SEATTLE
Continuar a luta


Como avaliar os resultados da reunião ministerial da OMC realizada na passada semana em Seattle? «Fiasco», «Fracasso», «Impasse», «Compasso de espera»? Terá havido sem dúvida de tudo isso. De qualquer modo, o mais significativo terá sido o amplo movimento de opinião, protesto e luta suscitado um pouco por todo o mundo - do Brasil às Filipinas, da França à Índia - e que em Seattle teve expressões que repercutiram e perturbaram seriamente a reunião. Aqueles que, como Clinton, esperavam poder instrumentalizar em proveito próprio as inquietações e o descontentamento de uma parte dos manifestantes receberam uma boa lição. Em lugar do anunciado «diálogo poder/sociedade civil» para dar «um rosto humano» à OMC e à globalização capitalista neoliberal, o mundo assistiu à violência da repressão, à instauração do estado de emergência, à ocupação do centro de Seattle por forças da polícia e do exército para proteger a reunião ministerial. Reunião que ainda por cima falhou aparatosamente no objectivo de fixar a agenda para uma nova ronda de negociações com vista a novo salto em frente na liberalização do comércio mundial. O que chama ainda mais a atenção para as particulares responsabilidades da OMC nas insuportáveis regressões, injustiças e desigualdades do mundo contemporâneo, e representa um precioso estímulo ao desenvolvimento da luta e da solidariedade internacionalista dos trabalhadores e dos povos contra o domínio planetário das multinacionais.

A reunião de Seattle evidenciou a agudeza da competição económica entre os principais centros do imperialismo e os esforços dos elementos da Tríade - EUA, UE/Alemanha, Japão - para arregimentar aliados para a guerra económica que travam entre si. Guerra económica que não exclui entendimentos e arranjos entre o grande patronato e as grandes potências. Através da acção permanente de lobbies, (aliás fortemente representados em Seattle), dos mil e um instrumentos de sedução e corrupção do poder político, das variadas formas de articulação «informal» em que os senhores do capital se misturam com os mais altos responsáveis do Estado. Tal por exemplo o caso do «Diálogo profissional transatlântico» que reuniu em 29 e 30 de Outubro em Berlim «150 homens de negócios e representantes de governos» na procura de uma estratégia comum para Seattle. Conferência onde terão participado nada mais nada menos que o Comissário Europeu Pascal Lamy (principal porta-voz da EU em Seattle), o Secretário de Estado Americano do Comércio William Daley, o Director Geral da OMC Mike Moore e o chanceller alemão Gerhard Schröeder ("Europolitique" de 6.11.99). A mesma notícia dá conta dos apelos do patronato para "a adopção de ambiciosas medidas de liberalização" em Seattle, e das ameaças de William Dayley quanto a «uma nova guerra comercial» no caso de americanos e europeus não conseguirem «afinar os seus violinos» e não chegarem a uma «estratégia comum».

Mas poderão tais «violinos» ser realmente bem «afinados» já que a acelerada concentração monopolista transnacional não elimina as contradições interimperialistas? Quanto à «estratégia» essa é basicamente a mesma na sua natureza de classe, recai invariavelmente sobre o mundo de trabalho e os povos do «Terceiro Mundo». Os axiomas do «livre comércio» e da «competitividade» significam mais exploração e opressão, baixos salários, precarização e desregulação das relações laborais, destruição de conquistas e direitos sociais, desmantelamento de fronteiras e soberanias nacionais, empobrecimento da democracia, livre arbítrio das multinacionais e avanço de poderes supranacionais, tendência para transformar em mercadoria/objecto de lucro toda a actividade humana.

Concebida como um momento alto da cavalgada neoliberal, Seattle acabou afinal por constituir um marco significativo na luta contra o processo de globalização capitalista, de que a OMC é um instrumento fundamental. O que abre novos espaços a uma luta que tem que continuar, também em Portugal, tanto mais que o governo do PS demonstrou em toda esta questão uma abdicação e um seguidismo particularmente chocantes. — Albano Nunes


«Avante!» Nº 1358 - 9.Dezembro.1999