Saúde
Quatro propostas urgentes


Os múltiplos problemas que afectam a área da saúde foram uma vez mais abordados pelo PCP que, em documento apresentado à imprensa - de que aqui reproduzimos largos extractos - apresentou quatro propostas urgentes e relembrou a necessidade de «uma profunda e inadiável reforma democrática do serviço Nacional de Saúde».
O Grupo Parlamentar do PCP apresentou entretanto, na Assembleia da República, um projecto de lei que consagra a adopção de algumas medidas que se inserem na proposta sobre política do medicamento e que integram um
Programa de Redução dos Gastos com Medicamentos.

O PCP «recusa firmemente a divisão dos portugueses, do ponto de vista da garantia do seu direito à saúde, em cidadãos de primeira e de segunda». Ou seja, entre aqueles que «têm capacidade económica» e a grande maioria, que não tendo essa capacidade económica ficaria condenada ao acesso «a um sistema residual e caritativo de saúde, com cuidados de saúde e outras prestações de nível inevitavelmente inferior».
Por isso, o PCP «assume abertamente» a defesa de um Serviço Nacional de Saúde «regressado à filosofia e à inspiração democrática e humanista inicial, ajustado às novas condições de progresso tecnológico, aos problemas que o crescimento dos custos e a evolução organizativa colocam, aos novos e mais exigentes padrões de saúde possíveis e por isso acessíveis a todos os seres humanos».
«Em coerência com esta postura», o PCP tem assumido a necessidade de uma reforma democrática do Serviço Nacional de Saúde, assente na autonomia e na regionalização, num novo sistema de financiamento, na gestão democrática das unidades de saúde e na separação do público e do privado. E, em simultâneo, defende a adopção de políticas prioritárias nos domínios «da concretização do direito à saúde, da qualidade dos serviços, da valorização dos cuidados de saúde primários, das listas de espera, dos medicamentos, da promoção dos direitos dos utentes, e que preste uma particular atenção aos problemas da saúde mental, da toxicodependência, e da SIDA».
De entre este conjunto de propostas, o PCP chama a atenção para «quatro medidas urgentes, centradas na questão das listas de espera, da política de medicamento, da melhoria da oferta de cuidados primários de saúde e da adopção de um plano de separação do público e do privado».


Listas de espera

«Defendendo o interesse nacional e os interesses dos próprios utentes o PCP propôs na última legislatura um projecto de lei e a Assembleia da República aprovou-o, consagrando um Programa Especial de Acesso aos Cuidados de Saúde.
Este Programa consagra o princípio do aproveitamento da capacidade do Serviço Nacional de Saúde através da contratualização com as instituições do próprio SNS de forma a aumentar a resposta dada por estes serviços. E prevê a concretização de várias medidas, entre as quais são de sublinhar:
- o recenseamento rigoroso dos utentes em listas de espera, regularmente actualizado;
- a avaliação da capacidade instalada do SNS em recursos humanos, infra-estruturas e equipamentos e sua mobilização para a resolução sustentada do problema das listas de espera, mediante acordos entre as Agências das Administrações Regionais de Saúde e as instituições do SNS, que estabeleçam as medidas organizativas e de apoio indispensáveis;
- o estabelecimento do princípio de que o recurso a meios externos ao SNS só terá lugar em situações de insuficiência ou esgotamento da capacidade instalada;
- a atribuição ao Programa Especial de Acesso aos Cuidados de Saúde de uma dotação orçamental adicional e própria.


