Amazónia
brasileira
sob ameaça de internacionalização
Por Socorro
Gomes
coordenadora do Movimento em Defesa da Amazónia no
Pará
Está em curso urna campanha sem precedentes para subtrair ao Brasil aproximadamente metade do território nacional: a Amazónia. Baseada em falsidades, tal campanha tem como elemento central o questionamento insidioso e por vezes a negação explícita da plena soberania brasileira sobre a Amazónia. A motivação geral dos seus protagonistas é a promoção de interesses dos potentados internacionais, económicos e geo-estratégicos, acobertados por um discurso supostamente preservacionista que tem o poder de cooptar para a corrente de um movimento anti-nacional certas correntes de opinião no interior do próprio país.
Fazendo limite com
sete países, a Amazónia brasileira detém 4 978 247 km2,
representando mais de 2/3 das fronteiras do Brasil; 4/5 de suas
florestas; l/5 das florestas tropicais da terra. As suas
entranhas guardam as maiores jazidas minerais do planeta, que
tornam o Brasil o maior produtor de ferro do mundo e o detentor
de 15% das reservas mundiais de bauxite, para além de imensas
reservas de tungsténio (90% das reservas brasileiras desse
mineral encontram-se na Amazónia), urânio, quartzo, nióbio,
titânio e outros minerais estratégicos. É uma das maiores,
senão a maior, província mineral do mundo.
Na actualidade, são
ponderáveis as opiniões segundo as quais a maior riqueza da
Amazónia é a sua diversidade genética, embora pouco mensurada.
Em um hectare de mata na Amazónia podem-se encontrar 500
espécies vegetais diferentes! Existem no mundo cerca de 50
milhões de espécies, das quais apenas cerca de 1,5 milhões
são conhecidas. Ocupando menos de 7% da superfície terrestre,
as florestas tropicais possuem metade das espécies do planeta. A
Amazónia é, portanto, além da maior província mineral do
planeta, a mais rica em diversidade genética. Detém 1/3 das
reservas florestais da Terra.
A bacia hidrográfica da Amazónia desafia a imaginação. Não
há nada parecido. É maior que a do Nilo, a do Congo, a do
Mississipi-Míssouri. A quinta parte de toda a água doce do
planeta está concentrada na Amazónia. Enquanto que no primeiro
mundo há escassez do precioso líquido, há na região o maior
volume de água «de beber» da face da terra. No território
amazónico estão concentrados os principais elementos essenciais
à vida na Terra.
Não é de hoje que esse «paraíso de recursos naturais» tem
provocado a cobiça das grandes potências.
As tentativas de assalto e domínio da região ocorreram em
outros momentos da vida brasileira. Já em meados do século
passado os Estados Unidos fizeram as primeiras investidas nesse
sentido. Desde então, era corrente a opinião dos círculos
governamentais daquele país de que a Amazónia, esse formidável
manancial de riquezas, era um espaço à espera das «raças
fortes e decididas» para a empresa da sua conquista científica
e económica, não podendo ficar «fechado à humanidade»(!)
Através dos tempos, tem sido essa a tese invocada para
justificar a cobiça dessa parte substancial do território
brasileiro. Os ambiciosos norte-americanos sempre cuidaram de
não mencionar às claras as suas pretensões, antes as
encobriram sob a capa dos «interesses dos demais membros da
grande família internacional», conforme refere o escritor,
estudioso da Amazónia e ex-governador do Estado do Amazonas,
Arthur César Ferreira Reis na sua preciosa obra «A Amazónia e
a Cobiça Internacional». Jornais norte-americanos veiculavam
artigos sobre as imensas fontes de riquezas nos trópicos, ao
mesmo tempo que falavam da «incapacidade dos brasileiros para a
operação do desenvolvimento da região». Esses argumentos
foram urdidos pela primeira vez em 1850. Século e meio depois
são repetidos com ares de novidade.
