Obrigadinho
Um tal Conselho Tarifário acaba de aprovar
uma proposta de redução de 0,6% das tarifas da electricidade
para o próximo ano apresentada pela Entidade Reguladora do
Sector Eléctrico, organismo que, bem vistas as coisas, executa a
política de preços do Governo sob o disfarce protector de uma
sua natureza alegadamente independente.
Como o Governo que temos é manifestamente dado a habilidades,
deve ter pensado que, tendo em conta o impacto social da campanha
feita no ano passado pelo PCP pela redução das tarifas de
electricidade e a recente reclamação também do PCP de uma
baixa de 10%, o que estava mesmo a fazer falta era a habilidade
de uma reduçãozinha, pois sempre daria uns títulos de jornal e
de telejornal sobre «a redução». E sempre poderia suscitar os
resignados comentários do género «é pouco, mas é melhor que
nada, se aumentasse era bem pior».
Mas o que esta redução de 0,6% bem merece
é que se diga ao Governo e à sua E.R.S.E. que bem podiam deixar
de gozar com os consumidores e de avaliar tão mal a sua
inteligência e a sua capacidade de fazer contas.
Porque é sabido que os portugueses pagam a energia eléctrica
mais cara da Europa. Porque é sabido que a EDP teve 104 milhões
de contos de lucros em 1998 e que, nos primeiro semestre deste
ano, já ia nos 50 milhões de lucros.
E porque está na
cara que a recusa do Governo em baixar significativamente as
tarifas da electricidade, como já ficou claro no debate do ano
passado, está intimamente ligada aos interesses privados que se
apossaram da EDP e ao medo de enfrentar as pressões e desagrados
oriundos da especulação bolsista.
E não vá a mitologia das abstractas décimas
percentuais fazerem os seus estragos, acrescente-se então que
uma redução de 0,6% sobre uma factura mensal doméstica de
electricidade de 6.000$00 significaria uma espectacular poupança
de 36$00, sobre uma de 5.000$00 representaria uma sensacional
poupança de 30$00 e sobre uma de 4.000$00 se traduziria numa
eufórica poupança de 24$00!
Como se está a ver, é mesmo de temer que, à conta da
expectativa destas gloriosas poupanças no próximo ano, ocorra
algum desvairado impulso consumista já neste Natal.
Quem deve estar contente é o PS que, na AR,
votou contra o projecto de Resolução do PCP que recomendava ao
Governo a baixa das tarifas de electricidade em 10%.
Mas também devem estar felizes da vida o PSD e o PP, que nestes
dias se andam a armar em duros em relação a um Orçamento
Rectificativo respeitante a despesas da saúde já feitas, mas
quando se tratou de votar uma proposta que iria aliviar os
consumidores domésticos numa factura de electricidade
absurdamente alta e injusta, logo deixaram a dureza em casa,
optando por uma abstenção que foi pura cumplicidade com o PS e
com os interesses de que, uns e outros, são dedicados
servidores.
Pois é, bem podem os leitores desistir de
encontrar grande eco na comunicação social de um assunto como
este.
Talvez precisamente porque este é um dos muitos assuntos
desprezados e silenciados que falam como um livro aberto sobre a
diferente colocação das diversas forças políticas nas coisas
que os critérios dominantes decretam serem menores, mas são
afinal das mais importantes. Vítor Dias