Cuba
EUA admitem entregar
Elián González ao pai


Elián González, o menino cubano retido nos EUA, poderá regressar brevemente a Cuba e à custódia paterna. A informação foi prestada no início desta semana pelo pai da criança, Juan Miguel González, ao diário espanhol «El País», que se manifestou «muito optimista» após um encontro com funcionários do Departamento de Estado e do Serviço de Imigração e Naturalização norte-americano. O movimento de solidariedade gerado em torno do caso, quer a nível nacional quer internacional, obrigou os EUA a rever a sua decisão de reter Elián no país contra a vontade do pai.

Funcionários norte-americanos deslocaram-se esta semana a casa de Juan Miguel González, em Cárdenas, uma povoação a 150 quilómetros de Havana, onde verificaram a certidão de nascimento da criança cubana retida nos EUA e «numerosos documentos», desde certificados escolares e boletins médicos, comprovativos quer da paternidade quer da assistência que lhe era prestada. «Durante a entrevista também me perguntaram se queria que o menino voltasse à ilha, e eu disse-lhes que sim, que nem eu nem Elián tínhamos nada a fazer nos EUA», disse González.
Recorda-se que Elián sobreviveu o mês passado a um naufrágio em que morreram onze «balseiros», incluindo a sua mãe, e que a luta pela custódia da criança se transformou num confronto político entre os EUA e Cuba, com as autoridades norte-americanas a recusarem entregar a custódia do menor ao pai, manifestando-se abertamente favoráveis a que ficasse nos EUA a cargo de familiares aí imigrados.
A questão transformou-se rapidamente num caso político, com tomadas de posição públicas por parte de destacadas figuras internacionais. Está neste caso o escritor português e Prémio Nobel da Literatura 1998, José Saramago, que em declarações à Prensa Latina exigiu aos EUA o cumprimento das leis internacionais, permitindo o regresso de Elián para junto do pai e avós maternos e paternos, em Cuba.
Saramago classificou de «sequestro» a retenção da criança em território norte-americano, e apelou à solidariedade internacional para pôr fim a mais esta prepotência contra Cuba e o seu povo.
No Chile, a deputado do Partido pela Democracia, Maria Antonieta Saa, afirmou que Elián foi utilizado pelos EUA como instrumento político, sem se ter em conta que se trata de uma criança. A deputada qualificou de «inumana a situação de sequestro da criança e defendeu que seja devolvida «quanto antes ao pai». No mesmo sentido se pronunciou o congressista Carlos Montes, do Partido Socialista, para quem este caso faz parte de «um conflito histórico, em que Washington abusou de forma desapiedada de um pequeno país como Cuba».

Contra a prepotência norte-americana manifestaram-se igualmente, entre outros, a Federação de Estudantes Universitários de Guadalajara, México; o reverendo britânico Geoffrey Bottoms, da igreja de Santa Mónica, em Blackpool; o brasileiro António Ezequiel de Araujo Nete, presidente do Instituto Interamericano de Direito Penal e Processo Penal; e os delegados ao 9º. Congresso da CGTP-IN, reunidos em Lisboa nos dias 10 e 11 de Dezembro.

EUA forçados a ceder

Também quatro organizações de cubanos residentes nos EUA se juntaram aos protestos gerados por este caso, pedindo ao governo norte-americano que tomem as medidas necessárias para permitir o regresso imediato da criança a Cuba. Numa conferência de imprensa conjunta, representantes da Brigada Antonio Maceo, da Aliança de Trabalhadores da Comunidade Cubano, do Grupo Cultural Afrocubano e da Coligação de Miami contra o Embargo a Cuba denunciaram a campanha levada a cabo por certa imprensa norte-americana que procura fazer crer que a comunidade cubana nos EUA tem uma posição monolítica sobre a recusa de entregar Elián ao pai. Para demonstrar que isso não é verdade as quatro organizações convocaram para a passada terça-feira uma manifestação «exigindo a devolução de Elián ao pai».
Entretanto, em Havana, o presidente do Parlamento cubano, Ricardo Alarcón, que preside à delegação cubana na ronda de conversações entre os EUA e Cuba para a revisão do cumprimento dos acordos migratórios bilaterais assinados em 1994 e 1995, afirmou que uma vez cumprida a exigência norte-americana de confirmação da paternidade do pequeno Elián, «a única coisa que falta é entregar» a criança ao pai. «Uma vez que procederam a essa formalidade, a de descobrir o que todo o mundo sabe, que ele (Juan Miguel) é o pai de Elián, o único que lhes resta fazer é aplicar a lei, a norte-americana, a cubana, o direito internacional, que determina que quando um menor aparece abandonado seja entregue ao seu pai».
Inicialmente, os EUA haviam afirmado que o caso Elián não faria parte das conversações sobre imigração. No entanto, antes do início de uma nova ronda negocial, William Brownfield, o subsecretário de Estado de Assuntos Hemisféricos que preside à delegação norte-americana, afirmou que «todos os assuntos relacionados com o tema migratório estão em cima da mesa». Esta afirmação, aliada às declarações de Juan Miguel González, fazem crer que a pressão internacional e a forte reacção do povo cubano ao sequestro do pequeno Elián forçaram os EUA a mudar de ideias.


«Avante!» Nº 1359 - 16.Dezembro.1999