Ainda segundo Ferreira Reis, naquela altura a estratégia dos EUA
centrou-se na tentativa de obter a livre navegação no interior
da Amazónia. A opinião pública brasileira foi disputada pelos
abandeirados da «Amazónia para o mundo». O Congresso e o
governo dos Estados Unidos exerceram forte pressão sobre o
governo brasileiro, o que se expressou, por exemplo, no
relatório reservado do então embaixador do Brasil nos EUA,
Teixeira de Macedo, ao ministro brasileiro, aconselhando que o
Brasil entregasse ao mundo a navegação no interior da
Amazónia, mediante o «pagamento dos direitos de consumo» e um
contrato assinado, o qual, para maior «cautela», condicionasse
a livre navegação nos rios da Amazónia ao reconhecimento do
domínio exclusivo do Brasil sobre a região por cem anos. Se tal
acordo tivesse vingado, a Amazónia brasileira passaria para
outros donos a partir de 1950.
«Proteja a
Amazónia,
mate um brasileiro»
A campanha
actualmente orquestrada contra a plena soberania brasileira sobre
a Amazónia é feita principalmente pelos EUA e pelos demais
países do chamado grupo dos Sete Grandes, o G-7. Os argumentos
são os mesmos: defesa da humanidade, do bem comum, da ciência,
acrescidos do simpático discurso em defesa do meio ambiente. Há
muito se sabe que tanto em Miami como no Reino Unido circulam
carros com autocolantes com o slogan «defenda a floresta, queime
um brasileiro» ou, «proteja a Amazónia, mate um brasileiro»,
sem que o governo brasileiro tenha manifestado algum protesto
contra o que, sem sombra de dúvida, se assemelha a um estímulo,
um apelo ao genocídio dos brasileiros se uma eventualidade mais
grave se apresentar. Esta é a face mais tosca e primária da
corrente de opinião que vai sendo fabricada contra o Brasil e a
Amazónia. Os mentores de tal campanha são autoridades de
governos que defendem abertamente os seus interesses. Já na
década de oitenta, a ex-prinieira-ministra britânica, Margareth
Tatcher, exigia que os países em desenvolvimento vendessem tudo,
inclusive os seus territórios, para pagar a dívida externa. O
actual vice-presidente dos EUA, Al Gore, que se auto-intítula
ambientalista, vociferava em 1989 que «ao contrário do que os
brasileiros pensam, a Amazónia não é deles, é de todos
nós». A expressão todos, no caso, refere-se aos Estados
Unidos da América e aos seus aliados. No mesmo ano o presidente
francês, François Mitterand, «orientava»: «o Brasil precisa
aceitar uma soberania relativa sobre a Amazónia». Por sua vez,
o primeiro-ministro britânico, John Major, em 1992, por ocasião
da Conferência Mundial sobre Meio Ambiente, foi elucidativo
quanto às intenções das superpotências: « ... as campanhas
ecológicas internacionais sobre a Amazónia entram na fase
operativa que, obviamente, pode ensejar intervenções militares
directas na região».
A agressividade crescente nos discursos dos representantes dos
países do G-7 corresponde às mudanças ocorridas na
correlação de forças mundial, com a derrocada da URSS e a
decorrente destruição do poder de contenção que esta e os
demais países do Leste europeu representavam. Relaciona-se ainda
com a explicitação crescente da dependência em recursos
naturais das grandes potências, em especial os EUA. Um destacado
representante do pragmatismo norte-americano, o ex-secretário de
Estado Henry Kissinger, chamava a atenção do governo dos EUA em
1994 para o facto de que, segundo ele, os países
industrializados não manteriam seus impérios se não
controlassem as fontes de reservas de recursos naturais, e que
deveriam usar de pressão, coacção, diplomacia agressiva etc.,
para garantirem esse controlo. Não é por acaso que os EUA
estão à frente de todos os grandes projectos de pesquisas
científicas na região amazónica. E enquanto realizam tais
actividades, os norte-americanos tentam inocular nos brasileiros,
como já denunciava o senador Severo Gomes, de saudosa memória,
«o veneno da incapacidade industrial», «o sentimento de
sub-raça», contando para isso aqui e acolá com brasileiros a
soldo de tão sórdida «tarefa».
