Apesar de o
mês de Maio ainda vir longe
Londres,
a relíquia
Por Manoel de Lencastre
Há uma relíquia para conquistar-se em Inglaterra. Pela primeira vez, em Maio próximo, a capital metropolitana, Londres, elegerá um autêntico «mayor» (presidente da Câmara) através do voto directo dos seus milhões de habitantes. Nada a ver com o actual «Lord Mayor» que não passa de figura decorativa em nome dos interesses da City, o famoso, histórico centro financeiro que está habituado a governar o mundo. Desta vez, Londres terá um «mayor» real como acontece com todas as grandes capitais.
Naturalmente, os
partidos começaram a preparar entre os seus membros uma espécie
de eleições primárias. Destas, emergirão os candidatos
definitivos a submeter ao sufrágio da população da enorme
cidade. Será um dia histórico, em Maio. Num trabalho próximo,
ocupar-nos-emos das espantosas peripécias que estão a ocorrer
na campanha interna trabalhista em que Tony Blair tem usado de
todos os meios imagináveis e possíveis para travar o passo ao
candidato preferido pelo povo. Este, um corajoso político da
esquerda, não se manifesta preparado para abandonar os seus
princípios. Hoje, porém, examinaremos os escandalosos
acontecimentos que estão a marcar a candidatura dos
conservadores e a desacreditá-los, mais, ainda, perante o país.
«Um homem de golpes»
Ao contrário dos
trabalhistas, os «tories» já tinham candidato definitivo. Era
Jaffrey Archer, ou «lord» Archer, bem conhecido como escritor,
um dos mais excêntricos «grandes senhores» da classe
dirigente. A sua vida, sempre feita de altos e baixos, ora tem
tocado as portas da glória, ora tomba na lama e no descrédito.
Os «tories», apesar de imensas dúvidas quanto à real
credibilidade oferecida pelo candidato, um «homem de golpes»,
preparavam-se para apoiá-lo. Ele era e é, no fim de contas, o
preferido de Margaret Thatcher que ainda tem influência no
partido. Pelo contrário, os trabalhistas achavam-se mergulhados
numa campanha que os dividia entre vários candidatos mas só um
dispõe do apoio de Blair: Frank Dobson, ex-ministro dos Assuntos
Sociais.
Um inevitável escândalo, porém, rompeu todas as barreiras que
ao longo de vários anos fora possível erguer para impedir ao
mundo o conhecimento da verdade sobre Jeffrey Archer. Assim, a 23
do mês passado, o «leader» conservador, William Hague,
expulsou-o do partido declarando que, em sua opinião, a carreira
política de «lord» Archer, o novelista multimilionário,
estava terminada. Hague acusou-o de haver apresentado falsas
garantias quanto à sua honorabilidade pessoal e, dado que Archer
é deputado ao Parlamento, mandou que fosse afastado da bancada
conservadora. Ora, toda a gente conhece o escritor de novelas
sobre «businessmen» e golpes financeiros. O que se teria
passado?
Escritor do capitalismo
Archer conseguira
fazer uma considerável fortuna através de negócios mais ou
menos especulativos até que, em 1974, se achou envolvido no
colapso fraudulento da empresa canadiana «Aquablast» e sofreu,
consequentemente, um considerável desastre financeiro
faliu. Inventou, então, para sair da crise em que tombara, o
golpe do grande escritor de novelas sobre o universo dos
negócios. Ao publicar «Not a penny more, not a penny less»
(Nem mais nem menos um «penny»)., realizou um «bestseller» e
viu-se, uma vez mais, elevado à altura da riqueza e da fama que
já conhecera. As novelas «Abel e Caim», «A Filha Pródiga» e
«Primeiro entre Iguais» confirmaram-no como autor de bons
recursos no género que escolhera. Milionário, reentrou na vida
política, em 1985, ao serviço dos «tories», evidentemente.
