Buracos
Embora não tenha registado a data na
agenda, estou em crer que vai para dois meses que a saída da
Ponte 25 de Abril para a Praça de Espanha está encerrada ao
público. O facto deve-se a um desabamento de terras que provocou
um buraco no troço em causa, curiosamente ocorrido pouco tempo
depois de serem dadas por concluídas as obras efectuadas no
local. Na ocasião, responsáveis autárquicos garantiram que o
problema estaria resolvido numa semana. Sabendo-se que Portugal
não é o Japão e que Lisboa não é Tóquio - não há muito
tempo um problema semelhante no centro da capital nipónica foi
resolvido durante a noite, apesar do buraco japonês ter tamanho
suficiente para abrigar um carro -, sabendo-se das
especificidades nacionais, dizia-se, o prazo pareceu aceitável.
O prazo passou e o buraco ainda lá está, não constando ter
havido outras explicações aos milhares de automobilistas que
diariamente passaram a contar com dificuldades acrescidas para
entrar na cidade. Também ainda ninguém se lembrou de sinalizar
devidamente a saída bloqueada, ou seja, uns metros antes, pelo
que os acidentes sucedem-se. Quanto aos responsáveis, ignora-se
quem sejam, embora não conste que tenham ido pelo buraco abaixo.
Tudo leva pois a crer que estamos perante um buraco se não para
a eternidade pelo menos para o ano 2000, quiçá capaz de
rivalizar com o famoso Tolan, o navio encalhado que escolheu o
estuário do Tejo para se transformar em atracção turística.
Aliás, no que toca a buracos o país está cada vez mais bem
servido, e manda a verdade dizer que o da Praça de Espanha nem
sequer é o maior. Segundo dados vindos a público a semana
passada, o buraco orçamental de 1999 deverá ultrapassar os 300
milhões de contos, o que não é coisa que se tape com
facilidade. O caso é tanto mais curioso quanto o novo executivo
é, grosso modo, o mesmo de há quatro anos, o que significa que
os ministros de hoje, sendo também os ministros de ontem, ou
andaram muito distraídos e não se deram conta dos buracos, ou
sabiam deles e esconderam-nos muito bem escondidos até verem
passadas as eleições. Sendo a primeira hipótese absurda, resta
a segunda, que não sendo abonatória é a única plausível.
Chegados a este ponto coloca-se a questão de saber por que
razão o primeiro-ministro Guterres insistiu numa equipa que
mostra tamanha vocação para transformar o país num queijo
suíço (o tal com mais buracos do que queijo), indo mesmo ao
ponto de criar um Ministério expressamente para a ministra Maria
de Belém, a antiga titular da pasta da Saúde cujo legado de
quatro anos é uma situação de tal forma «apocalíptica» que
a sua sucessora, Manuela Arcanjo, pede 177 milhões de contos de
orçamento rectificativo e mais 40 milhões para mais uma limpeza
de dívidas. A resposta à questão, se existe, está no segredo
dos deuses e deve envolver um mistério tão grande quanto o dos
objectivos do Ministério da Igualdade, sobre o qual a ministra
não se pronuncia. Atendendo aos antecedentes, e dado que Maria
de Belém praticamente desapareceu de cena, é de temer que já
esteja enfiada noutro buraco orçamental.
É evidente que Guterres não fala destas coisas, ocupado que
está com os afazeres internacionais. Não podemos deixar de nos
interrogar sobre o que dirá o nosso primeiro aos seus
congéneres europeus quando confrontado com tanto descalabro
orçamental, mas não duvidamos que a esta hora já tem na ponta
da língua um qualquer eufemismo para com toda a elegância e
descaramento negar que isto está tudo roto. Anabela
Fino