Comunistas checos
realizaram V Congresso


O V Congresso do Partido Comunista da Boémia e Morávia (KSCM em checo) realizou-se nos dias 4 e 5 de Dezembro na cidade de Zdar nad Sazavou, a cerca de 150 quilómetros a sudeste de Praga, num município em que os comunistas têm significativa representação autárquica e numa região onde há municípios por si governados. O PCP esteve representado no Congresso por Henrique de Sousa, do Secretariado.

Em mensagem enviada ao PCBM, o PCP manifestou o seu elevado apreço pela «coragem física e moral com que, arrostando com as perseguições, discriminações e dificuldades do presente, os comunistas checos prosseguem a sua luta e olham com confiança para o futuro», com «o socialismo no horizonte, renovado na sua concepção pelas lições das experiências positivas e negativas do seu rico património histórico e os novos desafios que a História coloca». A mensagem refere ainda a «radical alteração da correlação de forças que ocorreu no mundo, a ofensiva neoliberal do grande capital», bem como «a correlativa agressividade crescente do imperialismo», que «confrontam os trabalhadores e os povos com sérias ameaças». Neste contexto, sublinha-se, «todos os esforços são necessários para conseguir uma ampla convergência e unidade de acção dos comunistas, forças progressistas e de esquerda, organizações e personalidades amantes da paz», de forma a impedir a «deriva militarista e assegurar uma segurança real aos povos da Europa, assente na cooperação e no desenvolvimento, no respeito pelos interesses e soberania de cada Estado, a Carta da ONU e a Carta de Helsínquia».


Remédios neoliberais agravam crise

Sobre a situação que se vive actualmente na República Checa e o importante papel desempenhado pelos comunistas, Henrique Sousa prestou ao «Avante!» um depoimento que abaixo se transcreve.

"O V Congresso dos comunistas checos efectuou-se num momento em que naquele país se verifica uma grave deterioração da situação económica e social, com a aplicação por parte do Governo minoritário de Milos Zeman (do Partido Social Democrata), sustentado num pacto com o principal partido da direita e anterior governante (Partido Cívico Democrata, de V. Klaus), de receitas neoliberais que não diferem significativamente das aplicadas em Portugal pelo PS. Dessas «receitas» avulta um processo de privatizações recheado de escândalos e corrupção, a fuga para o estrangeiro de 1/3 da riqueza nacional, a entrega do controlo da economia do país ao capital estrangeiro, à cabeça o capital alemão e as transnacionais, visíveis e omnipresentes. Nem a principal fábrica cervejeira checa, de uma indústria nacional emblemática, escapou à compra... por capitais sul-africanos. Tudo isto à mistura com o ataque a direitos e conquistas sociais, mais desemprego e a deterioração rápida dos padrões de vida dos cidadãos, 65% dos quais reconhecem hoje viver pior do que há 10 anos, antes do derrube do anterior regime socialista. O resultado é o inevitável crescimento do descontentamento e do protesto social, dirigido sobretudo contra os partidos (PSD e PCD) que nestes 10 anos têm protagonizado no poder o processo desastroso de reconstrução do capitalismo checo.
Quanto ao PCBM, terceiro partido em representação parlamentar com 24 deputados (11% nas últimas eleições), quatro senadores e uma expressiva influência no poder local (13,6% nas últimas eleições), é publicamente reconhecida a subida da sua influência e do apoio popular, atribuindo-lhe sondagens de opinião valores da ordem dos 24% e a condição de primeiro ou segundo partido se as eleições legislativas se realizassem neste momento.
Camaradas checos testemunharam-me, aliás, como particularmente significativo do reconhecimento por muitos cidadãos de que é o PCBM que polariza uma alternativa de esquerda à lamentável situação do país, o facto de, pela primeira vez em muitos anos, trabalhadores (de uma fábrica de tractores da região de Brno) terem convidado a Direcção do PCBM para ir reunir com eles, tendo-se lá deslocado o Presidente do Partido, Grebenicek. Um acontecimento que de algum modo simboliza também para os comunistas checos uma nova e promissora fase no seu relacionamento com a classe operária e os trabalhadores checos, depois da desconfiança e desorientação instaladas pelos acontecimentos de 89 e pela tentativa do poder de direita nos últimos anos de condicionar e despolitizar o movimento operário e sindical.


