Ser ou não ser


As declarações produzidas há poucos dias pelo líder parlamentar do PS segundo as quais "o PCP está em vias de se transformar num movimento social-democrata" e que "deixou de ser um partido anti-sistema apesar de nalgumas questões centrais subsistirem ainda certas divergências com os chamados partidos do regime" , consubstanciam um conjunto de equívocos básicos em que importa não deixar permanecer nem esse dirigente socialista nem quantos, ao nível da opinião pública, possam dar qualquer tipo de crédito a esse tipo de considerações.
Desde logo porque possuindo as palavras o significado que realmente possuem , a social-democracia não pode deixar de ser identificada com a gestão (satisfeita) do capitalismo e com a concretização de políticas de inspiração neo-liberal , com mais ou menos tintas sociais, como se observou ainda recentemente no encontro realizado em Florença.
Quanto ao conceito de "partido anti-sistema" importa recordar que se trata de uma velharia ideológica utilizada pela direita para tentar marginalizar os comunistas quando, como toda a gente sabe, o PCP foi o mais abnegado e consequente lutador contra a ditadura fascista e é partido fundador do sistema democrático conquistado com o 25 de Abril e consagrado na Constituição.

Ora como não ver na existência do PCP, no seu programa, nos seus ideais, na vontade diariamente manifestada por todos os comunistas nas mais diversas frentes de intervenção e de luta , um propósito de natureza transformadora e de sentido político claramente oposto à social-democracia ?
Como não reconhecer que o que norteia permanentemente os comunistas é o objectivo de aprofundar a democracia nas suas diversas vertentes - política, económica , social e cultural - e o projecto e o objectivo , no quadro do aprofundamento da democracia e através da participação e da manifestação de vontade dos trabalhadores e do povo português, de construção futura de uma sociedade socialista?

Deitem-se pois por terra quaisquer ilusões, se é de ilusões que se trata, do líder parlamentar do PS e torne-se claro que na diversidade de opiniões que naturalmente se manifestam no interior do PCP não há quem queira seguir o caminho dos desejos formulados pelo líder parlamentar do PS.
E deixe-se também inequivocamente claro em relação a opiniões sobre a necessidade de renovação do PCP, como se testemunhou recentemente relativamente às de Luís Sá, que se trata de uma renovação do Partido para que ele continue a ser comunista , fiel à sua genética marxista essencial , e para que ele consiga cumprir no futuro, e em condições muito mudadas, o papel insubstituível de grande partido operário e de todos os trabalhadores e de força essencial para o aprofundamento da democracia , no caminho do socialismo.

Quando Mário Mesquita, no "Público" do último domingo, escreve que "não é certo, porém, que Guterres esteja interessado numa "renovação" do PCP que, embora facilitasse alianças e acordos políticos, poderia torná-lo mais apelativo para as áreas do eleitorado socialista desiludidas com o centrismo dominante no partido fundado por Mário Soares ", não estará a fornecer-nos uma interessante pista de reflexão sobre o porquê das aparentemente insólitas declarações do líder parlamentar do PS ? — Edgar Correia


«Avante!» Nº 1359 - 16.Dezembro.1999