Portugal África – Desenvolvimento e Cooperação
Valores da liberdade e da democracia são universais
— reafirma em Lisboa Carlos Carvalhas


Mais de uma centena de pessoas participaram, na quinta-feira passada, na recepção-convívio, subordinada ao lema "Portugal África - Desenvolvimento e Cooperação", que o PCP promoveu, num Hotel de Lisboa, a personalidades e representantes das Comunidades de origem africana, de Organizações ligadas à cooperação e solidariedade com África e de representações diplomáticas de países africanos em Portugal.

Entre os convivas, para além do secretário-geral do PCP, Carlos Carvalhas, e do eurodeputado comunista Joaquim Miranda, Presidente da Comissão do Parlamento Europeu para o Desenvolvimento e Cooperação, podiam ver-se numerosos presidentes de Câmaras e de Juntas de Freguesia, vereadores e membros de Assembleias Municipais da Área Metropolitana de Lisboa.
António Domingues, António Meireles, Daniel Matos, José Barata Moura, Luís Azevedo, Mário de Carvalho, Orlando Costa, Brigadeiro Pezarat Correia, Alm. Rosa Coutinho, General Vasco Gonçalves, Cmdt. Vasco Santos, foram algumas das muitas personalidades ligadas a várias áreas da vida política, social e cultural portuguesa que se quiseram associar ao acto.
Da parte das comunidades africanas destacava-se a presença dos cantores Waldemar Bastos, Ana Firmino e Tó Cruz, de Eusébio, do jornalista Luís Alberto Ferreira, de Bernardo Manuel, técnico de atletismo do Sporting, Jorge Macedo, da Casa de Angola, Alcestina Tolentino, Presidente da Associação Caboverdeana, Padre Manuel Soares, da Obra Católica das Migrações, Álvaro Apolo, dirigente do PAICV e seu responsável em Portugal; Januário Domingos, da ACIM, António Nicolau, António Tavares, da SOS-Defesa de Angola, Maria José Ferreira, da ASAP, as escritoras Orlanda Amarilis e Fernanda Mateus, Nicolau Lopes, secretário-geral do Secretariado Coordenador das Associações Angolanas; Jorge Macedo, director do «Afroletras»; a poetisa Elsa Noronha; Manuel Correia, da Frente Anti-Racista; Pedro Santarém, dirigente da Associação Africana do Barreiro, o pintor David Levy Lima; representações oficiais de diversas Associações e, ainda, dezenas de sindicalistas, activistas e dirigentes associativos.

«Podem contar connosco em todas as esferas da vida nacional onde temos influência bem como nas diversas instituições internacionais e europeias onde temos representação», garantiu Carlos Carvalhas na sua intervenção às dezenas de representantes das comunidades de origem africana presentes, depois de sublinhar que os seus problemas «são no essencial os problemas que defrontam os portugueses emigrantes nos países da União Europeia e nos diversos cantos do Mundo».


Queria em meu nome e em nome do PCP, agradecer a presença de todos nesta recepção-convívio, nomeadamente a presença de representantes de diversos países africanos e das comunidades de origem africana em Portugal.
Nós que fomos e somos um País com uma grande emigração, estamos em boas condições para compreender os problemas das diversas comunidades estrangeiras que aqui vivem e trabalham.
Os seus problemas são no essencial os problemas que defrontam os portugueses emigrantes nos países da União Europeia e nos diversos cantos do Mundo: o problema da documentação e da legalização, do trabalho com direitos e dignamente remunerado, os problemas da habitação e da integração, do respeito pelas culturas, os problemas da discriminação, do racismo e da xenofobia.
A grande maioria das comunidades de imigrantes encontram-se na Área Metropolitana de Lisboa.
É também aqui que o PCP tem mais posições e responsabilidades autárquicas.
De uma forma geral e no quadro das competências das autarquias procuramos dar resposta aos problemas dos imigrantes, o que não quer dizer que não haja que melhorar a nossa intervenção e que não haja questões a superar. Mas muitos dos problemas ultrapassam os meios, as atribuições e competências do Poder Local.
Neste Encontro-convívio queremos também dizer-vos que podem contar connosco em todas as esferas da vida nacional onde temos influência bem assim como nas diversas instituições internacionais e europeias onde temos representação, nomeadamente no Parlamento Europeu, no Conselho da Europa e na União Inter-Parlamentar.
Permitam-me ainda que sublinhe algumas das nossas iniciativas na Assembleia da República, nomeadamente as alterações introduzidas na nova lei de estrangeiros por iniciativa do PCP, como a consideração da união de facto para efeitos de reagrupamento familiar; a proibição da manutenção de cidadãos por mais de 48 horas na zona internacional do aeroporto; a diminuição de 10 para 6 anos do período de residência exigido para obtenção de autorização de residência permanente; a participação do Conselho Consultivo para os Assuntos da Imigração nos casos de recusa de renovação de autorização de residência.
E honramo-nos de ter sido o primeiro partido a apresentar um projecto de lei contra a discriminação racial, que conduziu à aprovação pela primeira vez em Portugal de uma lei que proíbe e sanciona todas as práticas discriminatórias por causa da raça, cor, nacionalidade ou origem étnica. E honramo-nos de ter sido também o partido que mais iniciativas e projectos de lei apresentou na Assembleia da República, como foi o caso entre outros, dos direitos das Associações de Imigrantes, da proposta de um mecanismo permanente para possibilitar a legalização dos imigrantes em situação irregular, ou da revogação de toda a legislação discriminatória sobre o trabalho de estrangeiros.

