Canal do Panamá
Transferência de soberania
desvalorizada pelos EUA


O controlo do canal do Panamá passou anteontem formalmente para as mãos das autoridades panamianas, numa cerimónia em que primaram pela ausência os principais governantes norte-americanos.

A ausência de figuras destacadas da administração Clinton não foi acidental nem devido a problemas de agenda, apesar da cerimónia de transferência de poderes ter sido antecipada (a data inicialmente prevista era 31 de Dezembro). Na verdade, em vésperas de uma batalha eleitoral que se anuncia renhida, os democratas norte-americanos procuram com a desvalorização do evento retirar argumentos aos republicanos, no seio dos quais se fazem ouvir muitas vozes discordantes quanto aos acordos negociados em 1977 pelo general Omar Torrijos para a devolução do canal. Assim, a representação da administração Clinton ficou-se pelos secretários do Comércio e dos Transportes, respectivamente William Daley e Rodney Slater, e pelo desconhecido novo enviado especial para a América Latina, Kenneth MacKay.
Embora o governo conservador de Mireya Moscoso tenha procurado dissimular a sua contrariedade pelas ausências, Martín Torrijos, filho de Omar Torrijos e dirigente do Partido Revolucionário Democrático (PRD), não deixou de lamentar «a desvalorização do nível dos eventos, uma vez que os tratados foram conseguidos pela cooperação internacional».
O Panamá, que foi uma província da Colômbia, tornou-se um país em 1903, graças à intervenção militar norte-americana, e desde então não mais se libertou da sua tutela, em particular através das bases militares.
Importa salientar que a própria entrega do canal não é irreversível, como resulta do Tratado de Neutralidade, igualmente assinado em 1977, segundo o qual está prevista a intervenção norte-americana no istmo se Washington considerar que o canal está ameaçado. Os EUA invocaram essa clausula sobre o «direito de intervenção» para a invasão do Panamá, em 1989, para prender o então presidente Manuel Noriega por alegado envolvimento no tráfego de droga. A referida clausula estipula que, independentemente do constante nos tratados, os EUA têm o direito de tomar medidas em relação ao Panamá, «incluindo o uso da força militar», «para reabrir o canal ou reactivar as sua operações» sempre que as considerem ameaçadas.


«Avante!» Nº 1359 - 16.Dezembro.1999