No ano seguinte, porém, a Inglaterra viveria, perplexa, o
escândalo resultante de revelações publicadas pelo «Daily
Star» segundo as quais Jeffrey Archer teria sido visto em
Mayfair (um dos mais elegantes e afluentes bairros londrinos) na
companhia de uma prostituta, Monica Coghlan, a quem pagara 2000
libras. Num julgamento que excitou todo o país, o novelista,
acusando o referido jornal de difamação e estrenuamente
defendido pela própria esposa, Mary Archer, conseguiu provar a
sua inocência, que não tinha estado com a referida prostituta
em certa noite, mas, sim, a jantar com um amigo em dado
restaurante. O caso morreu e Archer recebeu meio milhão de
libras do «Daily Star», como compensação.
Mas, agora, o amigo que pretendeu ter jantado com Archer na noite
fatal em que este estivera com Monica, disse a verdade. Não se
tinham, de facto, encontrado. Não sabia onde Jeffrey Archer
estivera nessa noite e apenas se prontificara a dar-lhe o
essencial álibi de cobertura para que a esposa, a mencionada
Mary Archer, não sofresse. O «Daily Star» já oficiou ao
Tribunal que considerava o escritor como inocente, em 1987, a
exigir a restituição da indemnização paga que, acrescida dos
juros respectivos, representa, agora, a bonita soma de três
milhões de libras (960 000 contos). Espera-se que o caso volte
ao Tribunal e que Jeffrey Archer seja julgado pelo crime de
perjúrio, o que poderá levá-lo às galerias de uma
penitenciária.
Em 1992, vice-presidente do Partido Conservador, Jeffrey Archer
fora feito par do Reino, uma das suas grandes ambições. Mas
logo teve de sujeitar-se a investigações policiais por ter
adquirido acções da «Anglia TV», uma empresa de que a esposa
era directora. Comprara esse papel pelo respectivo valor nominal
no conhecimento antecipado do preço a que seria, dias depois,
colocado no mercado aberto através da Bolsa de Londres, para
fazer, o que aconteceu, um espectacular lucro. Que princípios,
que garantias pode este senhor «lord» Archer, oferecer para o
desempenho do lugar de «mayor» da cidade de Londres? O seu fim
político deixou os conservadores sem candidato à relíquia que
desejariam capturar. Outros já se perfilam para empunhar a
bandeira dos «tories» perante o povo da grande cidade. Steve
Norris, personalidade com ligações vivas à capital britânica,
será, talvez, o escolhido para uma das mais difíceis tarefas da
história do partido de Disraeli. Mas a vergonha dos golpes e dos
pecadilhos de Jeffrey Archer continua na ordem do dia e não
será esquecida.
Blair quer privatizar o Metro
Londres, como é
evidente, voltar-se-á em massa para os trabalhistas. Mas, para
quem, entre eles? O povo exige Ken Livingstone porque recorda o
seu trabalho quando «leader» do «Greater London Council», o
célebre GLC, que Margaret Thatcher aboliu em 1986. Há, também,
quem prefira Glenda Jackson, uma famosa artista de teatro e
cinema, popular em todo o país. Mas o todo poderoso Blair, já
disse: «O nosso candidato é Frank Dobson!».
Entretanto, o grosso do partido trabalhista da zona de Londres
parece decidido a não obedecer às ordens do primeiro-ministro.
Exige que o homem da esquerda, aquele que a cidade prefere, não
seja afastado da lista dos candidatos partidários. O perigo para
os «blairites» está em que, se a máquina do «New Labour»,
sob a influência de Downing Street, conseguir marginalizar
Livingstone, este apresentar-se-á ao eleitorado londrino como
candidato independente e ganhará a Câmara, contra Blair, para
uma política defensora dos interesses do povo. Especialmente no
campo dos transportes, Londres viveria uma revolução. Eis
aquilo que atemoriza Blair. O primeiro-ministro, na verdade, tem
trabalhado na sombra, todo sorrisos, todo bonitas maneiras, para
privatizar o Metropolitano