Serviço público, isto?
«E agora, a actualidade internacional...»
Eram 20.55 da
passada terça-feira, quando Fátima Campos Pereira, assim
anunciava mais um virar de página no Telejornal dessa
noite. O que significa que esse serviço noticioso, em concreto,
iria terminar muito para além das 21 horas!
Parece um pormenor insignificante, mas a extensão (às vezes
insuportável, pelo seu artificialismo) que hoje chegam a atingir
os principais jornais de informação como se quantidade
de informação fosse sinónimo automático de qualidade
de informação constitui um sintoma perfeitamente
verificável de como o nosso serviço público de televisão (ao
contrário do que constantemente afirma) mais não anseia do que
caminhar, numa estratégia de seguidismo canino, na cola dos
novos operadores televisivos, sem capacidade de afirmar uma
identidade e personalidade próprias na forma de organizar
(quanto aos conteúdos) e gerir (quando aos custos) as suas
emissões.
É por isso que, sem nunca cuidar de horários, sem jamais prever
o arrastamento das emissões provocado pelo continuo desrespeito
das durações individuais dos programas ou até do simples
somatório das inserções de blocos publicitários, os atrasos
se avolumam e, para cúmulo, são deixados para transmissão
imprópria, a altas horas da noite e da madrugada, determinados
programas importantes ou incluídas, ao contrário, certas
rubricas de todo em todo deslocadas numa televisão pública que
se preze.
A este propósito, como é possível que seja autorizado o fecho
sistemático das emissões da RTP 1 às cinco ou seis
horas da manhã (!) sem que nada de verdadeiramente importante o
justifique e sem que alguém esteja acordado para assistir às
inutilidades e indigências que nesses períodos são
transmitidas? Quantos milhares e milhares de contos são
desperdiçados, semana após semana, mês após mês, ano após
ano, por causa deste verdadeiro absurdo e irresponsabilidade,
assim se agravando o buraco dos muitos milhões de contos
acumulados ao longo dos anos e extorquidos aos bolsos dos
contribuintes?
É provável que o leitor-espectador, perante a sua própria
saturação, já nem sequer repare nas malfeitorias diárias que
são praticadas mas gostaríamos que (apenas com base na
consulta da programação da presente semana e da anterior) se
interrogasse, por um momento, sobre o que estão a fazer nas
madrugadas do primeiro canal, «coisas» como o Televendas?
Qual é o gestor que vê às duas da manhã o RTP/Economia?
Que doméstica assistirá às três e cinquenta da madrugada à
telenovela Diário de Maria? A quem interessará o jogo L.A.Lakers
vs Minnesota, da NBA, perto das três?
Do mesmo modo, se passarmos à RTP 2, que melómano
poderá estar interessado em ver o programa Andamentos à
uma e quarenta, a esperar pelas quatro horas para ver terminada a
ópera A Filha do Regimento, a recordar o «Retrato» de
Fernando Lopes-Graça às duas e dez da manhã ou a ver,
criminosamente desperdiçado, a partir da uma e cinquenta e
cinco, o concerto de Monserrat Caballé gravado pela
própria RTP (com os custos inerentes) em Portimão!? E
como é possível justificar, no segundo canal, o começo da
transmissão de filmes que parece serem um dos álibis que dão
«verniz» à casa, em regra por volta da uma e meia ou duas e
meia da manhã, para terminarem por volta das quatro? Que
cinéfilos idiotas estarão acordados a tais horas?
Não deixa, aliás, de ser verdadeiramente escandaloso, ao
falar-se de cinema, aquilo que se passa neste domínio no
primeiro canal, com a RTP a abandonar por completo a sua
anterior liderança nas escolhas de qualidade e a deixar o
terreno livre a alguns brilharetes da SIC, assim
demonstrando já nem sequer ser competente para «desenlatar»
produto feito e optando por concorrer com aquela e com a TVI
no terreno do que de mais abjecto e violento hoje se produz no
cinema industrial.
E, o pior, é que a RTP parece muito orgulhosa desse
feito! Senão, apreciem-se alguns nacos de prosa que nos são
dados a ler no Boletim de Programas todas as semanas
enviado á imprensa: «"O Regresso do Psicopata
Assassino» (...) explora de forma particularmente
violenta e sanguinária a trajectória demencial de um psicopata
que seduz e casa com viúvas, que tenham filhos, para depois
destruir a família em que se introduziu, embora os filhos se
atravessem sempre no seu caminho»; ou «"O Violador
Assassino" é um thriller de crime e mistério que explora
uma tensa situação de sedução, engano e morte ao longo de uma
acidentada viagem de iate. Um sinuoso triângulo amoroso, de
forte carga erótica, envolvendo dois homens e uma bela mulher,
onde as paixões e o crime se parecem combinar de forma
excessivamente conveniente»; ou «um casal de demenciais
criminosos abandona a filha de seis anos, na sequência de uma
fuga à polícia, que acaba por ser adoptada por um pacato e
apaixonado casal».
Entretanto, no plano político e institucional, nada parece ser
feito para inverter esta tendência ou sequer para contrariar a
escalada suicida desta televisão rasca. Pelo seu lado, a
direita, esfrega as mão de contente, e continua a exigir a
destruição do serviço público. Até quando? Francisco
Costa