Dos Açores
Com
dor, amargura,
saudade e lucidez
No dia 11 de Dezembro último um dramático desastre de aviação trouxe
a estas ilhas , de forma inesperada e violenta, a mais aguda dor, a mais vincada amargura, a par de uma profunda saudade que a morte de muitos amigos, conhecidos e conterrâneos sempre provoca. Tratou-se de um dramáticoe violento desastre aéreo que é ainda mais dramático por se tratar de um aviãoda nossa SATA que transportava gente destas ilhas, vizinhos de todas as nossas portas, amigos velhos, conhecidos de sempre.
A queda do
«Graciosa» tocou no mais fundo de todos nós porque o
«Graciosa», o «Santa Maria» e o «Flores» são, quer
queiramos quer não, partes da nossa vida.
A queda do «Graciosa» sublinhou a insularidade em que vivemos e
a dependência que temos do transporte aéreo.
A queda do «Graciosa» certamente que abriu feridas profundas
que custarão a sarar, porque destruiu famílias, porque
empobreceu diversas comunidades, porque semeou o luto, mas este
triste acontecimento abriu também uma outra séria ferida na
medida em que trouxe para o topo das preocupações de toda a
nossa sociedade a questão da segurança no transporte aéreo.
Como acontece sempre que há rupturas, nada ficará como dantes.
Temos entretanto que ter um permanente e constante rigor na
avaliação desta questão. Falar hoje de segurança é uma
exigência que resulta da ruptura que se verificou, embora
vários dos segmentos deste assunto, nomeadamente no que toca a
aeroportos, muito provavelmente nada tiveram a ver com o acidente
do passado dia 11.
A SATA tem créditos como empresa com alto padrão de qualidade.
Temos que valorizar esse património sem qualquer dúvida, mas
temos também que saber defender essa qualidade de todas as
tendências que possam existir ou vir a existir para dar primazia
a actos economicistas de gestão.
A ANA, SA gere quatro aeroportos na Região e está a investir
fortemente na segurança e no conforto. A Região gere a aerogare
civil das Lajes e quatro aeródromos.
A diferença na operacionalidade entre os quatro aeroportos e os
quatro aeródromos é muitíssimo acentuada.
Não podemos deixar de trazer para a ordem do dia a reflexão
daquilo que há a fazer para melhorar muito a operação nos
aeródromos e melhorar ainda a capacidade operacional dos
aeroportos.
A NAV, EP, tem a seu cargo, com alto grau de eficiência, a
navegação aérea entre as ilhas do arquipélago, mas tal não
impede que se questione se há ou não necessidade de se melhorar
as ajudas rádio ou outro tipo de ajudas técnicas.
Ninguém duvida, também, da capacidade técnica e científica do
Instituto Nacional de Meteorologia, mas tal não nos pode impedir
de perguntar se o apoio meteorológico à navegação aérea
está a ser feito com todos os meios e recursos próprios de uma
previsão actualizada.
O comandante Mesquita, com quem tinha uma relação de boa
amizade há vinte anos, era, sem qualquer lugar para dúvida, um
excelente e muito experimentado piloto, mas não obstante isso
foi com ele que sucedeu este dramático acidente. Quero sublinhar
com esta referência que o facto da SATA ter excelentes pilotos
como efectivamente tem não resolve todos os
problemas de segurança que as linhas aéreas levantam.
No dia em que alinho estas opiniões simples estão a decorrer
ainda os funerais das 35 pessoas que perderam brutalmente a vida
neste acidente.
A amargura que me invade é, certamente, comum a muitos milhares
de açorianos. Sabemos que o desastre ocorreu, vemos os
destroços, estamos junto das urnas, partilhamos a dor das
famílias, sentimos uma ilimitada solidariedade para com todos os
que se empenharam na recolha dos corpos, mas apesar de tudo isso,
ainda não acreditamos que não voltamos a falar com o velho
amigo do Liceu que lá ficou, com aquele companheiro de luta
sereno e muito esclarecido com quem se aprendia sempre, com
aquela amiga de longa data, ou com aquele comissário de bordo
que era sempre impecavelmente simpático, ou ainda com aqueles
dois pilotos com quem voámos muitas horas ao longo de muitos
anos.
Esta dor, esta amargura e esta saudade que nos faz não querer
acreditar na brutalidade mortal do acidente, não pode entretanto
fazer apagar ou diminuir a lucidez que nos tem que acompanhar.
Todos desejamos que a Comissão de Inquérito faça um trabalho
meticuloso e rigoroso.
Todos desejamos que desse inquérito resultem recomendações
úteis e adequadas à nossa realidade.
Todos queremos que essas recomendações sejam prontamente
aceites e aplicadas.
A nossa condição insular exige que tudo se faça para que, do
sacrifício destas 35 vidas, possa resultar mais e melhor
segurança nas ligações aéreas.
Aos governos, às companhias aéreas, às entidades
aeronáuticas, aos serviços especializados cabe a pesadíssima
responsabilidade de criarem as condições essenciais para que a
confiança seja reposta.
Para que não haja mais dor inútil é necessário olhar para o
futuro sabendo colher com inteligência as lições do presente.
José Decq Mota