Cabe aos africanos optar

Por múltiplas razões Portugal está profundamente ligado a África. Felizmente que a Revolução de 25 de Abril ao libertar o país do fascismo também contribuiu para que os povos irmãos de Angola, Moçambique, Guiné-Bissau, Cabo Verde e S.Tomé e Príncipe se libertassem, criando um novo quadro de relacionamento entre Portugal e África.
É aos africanos que cabe optar pelas suas instituições, os seus princípios e os seus valores, o seu quadro de organização regional.
Cabe-nos respeitá-lo. Sabemos apreciar o valor da liberdade, da soberania e da democracia. E dos povos africanos recebemos também um valioso contributo pela sua libertação do colonialismo. A luta dos povos de Angola, Moçambique, Guiné-Bissau, Cabo Verde e S. Tomé, foi na verdade uma preciosa ajuda à libertação do povo português.
Entendemos que os valores da liberdade e da democracia são universais, mas não há "modelos" para impor, porque só os próprios povos poderão encontrar o seu próprio caminho, ou se quiserem o seu próprio "modelo".
Nós, portugueses, cidadãos de um país que vai exercer a Presidência da União Europeia, entendemos que essa Presidência deve ser exercida para beneficiar a cooperação entre a Europa e África. Para tal é de aplaudir a realização de uma Cimeira entre a União Europeia e a OUA, a realizar no Cairo e que tenha como objectivo fomentar um real desenvolvimento e uma verdadeira cooperação e a resolução das dívidas externas, nomeadamente dos países mais carenciados.
Para esse efeito é necessário partir-se do pressuposto que cada organização tem as suas próprias regras, e cada uma das partes deve respeitar esses regras assumindo todos as consequências práticas, ou seja, ninguém pode ditar comportamentos, exclusões ou marginalizações.
Portugal tudo deve fazer para que a Cimeira não seja adiada e se realize dentro desse espírito e que a realizar-se ela não seja a vitória de um partido, de um país ou de uma organização internacional, mas uma vitória dos povos da União Europeia e dos povos da OUA, uma vitória da cooperação entre europeus e africanos.
Portugal está interessado no relacionamento com todos os países do Norte de África, sem exclusões e deve rejeitar manobras que visem dividi-los ou agrupá-los segundo interesses das velhas potências coloniais. Com os nossos vizinhos próximos do Mediterrâneo, o PCP defende uma relação sem preconceitos e em pé de igualdade, na busca dos interesses e vantagens recíprocas.
Aos países de língua oficial portuguesa ligam-nos laços muitos especiais que creio por todos os outros ser compreendido.
E permitam-me que daqui saúde o povo de Timor Lorosae, Xanana Gusmão e o CNRT com votos de sucesso na difícil fase de reconstrução e construção deste novo país.
Também o apoio solidário do PCP e de forças progressistas portuguesas à luta anti-apartheid e ao ANC, e a enorme colónia portuguesa radicada na África do Sul, criou entre Portugal e a África do Sul laços especiais que se impõem no relacionamento com esse grande país.
Com todos os presentes e com todos os povos e países africanos queremos que Portugal e a União Europeia dêem o seu contributo para um relacionamento internacional mais justo, equitativo e não se faça de África um enorme reservatório de matérias primas, de mão-de-obra barata, um Continente perdido.

