórias, recordavam entre si outros camaradas. Naquele grupo unido, podíamos ver, muitos dos que encabeçaram lutas em Alpiarça ou nos meloais dos campos de Vila Franca, como o Álvaro Favas Brasileiro.
Outros que organizaram e criaram sindicatos, os que participaram na CDE do Distrito de Santarém em 1969 e em 1973.
Óscar Vieira recordou a importância que teve Pernes para a CDE em 1969.

"Eramos uma freguesia que valia um Concelho na CDE. O trabalho de Soeiro tinha dado os seus frutos e aqui estão muitos dos frutos, vivos, despertos para as lutas."

Quando Dias Lourenço e Policarpo Gonçalves descerraram a lápide alusiva à presença de Soeiro no moinho, a presença de Soeiro era ali naquela colina, verdadeiramente sentida, simbólica nas palavras expressas, nos aplausos, nas lágrimas dos velhos militantes.

Os alfinetes de Teófilo Braga

Na tipografia clandestina imprimíamos o "Ribatejo" continua Policarpo – o jornal que Soeiro escrevia, com as lutas e os problemas da nossa região. Distribuíamo-lo todo.
Um dia acabaram os agrafos e como o jornal tinha três folhas, era preciso arranjar uma solução. Fui ter com o Teófilo Braga da Silva Vieira, que tinha uma loja e pedi-lhe todos os alfinetes que havia. Ele, admirado de eu levar tantos, queria saber para que eram os alfinetes. Mas como eu não lhe dava troco, calou-se.
Uns dias mais tarde o Teofilo também recebeu o "Ribatejo", e lá encontrou um alfinete.
Ficou a saber para que serviam os alfinetes, mas calou-se muito calado.

Teófilo Braga, mais tarde um dos activistas da CDE em 1969 e um campanheiro de todas as acções antifascistas até ao 25 de Abril, confirmava comovido.
Ao lado o Favas Brasileiro falava das lutas dos operários agrícolas. Acolá outro. Mais além outro. Soeiro. PCP. Soeiro.
Todos ouviam historias e contavam outras uns aos outros. Soeiro Pereira Gomes tinha os despertado para um exercício de memória colectiva.
Queríamos ir para Pernes ouvir Álvaro Cunhal falar sobre Soeiro na Junta de Freguesia, mas aquela colina amarrava-nos a todos.
Lá partimos a caminho de Pernes, presos ainda ao espirito de Soeiro.
A Liberdade passara por ali. — José João Louro



«Avante!» Nº 1358 - 9.Dezembro.1999