Nova receita para a especulação crescer
Segurança Social
promove imobiliário



Nos processos de recuperação de empresas têxteis do Norte, os representantes da Segurança Social apresentam propostas de «viabilização» que conduzem ao aniquilamento de importantes unidades industriais, ao aumento do desemprego e ao fomento dos negócios imobiliários.

A situação na Lionesa, com 200 trabalhadores, e nas empresas do Grupo Luís Correia, com cerca de 500, tem sido acompanhada pela Fesete/CGTP-IN, que fala mesmo em «negociatas desenvolvidas nas últimas semanas entre responsáveis do Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social e grupos com interesses imobiliários». Nestes negócios «tudo indica estar o próprio BPI envolvido», diz a Federação dos Sindicatos dos Trabalhadores Têxteis, Lanifícios, Vestuário, Calçado e Peles de Portugal, num comunicado que distribuiu após a assembleia de credores da Lionesa, que teve lugar sexta-feira em Vila Nova de Gaia.
Os deputados comunistas Agostinho Lopes e Honório Novo apresentaram anteontem três requerimentos na Assembleia da República sobre estes problemas:


Deputados comunistas
questionam o Governo

A situação na Lionesa e no Grupo Luís Correia levou Agostinho Lopes e Honório Novo, deputados do PCP eleitos pelos distritos de Braga e do Porto (onde aquelas empresas estão sediadas), a apresentarem anteontem três requerimentos na Assembleia da República, solicitando informações e esclarecimentos por parte dos ministérios da Economia e do Trabalho, bem como do IAPMEI.
«Importa definir uma estratégia política que permita defender a capacidade produtiva do País, particularmente nesta região tão afectada por fenómenos de desindustrialização e que, assim, permita defender o emprego», afirmam os deputados, nos requerimentos acerca do Grupo Luís Correia, salientando que neste sentido vão as declarações políticas oficiais e que «os actos e as decisões têm que lhes dar corpo e ser coerentes com elas».
Os deputados querem que o Governo diga se considera «aceitável que a estratégia dos representantes da Segurança Social seja a da promoção imobiliária, em detrimento óbvio da viabilização industrial e da defesa do emprego».
No requerimento sobre a Fábrica de Tecidos Lionesa, de Leça do Balio (concelho de Matosinhos), Honório Novo recorda que se trata de uma unidade têxtil de grandes tradições, que já ocupou 1500 trabalhadores, passou por fases muito difíceis e, no entanto, possui know-how e capacidade tecnológica à altura das actuais exigências do mercado. As potencialidades não foram, contudo, aproveitadas pela administração, «incapaz de levar a bom termo o processo de recuperação negociado e iniciado há cerca de cinco anos». No final de 1998 os trabalhadores apresentaram uma nova solução para a viabilização, que foi negociada e ganhou o acordo dos representantes do Estado, incluindo a Segurança Social, cujos representantes agora alteraram a sua posição.


Amarga
prenda

A proposta da Segurança Social para a Lionesa fica a aguardar, durante dez dias, a votação por escrito do banco BPI, que representa quase 34 por cento dos créditos. De qualquer forma, a «viabilização» que ficou desenhada no tribunal representa para os trabalhadores uma «prenda de Natal amarga», uma vez que a opção é entre a falência, por não serem aceites os projectos de recuperação da empresa, e «uma viabilidade precária», caso o BPI decida apoiar a proposta da Segurança Social (que detém cerca de 44 por cento dos créditos da Lionesa).
Os dois maiores credores rejeitaram as outras propostas de viabilização apresentadas na assembleia de dia 17, uma em nome dos trabalhadores, outra da firma Jotabe.
Os responsáveis do Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social propõem que a Lionesa dê lugar a duas empresas: uma sociedade imobiliária, que ficará com o património imóvel, avaliado em cerca de um milhão e duzentos mil contos, e que deverá ser vendido para pagar aos credores; e uma sociedade industrial, sem património imobiliário, que deverá, num prazo máximo de dois anos, abandonar as instalações actuais.
«Antes do início da assembleia de credores, à porta fechada, BPI e Segurança Social discutiam apenas o montante e a ordem de prioridade do recebimento dos seus créditos, quando for vendido o imóvel da Lionesa», denunciou a federação, recordando que os 200 trabalhadores «durante 5 anos não sentiram o sabor de um subsídio de férias e de Natal, sendo agora "premiados" com o desemprego, os salários em atraso ou a perda do posto de trabalho» num prazo não muito distante.
No princípio de Dezembro, a Fesete tinha alertado para os graves perigos desta «viabilização inédita, mas algo maquiavélica», que «parece ser uma nova receita da Segurança Social par as empresas com processos de recuperação, a qual pode ser muito útil aos especuladores imobiliários, em detrimento da aplicação dos valiosos patrimónios no relançamento da actividade produtiva, numa viabilização sustentada».
A previsão confirmou-se no Tribunal de Felgueiras, no dia 13, quando teve lugar a assembleia de credores da Têxtil Luís Correia (à qual se seguiram as assembleias de credores da Luzcor e da Luzmonte, empresas do mesmo grupo, no Tribunal de Guimarães). Também para o Grupo Luís Correia a Segurança Social propõe a divisão em sociedades industriais e imobiliárias, afirmando os representantes do IGFSS que tal proposta seria levada «até às últimas consequências, mesmo que acarretasse a falência».
Esta posição torna-se ainda mais chocante, como disse ao «Avante!» o dirigente da Fesete que acompanha estes casos, por haver uma empresa têxtil interessada em viabilizar a Luís Correia e que, em cerca de um ano de participação na gestão, está a obter resultados animadores. José Fernando adiantou-nos que, até esta altura, a federação não responsabilizava o Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social, mas apontava apenas os seus representantes locais. Só que a distinção deixou de fazer sentido, depois de ficar expressa a cobertura que os máximos responsáveis do IGFSS dão a este comportamento.
A proposta da Segurança Social para a Têxtil Luís Correia, acusa a Fesete, «cria um vazio perigoso para a continuidade laboral e premeia os interesses imobiliários». Entretanto, a Peruma Têxteis apresentou um plano que «garante o nível de emprego e a viabilidade do grupo, dando inclusive mais garantias à própria Segurança Social», salienta a federação.
No entanto, apenas um recurso jurídico de emergência impediu que no dia 13 começasse o fim de um importante grupo têxtil, que trabalha sobretudo para exportação. A Peruma provocou a suspensão do processo, apresentando recurso para o IAPMEI, o que representa um novo prazo de 4 meses para obter um acordo extra-judicial para a viabilização da Luís Correia.
Foi notada pelos presentes no Tribunal, disse José Fernando, a indignada reacção do representante de uma imobiliária, que preferia ter sido logo aprovada a proposta da Segurança Social e mostrou muito interesse em concretizar rapidamente a compra de terrenos e edifícios.


«Avante!» Nº 1360 - 23.Dezembro.1999