Ingerência
e prepotência
em nome do Ambiente
A defesa do
meio-ambiente, nobre causa que sensibiliza pessoas honradas e
bem-intencionadas em todo o mundo e corresponde a uma legítima
aspiração dos povos, tem sido sistematicamente utilizada como
pretexto para a adopção de um novo paradigma: a preservação
ambiental como valor absoluto e universal, objectivo supremo em
nome do qual podem ser apagadas as fronteiras nacionais. Tanto
amor ao meio ambiente não resistiu, porém, à votação do
Acordo Internacional sobre o Controlo da Emissão de Gases
Poluentes na Atmosfera, rejeitado pelo Congresso norte-americano,
em nome dos interesses das indústrias norte-americanas, mesmo
sendo os EUA o país que mais contribui para o aumento da
poluição no Planeta.
A dissertação de mestrado do pesquisador William Nazaré Gama,
do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazónia - INPA, é
ilustrativa do modo de intervenção dos países do G-7 nos
projectos de pesquisas científicas no país. O projecto
Dinâmica Biológica de Fragmentos Florestais - PDBFF (convénio
INPA/Smithsonian Institution - órgão de pesquisa do Congresso
norte-americano), que é o objecto de análise da dissertação,
tem origem numa expedição científica da ONG norte-americana
WWF para pesquisar o tamanho mínimo crítico de um ecossistema
amazónico de forma a não haver perda da biodiversidade
provocada pelos desmatamentos. Diz o pesquisador Nazaré Gama:
«as decisões sobre o desenvolvimento do projecto são tomadas
numa reunião anual realizada em Washington, onde a
participação brasileira é minoritária, além disso os
recursos financeiros são administrados directamente de
Washington». Tal constatação, feita pelo fórum de avaliação
dos convénios de cooperação internacional do Instituto de
Pesquisas da Amazónia - INPA, não deixa dúvidas quanto à
subordinação dos interesses brasileiros aos dos países
estrangeiros, sem controlo de saída do material científico, com
pouca ou nenhuma divulgação interna dos resultados, sem
qualquer proveito para o país. Isso comprova que para atingir
seus objectivos os países do G-7 contam com instrumentos
políticos e legais que lhes facilitam a concretização de seus
intentos. Segundo o ex-director do INI`A, José Seixas Lourenço,
havia uma incómoda situação de dependência. Os representantes
estrangeiros mais pareciam chefes que parceiros.
Tanta permissividade por parte dos que governam o país, e
portanto têm o dever inalienável de defender o património
nacional, tem sido um estímulo ao avanço e aprofundamento, das
acções cada vez mais agressivas no sentido de vulgarizar,
naturalizar a tese da soberania relativa do país sobre a
Amazónia. Com a arrogância semelhante à do Império Romano
quando próximo de sua decadência, os Estados Unidos têm
utilizado sua diplomacia agressiva e a subserviência das elites
locais para fazer valer sua vontade. Foi assim no caso Sivam,
quando conseguiram assumir a liderança do projecto. Assim tem
sido na pesquisa e lavra das grandes reservas de jazidas
minerais. Constata-se o mesmo fenómeno com a tomada da
direcção política e administrativa pelos países do G-7 do
Plano Piloto para Protecção das Florestas Tropicais, assumida
mercê de pressões diplomáticas e a concessão de migalhas
pecuniárias. Outro projecto que se insere na mesma lógica é o
que foi baptizado de «padrinhos da floresta», no Estado do
Pará, inventado, como os outros, em escritórios de empresas
norte americanas. Esse projecto consiste na concessão por trinta
anos de áreas florestais para pessoas físicas ou jurídicas
brasileiras ou estrangeiras, incluindo ao que tudo indica o
direito à pesquisa e ao registo de patente dos produtos nelas
obtidos. Recentemente, a execução de tal projecto foi um dos
temas da agenda do secretário de Planeamento do Estado e
comitiva na sua viagem aos Estados Unidos. Para efeito
propagandístico, o propósito transcende o aspecto económico,
por tratar-se de medidas para assegurar a «protecção das
florestas».