Democracia condicionada

"O crescimento do apoio popular ao PCBM é tanto mais significativo quanto se verifica num país onde o regime da chamada «revolução de veludo» de 1989, que permitiu à direita apossar-se do poder, é um regime de liberdade condicionada; onde se mantém em vigor legislação que considera o Partido Comunista uma «organização criminosa», que proíbe a organização e a actividade político-partidária nas empresas (imagine-se só como seria intolerável proibirem em Portugal a existência de células de empresa do PCP!); em que alguns deputados de um partido de direita ainda se atrevem a dinamizar um abaixo-assinado para a ilegalização do PCBM; em que comunistas continuam a ser marginalizados e perseguidos profissionalmente pelas suas convicções; e onde o Presidente da República, Vaclav Havel - esse modelo de «democrata» para consumo internacional tão estimado pelo PS e pela direita em Portugal, apoiante de primeira linha da agressão da Nato à Jugoslávia -, continua a recusar receber os comunistas quando recebe os outros partidos e declara publicamente que, mesmo que o PCBM ganhasse as eleições, não aceitaria que formassem governo.
Não admira, pois, que, ao mesmo tempo que se realizava o Congresso do PCBM, sectores da direita procurassem também construir uma nova saída para manterem o controlo do poder e do sistema político, aproveitando para isso o 10º aniversário dos acontecimentos de 1989 e indo desenterrar os chamados «líderes estudantis» de então para dinamizarem um abaixo-assinado e manifestações com que tentam assim evitar a construção de uma real alternativa e a polarização à esquerda e no PCBM do descontentamento geral relativamente aos partidos que são responsáveis pela desastrosa política anti-social e anti-nacional destes dez anos. E que outros, como M. Zeman mandassem nas vésperas do Congresso os recados, que também cá conhecemos, de que o PCBM só poderia ser um eventual parceiro de coligação se realizasse uma transformação semelhante a outros partidos análogos na Polónia, Hungria, Eslováquia, que se converteram em partidos social-democratas.


Um partido comunista que conta e propõe alternativa

"Neste contexto complexo e instável, mas também promissor, o V Congresso do PCBM confirmou a sua identidade de partido comunista, a sua condição de grande partido nacional e de grande força organizada da esquerda naquele país. Aprovou um programa para a «reconstrução e modernização» do país que sustenta a sua proposta de uma alternativa política face à actual crise, em que inclui a defesa das conquistas sociais anteriores a 89, a amplificação dos direitos e da participação dos trabalhadores nas empresas, a exigência da revisão do processo de privatizações e a defesa de um sector público na banca, transportes, energia, telecomunicações e matérias-primas. Aprovou uma resolução sobre «O Partido na mudança de milénio», que situa o PCBM numa clara oposição à participação da República Checa na NATO, afirma o carácter imperialista do actual processo de globalização capitalista, exige que o processo de adesão do país à União Europeia seja fundado no respeito pelos direitos e nos prazos que sirvam o país, defende a cooperação internacional das forças de esquerda, com uma valorização especial da cooperação entre os partidos comunistas na Europa.
O debate realizado no Congresso, como os documentos aprovados, dão a ideia de um Partido que, recusando também visões passadistas ou nostálgicas, soube resistir á intensa pressão anticomunista e, confirmando a sua identidade, procura a partir deste Congresso avançar na renovação e rejuvenescimento das suas estruturas dirigentes e da sua organização e abrir o Partido a uma relação mais intensa e transformadora com a sociedade, dando particular destaque à classe operária e aos trabalhadores, à juventude e aos sectores intelectuais.
Os contactos realizados com quadros e dirigentes do PCBM durante a nossa estadia foram igualmente demonstrativos da importância do relacionamento entre os nossos dois partidos e contribuíram seguramente para um processo de diálogo e de cooperação que vai naturalmente desenvolver-se."


«Avante!» Nº 1359 - 16.Dezembro.1999