Passos em frente no Ulster, finalmente…
A paz e a democracia
marcaram pontos


A situação na Irlanda do Norte conheceu nas últimas semanas alterações de enorme significado no sentido da democracia e da paz. Porém, no princípio da segunda quinzena de Novembro, a atmosfera das febris negociações políticas entre todas as partes interessadas apareceu toldada por uma campanha dos meios mais conservadores e reaccionários do Unionismo protestante e anti-republicano. O Conselho-Geral do Ulster Unionist Party, o partido do chefe do Executivo designado, David Trimble, estava convocado para pronunciar-se sobre as decisivas propostas que Trimble aceitara. Em Londres, The Daily Telegraph gritava: «Digam não! Os Unionistas nada mais têm para ceder!»

Mas a realidade impunha-se. O povo do Ulster não deseja o regresso da guerra, do terrorismo e das explosões. Pretende a paz, a entrada do Executivo em funções, o desenvolvimento económico, o emprego, a devolução de poderes por parte da Grã-Bretanha, a democracia, enfim. Por sua parte, o povo britânico está farto da guerra com os irlandeses, deseja ardentemente pôr fim ao pesado orçamento que a Irlanda do Norte consome e o regresso das forças militares ali estacionadas.
Numa atmosfera ardente que envolveu todos os partidos políticos do Ulster, os governos britânico, americano, canadiano e da República da Irlanda, o principal partido protestante, o Ulster Unionist Party e o seu leader, David Trimble, foram confrontados com propostas que, se rejeitadas, dariam lugar à criação de um temível vazio, à derrocada de tantas esperanças criadas, ao retorno da confrontação que ninguém mais deseja além dos fanáticos de Ian Paisley. OIRA não estava obrigado a desarmar pelos Acordos de Sexta-Feira Santa. Qual a razão por que se insistia em obter esse desarmamento antes de que tomasse posse o Executivo a que o próprio David Trimble preside?


Declarações históricas

Surgiram as propostas. Segundo elas, o Ulster Unionist Party faria uma declaração de aceitação do Sinn Fein no processo político democrático e, simultaneamente, de compreensão dos ideais políticos deste partido católico e republicano incluindo o da reunificação do país numa só Irlanda desde que trabalhados pela via pacífica, democrática, eleitoral. O Sinn Fein, por seu lado, declarava aceitar e comprometer-se pelo progresso das actividades democráticas, rejeitava a luta armada e entender-se-ia com o IRA para que este nomeasse um representante seu no sentido de uma acertura de negociações de desarmamento a que presidiria o general canadiano de Chastelain. Estas declarações foram publicadas e difundidas nacional e internacionalmente. David Trimble subscreveu-as sob reserva de uma aceitação final por parte do Conselho Geral do seu partido que reuniria a 27 de Novembro. Começou, então, uma campanha a todos os níveis para influenciar os membros daquele organismo partidário.
Nas vésperas da momentosa reunião do principal partido protestante, tudo indicava que as propostas aceites por David Trimble e apresentadas ao Conselho Geral seriam derrotadas. O antigo presidente do partido, James Molineux, apelou à rejeição de todo o projecto em causa a menos que o IRA iniciasse a destruição dos seus stocks de armamento. E disse: «Os Unionistas não podem recuar mais.» Também a notória «Ordem de Orange» declarava publicamente que os seus delegados votariam contra as propostas de Trimble. Não admitiam a entrada em funções do Executivo, incluindo ministros do Sinn Fein, sem o desarmamento do IRA.


Apólice de seguro…

Os delegados eram 862. As projecções divulgadas pelas diversas agências davam como equilibradas as forças do Sim! e as do Não!. Os debates foram emocionantes, apaixonados, às vezes ferozes. Estava tanto em jogo para os protestantes e unionistas que ao longo de séculos tinham explorado os católicos, os patriotas, os republicanos… Mas, agora, era preciso entender os novos tempos. Ninguém está preparado para aceitar a existência de uma situação colonial em plena Europa!
No fim, 480 delegados votaram a favor das propostas históricas debatidas enquanto 329 as rejeitaram. Os restantes, não votaram ou não compareceram. Mas a votação favorável só foi possível porque o chefe do Executivo do Ulster apresentou ao Conselho Geral um documento que foi considerado como uma espécie de apólice de seguro – uma carta já assinada que será entregue ao Secretário de Estado britânico em fins de Fevereiro no caso de, até lá, o IRA não ter começado a desarmar. Será a sua demissão que, evidentemente, se fará acompanhar pela de todos os ministros dos partidos protestantes. Se tal acontecer, todo o trabalhoso e dramático processo de paz no Ulster será destruído.