Por uma nova ordem económica

Vivemos uma época em que se evoca para tudo e para nada a globalização.
A "globalização" tem também as costas largas. Não é raro dizer-se que neste mundo globalizado, temos que ser competitivos o que nessa linguagem quer dizer temos que baixar os custos do trabalho, liquidar direitos, não aumentar salários, desregulamentar e flexibilizar cada vez mais a mão-de-obra... Este é o actual rumo da globalização que difunde a ideologia e os interesses dos países dominantes: os dogmas do neoliberalismo e da economia de casino à escala planetária. É a ideologia da competitividade, das privatizações, da desregulamentação, da liberalização, da produtividade, da flexibilidade, da mobilidade que mais não visa do que desarmar os Estados, os trabalhadores e os sindicatos, para permitir à escala planetária a desmedida acumulação de riqueza e a concentração do "poder político" em meia dúzia de famílias, à custa da mais desenfreada exploração do trabalho e da pilhagem de países e continentes inteiros. É a globalização da pobreza, do desemprego, do trabalho precário e das fantásticas concentrações de riqueza.
Ainda antes de Marx, o Padre Lacordaire escrevia em 1838: «Entre o forte e o fraco, a liberdade oprime e a lei liberta...».
São na verdade os países mais poderosos e os mais ricos os que mais defendem a desregulamentação, a liquidação de defesas dos Estado soberanos, o mercado como supremo regulador e entidade divina, o notário da democracia... Mas como já foi afirmado «quanto mais deixarmos o mercado governar o futuro das nossas sociedades, mais o mundo se tornará o terreno de uma guerra económica sem fronteiras, onde individuos, grupos sociais, cidades, países e continentes pouco ou nada competitivos serão postos de lado e abandonados como é já o caso de África».
Ao mundo actual injusto e desumano sobrepomos a luta por uma nova ordem económica mundial e uma política de cooperação e apoio activo e solidário ao desenvolvimento dos povos dos países subdesenvolvidos.
A globalização por que lutamos é a globalização da solidariedade, da cooperação, da defesa do ambiente, do desenvolvimento com dimensão social, da criação de condições de modo a que – e utilizando uma fórmula conhecida – «cada mulher, cada homem, cada criança, goze de todas as condições económicas, sociais, políticas e culturais, que permitam àquele que transporta em si o génio de Rafael ou de Mozart possa desenvolvê-lo plenamente».
São muitas vezes os principais responsáveis por esta "ordem mundial" em que impera a lei do mais forte e o neocolonialismo sob as suas mais diversas formas os que, sem qualquer pudor fomentam a corrupção, guerras e rivalidades e depois pungidamente lamentam que dezenas de milhões de seres humanos na África, na Ásia e na América Latina tenham uma vida de miséria, estejam ameaçados pela fome, pela tragédia da Sida, alimentada pelo círculo vicioso da pobreza e sejam até vítimas de doenças facilmente curáveis...
São os que alimentam e veiculam a imensa ofensiva ideológica em relação ao fomento da resignação e à apologética da preservação do sistema. São os adeptos do «fim da história» que asseguram que a economia neoliberal é a forma inultrapassável de organização da sociedade. São os que difundem a fé no progresso da ciência e da tecnologia como remédio para a felicidade dos homens mesmo quando são evidentes os desastres ecológicos e as actuais regressões sociais. São os que difundem os "cliches", os preconceitos e as teses racistas, como causas do subdesenvolvimento: "a inferioridade dos negros e dos amarelos"; a "incompatibilidade entre o Islão e a racionalidade"; a maldição demográfica e da fecundidade...; apagando as responsabilidades do colonialismo e do imperialismo, das pilhagens, da degradação dos termos de troca, do fardo da dívida externa.
E são também aqueles os que mais se opõem à taxa Tobin sobre as operações financeiras, a qual, se aplicada e segundo cálculos da ONU, daria para resolver as necessidades mais básicas das populações mais carenciadas do Globo. E são ainda os que queriam que avançasse o "Acordo Multilateral de Investimentos" de modo a que as multinacionais pudessem passar por cima dos Estados e dos Sindicatos, e os que queriam agora novos avanços neoliberais no Comércio Mundial em Seattle. São os que comandam o Banco Mundial, o FMI e a OCDE e que ditam as grandes linhas da submissão e da dependência. E que tem como resultado a obscena concentração de riquezas num pólo e da pobreza no outro, situação que se verifica mesmo no interior dos países mais desenvolvidos. À escala mundial, o controlo e o consumo de 80% dos recursos naturais é detido apenas por 20% da população!
O património dos 15 maiores multimilionários ultrapassa o PIB total do conjunto da África subsariana!
Como já alguém disse a globalização capitalista custa ao Terceiro mundo uma Hiroshima por dia...


Conjugar esforços

É também para continuarmos a conjugar os nossos esforços e a nossa intervenção mesmo que pontual, pelo desenvolvimento, pela cooperação e pela transformação social, que nos encontramos aqui.
O PCP não faltará com a sua solidariedade aos povos africanos e com o activo e determinado contributo para que sejam respeitados e valorizados os direitos das comunidades africanas e dos imigrantes que vivem trabalham em Portugal.
Pela nossa parte tudo faremos também, para que se efective o reforço de cooperação entre Portugal e os países africanos, e entre a União Europeia e África, na base do respeito mútuo, da não ingerência e nas vantagens recíprocas.
Este é um encontro de amigos. E porque estamos num convívio de amigos, e numa quadra especial, permitam-me que vos deseje a todos e muito especialmente aos nossos convidados estrangeiros umas Boas Festas e um Bom Ano 2000, e aos seus povos, progresso, justiça social e Paz.


«Avante!» Nº 1359 - 16.Dezembro.1999