Política do Medicamento

O PCP defende em relação aos medicamentos, entre outras, as seguintes medidas:
- dispensa gratuita aos utentes do SNS do conjunto de medicamentos que lhes sejam prescritos cuja comparticipação financeira sai mais cara ao erário público do que a sua dispensa gratuita nos hospitais e centros de saúde;
- a prescrição de medicamentos comparticipáveis pelo SNS terá de ser efectuada com indicação da substância activa ou denominação comum internacional seguida de dosagem e forma farmacêutica;
- implantação de um formulário nacional de medicamentos que tenha em conta o balanço entre o custo e o benefício terapêutico dos fármacos nele incluídos;
- enquanto o formulário nacional de medicamentos não entrar em vigor defendem-se transitoriamente alguns procedimentos concretos;
- alteração do sistema de comparticipação de medicamentos com eliminação dos medicamentos que tenham uma eficácia terapêutica actualmente considerada discutível e os que tenha preços relativamente excessivos de forma a se poder aumentar o valor da comparticipação nos medicamentos essenciais;
- promoção da utilização dos medicamentos genéricos, devidamente certificados, de acordo com as normas de patentes vigentes internacionalmente;
- aperfeiçoar a lista de medicamentos comparticipados a 100% pelo Estado de forma a contemplar entidades nosológicas de carácter crónico cujas características clínicas e sociais são equivalentes às de outras já contempladas;
- utilização de critérios mais rigorosos e eficientes na autorização dos medicamentos de forma a que em Portugal não sejam aprovados medicamentos cujo balanço entre o benefício terapêutico e o risco seja discutível;
- desenvolvimento de estruturas a nível das farmácias dos hospitais que permitam a distribuição de medicamentos aos doentes que acedem às urgências e consultas externas;
- aperfeiçoar a legislação sobre ensaios clínicos com medicamentos de forma a que a investigação nesta área se desenvolva em Portugal salvaguardando os direitos dos doentes e a transparência nas relações entre a indústria farmacêutica e os investigadores;
- alteração da legislação sobre publicidade de medicamentos de forma a que se restrinja a sua prática nos grandes meios de comunicação social e se controlem de forma mais eficaz as pressões sobre os profissionais de saúde e os consumidores;
- desenvolvimento de uma política estruturada de informação científica independente destinada aos profissionais de saúde utilizando novas tecnologias de informação;
- intervenção mais activa nas instâncias da União Europeia e da OMS que têm um papel determinante na definição das políticas relacionadas com o medicamento de forma a se salvaguardarem os interesses nacionais nos aspectos económicos, científicos e culturais;
- criação de linhas de apoio à investigação nomeadamente em fármaco-epidemiologia e tecnologia farmacêutica;
- política de apoio ao investimento produtivo na indústria farmacêutica nacional, que dificulte a transferência para outros países da produção local de medicamentos;
- garantir a produção e a distribuição de manipulados e outros medicamentos não existentes no circuito comercial;
- criação de um laboratório de referência oficial para o controle da qualidade dos medicamentos.


Melhoria da oferta de Cuidados de Saúde Primários

«O PCP defende as seguintes dez medidas, entre outras, para melhorar a oferta de cuidados de saúde primários:
- o reforço prioritário do investimento nos cuidados primários, considerando que esta medida é uma condição essencial para o bom funcionamento do sistema de saúde;
- a renovação e criação de novas instalações e equipamentos para os cuidados primários de saúde atendendo ao insuficiente e deteriorado parque de saúde existente; com esta finalidade o PCP propõe a duplicação do investimento nesta área na próxima legislatura;
- uma nova política de pessoal que, para além do redimensionamento e preenchimento dos quadros, valorize a adequada gestão das carreiras profissionais, garantindo a pertinente requalificação dos trabalhadores da saúde;
- a articulação através de ligações horizontais flexíveis entre centros de saúde e serviços hospitalares, na base do interesse mútuo e orientadas por objectivos concretos de saúde;
- a adequada expressão da vontade das populações na direcção dos centros de saúde, através de representação electiva, de forma a fazer reflectir no funcionamento e organização dos centros de saúde, os reais interesses da população e dos profissionais;
- a promoção de uma política de estímulos que promova a inovação organizativa, designadamente a aproximação dos horários aos períodos de conveniência da comunidade e o desenvolvimento do apoio domiciliário e as transferências de tecnologia dos cuidados secundários para os cuidados primários;
- o desenvolvimento de programas de prestação de cuidados de especialidade nos Centros de Saúde, da responsabilidade dos hospitais de referência;
- o reforço da produtividade, através da inovação tecnológica e organizativa, da motivação dos profissionais, e da facilitação dos contactos entre utentes e profissionais de saúde;
- a reforma da legislação de enquadramento dos Cuidados Primários de Saúde que consagre uma nova filosofia de gestão democrática, mudança organizativa, nova política de recursos humanos e financiamento contratualizado;
- a garantia da qualidade dos cuidados de saúde através de uma avaliação da adequação de recursos, dos processos de prestação e dos resultados alcançados, em termos de ganho em saúde.


Adopção de um Plano de separação do público e do privado

«Impõe-se a necessidade de adopção de um Plano de separação do sector público e do sector privado, com a adopção de um conjunto de medidas tais como:
- alteração do sistema que permite o desenvolvimento de medicina privada no interior dos estabelecimentos públicos;
- introdução, em simultâneo, de modalidades remuneratórias que permitam fixar no SNS técnicos de elevada competência;
- estabelecimento de um código de conduta que torne ilícito aos médicos do SNS o desvio de doentes para consultórios privados;
- consagração do carácter público da gestão de todos os estabelecimentos públicos e cessação dos contratos de gestão privada de estabelecimentos do SNS, actualmente existentes.»


«Avante!» Nº 1359 - 16.Dezembro.1999