O «Mayor»
Nos EUA, o cargo de «Mayor» corresponde ao
nosso presidente de câmara municipal, com o pormenor de exercer
muito mais poderes e competências, aliás na tradição do
sistema presidencialista que caracteriza o desempenho de cargos
públicos no país.
Actualmente, um senhor chamado Rudolph Giuliani ocupa o lugar de
«Mayor» de Nova Iorque pelo Partido Republicano, o que
significa dirigir quase pessoalmente uma cidade que, além de
albergar entre nove a 10 milhões de habitantes, gera receitas e
movimenta orçamentos que ultrapassam o PIB de alguns países.
A ascensão deste senhor ao comando da sofisticada Nova Iorque
deveu-se, substancialmente, à sua capacidade de prometer ordem a
uma metrópole saturada de violência e penúria, onde se cruzam
a mais inconcebível ostentação e a miséria de sarjeta. A par
de gente que habita apartamentos e mansões a dezenas de contos o
metro quadrado outros há, em incontáveis milhares, a abrigar-se
como toupeiras nos subterrâneos da cidade, enquanto à
superfície vagueiam multidões de sem-abrigo que a polícia
escorraça a tiro dos acessos às zonas abastadas da urbe.
É tão selvagem a desigualdade social na fruição de Nova
Iorque, que as autoridades metropolitanas colocam avisos à
entrada dos bairros degradados advertindo os turistas ou os
incautos que, se lá penetrarem, ficam por sua conta e risco. Em
contrapartida, nas zonas ricas e bairros elegantes a polícia
vigia tudo e todos, não sendo necessário cometer qualquer
infracção para se ir malhar com os ossos na esquadra: basta
andar menos composto ou aparentar um comportamento «suspeito» -
seja lá isso o que for para se ter à perna a
intransigência policial.
No cumprimento da sua promessa de ordem, o «Mayor» Giuliani
promoveu a transformação dos bairros degradados da «baixa» em
residenciais de luxo e policiou a zona até à paranóia, obtendo
assim resultados imediatos: os especuladores imobiliários
embolsaram fortunas, a população abastada regressou em força
dos subúrbios fortificados onde se refugiara e a taxa de
criminalidade baixou significativamente, ou seja, foi empurrada
para outro lado.
Conta Manuel Ricardo Ferreira, correspondente do Diário de
Notícias em Nova Iorque, que neste momento uma única coisa
desagrada ao «Mayor» Giuliani: as dezenas de milhares de
sem-abrigo que deambulam pelas ruas e dormem nas estações de
metro ou nos portais dos prédios. Pelo que decidiu acabar com
eles por decreto, onde se determina que os sem-abrigo têm de
recolher aos asilos, sob ameaça de prisão por «invasão de
propriedade privada» se forem apanhados a dormir nas entradas
dos prédios.
Como os regulamentos dos asilos que também dependem do
senhor Giuliani só acolhem sem-abrigo que trabalhem, a
maior parte deles fica impossibilitada de procurar emprego, e
assim aceder ou conservar o tecto municipal, porque não tem onde
deixar os filhos. A solução do «Mayor» para o caso também é
expedita e por decreto: aos pais que não puderem tomar conta dos
filhos, retira-se-lhes a custódia e as crianças serão
entregues a instituições de caridade; se, após tão generosa
oportunidade assim concedida, os pais continuarem a não arranjar
trabalho, então há que expulsar os ingratos dos asilos e
devolvê-los à rua onde, de resto, não podem ficar...
Pelo que, ao «Mayor» de Nova Iorque por sinal, aspirante
ao cargo de procurador-geral da República resta encontrar
uma nova solução para os sem-abrigo.
Provavelmente, a «solução final». Henrique
Custódio