A arte de (des)informar



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Eleições russas. Ganham os amigos de Ieltsin» - dizia-nos o «Público» na primeira página da sua edição de 20.12. Lá dentro o inevitável Milhazes garantia-nos que o Kremlin tinha todas as «razões para festejar uma importante vitória». E «explicava»: os amigos da «família Ieltsin» obteriam o 2º lugar, logo a seguir ao «partido mais votado» que seria o Partido Comunista. Este critério de atribuir a vitória ao 2º classificado – riquíssimo pela carga de originalidade que comporta – viria a ser consideravelmente enriquecido no dia seguinte, por via do mesmo Milhazes. Dividindo os diversos partidos concorrentes às eleições em «vencedores» e «vencidos», o fogoso correspondente do «Público» em Moscovo, não hesitou em colocar o Partido Comunista da Federação da Rússia «no campo dos derrotados», «não obstante ter vencido nos círculos uninominais e proporcionais».

Aqui chegado perguntará o leitor: mas então o PCFR perdeu votos? Perdeu influência? Perdeu lugares na Duma?. E Milhazes, solícito, responde: não, não perdeu votos, nem perdeu influência e em relação a mandatos, podendo vir a perder alguns, pensa-se que poderá vir a obter entre 150 a 160 enquanto nas anteriores eleições obteve 157... Aliás, sempre segundo o correspondente do «Público», «o desaparecimento dos comunistas, que alguns previam após a dissolução da URSS, não se concretizou» e «oito anos depois» dessa dissolução, o PCFR conquistou «um quarto dos lugares na Duma». Com tudo isto quer Milhazes dizer que o PCFR, que já deveria ter desaparecido, não só não desapareceu como foi mesmo o partido mais votado e tamanha desobediência exige castigo da mesma dimensão. E toca de anunciar a vitória dos «amigos de Ieltsin» - classificados em segundo lugar – e a derrota do teimoso PCFR - classificado em primeiro lugar.

Mas Milhazes não é só isto. Seguindo uma outra linha de inteligenciação explicativa da «derrota do PCFR», diz ele que, «ao contrário das previsões, os comunistas não foram os grandes vencedores» - com isto querendo dizer que havendo quem pensasse que o PCFR teria um resultado mais elevado e tal não se tendo verificado... ora bem, aí está a «derrota» à vista de todos os milhazes do Planeta. Curiosamente, o versátil correspondente do «Público» em Moscovo segue o método inverso para avaliar a votação do partido fascista: num dia diz-nos que Jirinovski contava obter «uma votação de 15%»; no dia seguinte coloca o mesmo Jirinovski (a que pitorescamente chama «extravagante ultranacionalista») «no campo dos vencedores» pelo «facto de ter superado a barreira dos cinco por cento».

Como pode ver-se, Milhazes utiliza um método de análise de eficácia garantida: começando por definir as conclusões a que quer chegar engendra, depois, os argumentos necessários para demonstrar o que já concluíra e pronto, está a «informação» pronta a ser servida ao público - neste caso pelo «Público». E é nesta arte de (des)informar – apelidada, regra geral, de liberdade de informação – que se encontra a essência da permanente e persistente operação manipuladora característica da nova ordem comunicacional. — José Casanova


«Avante!» Nº 1360 - 23.Dezembro.1999