Depois
da OMC, o quê?
Mais OMC, tudo na OMC?
Por Sérgio Ribeiro
No final da guerra de 39-45, a procura de (re)ordenar o mundo baseou-se numas Nações Unidas, com agências especializadas, para as questões sociais (OIT, transformando/actualizando a estrutura de 1919), a cultura (UNESCO), a agricultura (FAO), o desenvolvimento industrial (ONUDI), etc., além do Banco Mundial e do FMI. No entanto, para o comércio internacional, necessariamente mais aberto e com novas regras, não se chegou a uma organização. Apesar dos esforços dos EUA, mais liberalizantes, em quadro institucional também desregulamentador , para aproveitar terem chegado ao fim da guerra com grande supremacia económica, metade do PIB e 80% do stock de ouro monetário mundial, não se passou dum compromisso de acordo geral, o GATT. E com o GATT se viveram décadas, em permanente negociação inter-nações.
Foram, entre 47
ano da criação do GATT e 86, oito ciclos de
negociações entre as chamadas «partes contratantes». Depois
de 61, foram as «rondas» Dillon (61-63), Kennedy
(64-67), Tóquio (73-79) e Uruguai (86-93) e nelas
começaram por ter papel relevante os países "em vias de
desenvolvimento", particularmente os «não-alinhados».
Não obstante o comércio internacional ter sempre reflectido a
supremacia relativa do modo de produção capitalista, nas
«rondas», as negociações nunca foram fáceis, e muitas vezes
houve posições coincidentes, e por isso mais fortes, dos
países socialistas e dos PVD, o que levou a que tivessem sido forum
para confrontos que, sendo comerciais e económicos, também
tinham grande significado político.
Durante o Uruguai Round (UR), erodiu essa frente que se opunha à
corrente que, com a capa e os argumentos do livre/leal comércio,
procurava desregulamentar o que traduzisse regulação a níveis
nacionais. E a frente erodiu com o desaparecimento dos países
socialistas, que deixou os PVD sem apoios e sem alternativas.
Mas não se ficaram por aí as consequências nefastas desse
desaparecimento, que hoje tanto se explora com a renovada
apregoação da relevância e do simbolismo da queda do muro de
Berlim. Três anos após o termo programado da UR, o seu
prolongamento para lá de 90 possibilitou que tal negociação
tivesse ido mais longe que o anunciado, embora tivesse arrancado
com o objectivo de «atacar as causas profundas dos obstáculos
às trocas internacionais». Sobretudo, evidentemente, as causas
profundas dos interesses dos PVD...
Por isso, nas novas condições, sem países socialistas, com os
PVD enfraquecidos em si mesmos e também por ausência de apoios,
o UR, criando a Organização Mundial do Comércio, alcançou o
que, no final da guerra, não fora possível, a
institucionalização do liberalismo e da mercadorização por
via da comércio internacional, sem os «entraves» de rondas
negociais entre «partes contratantes», inter-nações.
Pretende-se que a OMC seja a cereja no topo do bolo do
liberalismo, expressão do estádio supremo do capitalismo
transnacional repare-se: transnacional é o que passa por
cima do que é inter-nacional! Ao seu nível, institucional, isso
alcança-se por aprofundamento da mercadorização nos campos que
lhe estão cometidos e por extensão a outros campos.
Em Seattle não se discutiu a agenda de uma ronda negocial entre
«partes contratantes», mas sim no interior de uma
organização supra(ou trans)nacional. Na ronda procurar-se-á
aprofundar o «avanço» de Marraqueche, já do âmbito da OMC, e
estender a acção desta às áreas dos serviços (GATS), da
propriedade intelectual (TRIPs), da cultura, do
investimento em todas as áreas (recuperação do abortado AMI na
OCDE), da saúde (como tão convincentemente reivindicam meios de
negócios norte-americanos, atentos às potencialidades de tal
negócio quando envelhece a população e pode florescer o
mercado da saúde, dos cuidados médicos e medicamentosos).
As forças consequentes na defesa do que são direitos e não
mercados e mercadorias e a chamada opinião pública, pelas ONG
(e não só), mostraram estar atentas. Mas é preciso lembrar que
estas são negociações (internas... mas negociações) para
durar. Distracções podem ser muito graves!