Última palavra: a do IRA

Entretanto, fontes bem informadas segredam-nos que o delegado do IRA junto da comissão do general de Chastelain para falar sobre o desarmamento será Joe Cahill, dirigente histórico daquela organização. Natural de Belfast, tem 79 anos e as suas posições estão sempre próximas do sentir das massas republicanas e nacionalistas. Cahill foi um dos seis condenados à morte, em 1942, pelo assassínio de um polícia. Uma vigorosa campanha internacional salvou-o da terrível sentença e voltou à luta. Em 1969, foi um dos fundadores do moderno IRA (Provisionals) e, em 1973, sofreu uma pena de prisão (3 anos) na República da Irlanda, por tráfico de armas.
No caso de não ser Joe Cahill o delegado às conversações em questão, a escolha do IRA poderá recair em Brian Keenan, um político de convicções marxistas, bem conhecido pela sua capacidade de estratego militar. Keenan sofreu uma pena de 18 anos de prisão por ter organizado uma campanha de bombardeamentos em Inglaterra da qual resultaram 9 mortos e 119 feridos.
As negociações com o IRA serão vigorosas, monumentais lutas políticas em que o fundo de toda a questão irlandesa (séculos de combates!) surgirá bem à superfície. O IRA exigirá, para poder contemplar o desarmamento dos seus destacamentos militares, a retirada do exército britânico de ocupação, para todo o sempre! Ora, a presença das tropas britânicas no Ulster constitui a derradeira linha de defesa dos protestantes quando a conjuntura aponta para o começo do fim dos seus injustos e inaceitáveis privilégios…

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Cronologia dos recentes
e próximos acontecimentos

29.11.1999: Reunião da Assembleia da Irlanda do Norte, no palácio de Stormont para nomeação dos 10 membros do Executivo;

30.11.1999: OParlamento britânico (Westminster) é chamado a aprovar as novas leis de devolução de poderes, de acordo com a lei de 1998 resultante dos Acordos de Sexta-Feira de Páscoa;

01.12.1999: OParlamento da República da Irlanda (Dublin) suspende os Artigos N.os 2 e 3 da Constituição da República que consideravam ser a província do Ulster parte integrante de uma só Irlanda;

02.12.1999: Termina a administração directa britânica na Irlanda do Norte. Os poderes de governação do Ulster passam para o novo Executivo. Horas depois dessa transferência, as organizações paramilitares, incluindo o IRA, nomeiam representantes que discutirão a questão do desarmamento com a organização para tal estabelecida de que é principal dirigente o general canadiano de Chastelain. Neste mesmo dia reúnem pela primeira vez os outros organismos irlandeses (Norte e Sul) que proporão medidas graduais de colaboração entre as duas Irlandas;

Nesta semana: O general de Chastelain fará um relatório sobre o progresso das suas conversações com as organizações paramilitares. Definirá, se possível, o calendário das próximas reuniões e datas em que o desarmamento daquelas organizações começará;

Antes do Natal: O secretário de Estado britânico para a Irlanda do Norte revelará as medidas que tomará quanto ao relatório Patten para a modernização da polícia (RUC ou «Royal Ulster Constabulary);

Fevereiro: OConselho Geral do partido UUP (Ulster Unionist Council) voltará a reunir para exame do progresso da situação. Segundo as decisões tomadas no plenário anterior, o chefe do Executivo, David Trimble, demitir-se-á no caso de não ter havido confirmação do desarmamento por parte do IRA. A verificar-se tal situação, todo o processo recuará e o Ulster voltará à confusão e à instabilidade.

Novo executivo em Belfast

O governo da Irlanda do Norte é composto por membros dos seguintes partidos políticos:

Sir Reginald Empey – Aliado de David Trimble e principal negociador com o senador Mitchell; recebeu o cargo de secretário para o Comércio; Dermot Nesbitt – Modernizador de instintos moderados; conferencista sobre assuntos económicos; assumiu a pasta da Saúde; Michael McGimpsey – Um dos mais liberais do seu partido; sobraça a pasta do Ambiente.

Brid Rogers – Veterana de muitas campanhas pelos direitos cívicos desde os anos 60; ficou com a pasta da Agricultura; Mark Durkan – Figura destacada do partido e possível sucessor do seu principal dirigente, John Hume; na pasta das Finanças; Sean Farren – Antigo professor universitário; natural de Dublin; entrou no Executivo com a pasta das Artes.

Peter Robinson – Braço direito do reverendo Ian Paisley; orador parlamentar de bons recursos; ministro do Desenvolvimento Regional; Niguel Dodds – Advogado de méritos reconhecidos; sobreviveu a um ataque do IRA. ministro do Ensino Superior;

Martin McGuinness – Figura de grande destaque nos meios nacionalistas e antigo chefe do Estado-Maior do IRA; recebeu a pasta da Educação; Bairbre de Brun – Professora; natural de Dublin; nomeada ministra do Desenvolvimento Social sendo de esperar que o seu trabalho incida, principalmente, no apoio à classe trabalhadora e aos pobres da Irlanda do Norte, sector onde o Sinn Fein conta com o mais elevado número de votantes.

Deputados à Assembleia de Stormont:

United Unionist Party, 28 lugares;
Social Democratic and Liberal Party, 24;
Democratic Unionist Party, 20;
Sinn Fein, 18.


«Avante!» Nº 1358 - 9.Dezembro.1999