Da propaganda à ameaça militar
Se o alarde em tomo da «protecção florestal» é preocupante do ponto de vista dos interesses nacionais, é grave o silêncio, e suspeito, para não dizer criminoso, das autoridades e dos meios de comunicação em tomo da assinatura dos ajustes complementares para cooperação no projecto de pesquisas sobre a biosfera-atmosfera na Amazónia, que através da Agência Espacial Norte-Americana (NASA) já está em execução sem que o Congresso Nacional, os pesquisadores brasileiros, a Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência tenham opinado a respeito das possíveis consequências da primazia que terá a NASA sobre as informações adquiridas durante a pesquisa. Aliás, uma primazia obtida por concessão do governo brasileiro, que assim renuncia ao acesso aos dados originais, a não ser depois que os americanos fizerem as cópias. Esse acordo, cujas agências executoras serão o INPA e a NASA amolda-se ao figurino de tantos outros, com a particularidade de que agora é feito com o cérebro do programa espacial norte-americano e uma instituição nacional sucatada. Os objectos de pesquisa são de grande importância estratégica para o conhecimento da região. A pesquisa visa a obter respostas sobre os efeitos que as mudanças no uso da terra e as alterações climáticas terão sobre o funcionamento biológico, químico e físico da Amazónia, incluindo a sua sustentabilidade e a sua influência no clima global. Obter informações detalhadas, desnudar a Amazónia sempre foi um dos objectivos das potências ocidentais.
Tudo indica que a ofensiva estrangeira em direcção à Amazónia está ingressando numa nova fase, nesta época de hegemonismo norte-americano no mundo e de maior dependência do país no quadro da globalização neoliberal. Rapidamente, passa-se da propaganda para a tomada de posições políticas e a formulação de ameaças militares. Anuncia-se que o G-7 convidou o presidente Fernando Henrique para participar em Florença na próxima reunião desse fórum do imperialismo mundial. Sinal de prestígio do professor Cardoso, como gosta de ser chamado lá fora esse Silvério dos Reis redivivo, ou da pujança do Brasil no concerto das grandes nações? Ledo engano. O motivo é que na pauta de dita reunião estará a discussão de «parcerias relativas às florestas amazónicas, inclusive pesquisas científicas». Em português claro, a internacionalização dessa imensa região constitutiva do território nacional. No que se refere à ameaça militar, foi o chefe do órgão de informação do Exército norte-americano quem declarou: «caso o Brasil resolva fazer mau uso da Amazónia que prejudique o meio ambiente dos EUA, temos que estar prontos para intervir imediatamente». Vê-se, portanto, que as potências imperialistas preparam objectivamente uma intervenção «ambientalista».
Tais ameaças têm gerado inquietação e provocado até mesmo a mobilização das Forças Armadas brasileiras, numa legítima reacção que reflecte o sentimento nacional. O comandante militar da Amazónia, general de exército Luís Gonzaga Lessa, explicou que o Exército brasileiro aumentou em muito os efectivos na região «porque estamos percebendo que as ameaças estão se avolumando». Há poucos dias um exercício militar rotineiro transformou-se em treino de guerra no lado brasileiro da fronteira com a Colômbia. Em menos de 12 horas deslocaram-se para lá mais de 8000 soldados, numa demonstração de que as Forças Armadas brasileiras estão a preparar-se para qualquer eventualidade em que se configure um ataque de facto à integridade territorial brasileira.
Subestimar a avidez das potências internacionais que se traduzem nessas graves ameaças à soberania nacional e à própria integridade territorial do país é uma postura que as futuras gerações de brasileiros não nos vão perdoar. Se as elites dominantes e o próprio governo, de cedência em cedência entregaram na bacia das almas o património nacional, chegou a hora de fazer soar alto o alarme da consciência nacional. O Brasil só enfrentará tamanha ofensiva do imperialismo internacional se na sua defesa estiver empenhado o esforço cívico colectivo do seu povo. Uma nova corrente patriótica conjugada com o movimento político democrático e a luta pelo trabalho e pela existência poderá constituir a força capaz de defender a Amazónia como parte inalienável do território brasileiro e o país como nação soberana.