CRISE
& guerra


Quando se fizer um balanço deste último quinquénio , cremos que dois acontecimentos maiores avultarão para o desenvolvimento mundial. É certo que outros haverá também significativos, com lições a ter em conta pela luz que lançam sobre o passado e o porvir. Mas aqui referimo-nos, por um lado, à crise económica mundial que assolou o globo nestes últimos 3 anos, e que não está de modo algum "reabsorvida" ; e por outro lado à agressão à Jugoslávia, com tudo a que se lhe liga, e que vai muito além dos Balcãs, implicando o mundo inteiro. Complexos de acontecimentos que não só marcam o quinquénio como marcarão em vários planos o próximo futuro.

A crise económica de 1997-1999... ,aparentemente despoletada pela desvalorização da moeda da Tailândia em meados de 97 e desencadeando a mal chamada "crise asiática" , logo potenciada pelo colapso russo de Agosto de 98 e prolongada pela crise do Brasil e outros países da América Latina - englobou praticamente todas as regiões do mundo incluindo a Europa e os Estados Unidos, para não falar já de África, Médio Oriente e China. Por isso é justo adjectivá-la de "global", ainda que com tempos e modos diferenciados. Não podemos ainda dizer que findou. Não é só a Ásia do Sudeste e Japão que conhecem apenas um recomeço de recuperação, após uma "imensa destruição de riqueza" (Bussiness Week) e terríveis consequências sociais ( PNUD). Da recessão não se livrou também ainda a América Latina. A Europa parece começar uma retoma, mas irregular e reduzida. Os EUA , em que fortes repercussões exigiram medidas extremas (exemplo : o hedge fund LTCM) , continuam a bater recordes : de dívida externa, de endividamento das famílias, de défice comercial, de inflação bolsista, etc., pelo que o fim inevitável do tão badalado "boom" pode bem não ser nada soft . Nada de tudo isto pode ser entendido, em suas causas e consequências, ignorando uma real sobreprodução rastejante e por vezes explosiva, uma crescente dificuldade de realização da mais-valia, e a interligada hipertrofia financeira, cada vez mais especulativa e parasitária. Fala-se já de " crise da globalização neoliberal". Será. Mas de certeza, mais fundo, é crise do próprio modo de produção capitalista.

A agressão militar da NATO/EUA à Jugoslávia a pretexto do Kosovo é uma "enésima" confirmação da congénita agressividade imperialista. Mas o que há de novo é, neste final do século XX, o descarado salto qualitativo da Nova Ordem na subversão da ONU e do Direito Internacional e no diktat arbitrário do uso da guerra nas relações internacionais. Pondo assim em causa o próprio patamar superior universalmente estabelecido a que a Humanidade acedera após a grande matança da II Guerra Mundial, com a derrota do nazi - fascismo e o papel desempenhado pela URSS. Desaparecida esta, a Nova Ordem forceja por se impor pela desordem do direito e o arbítrio do poder militar. O agora reclamado "direito/dever de ingerência " por razões "humanitárias", ressuscita, a séculos de distância, as estafadas justificações ideológicas da conquista e rapina coloniais do globo. E no bojo desta subversão está o rasgar do caminho para o novo avanço em curso da militarização e da guerra. "Locais" ou "regionais" em todos os azimutes, para já. Mas no emaranhado dos interesses geoestratégicos e mercantis "globais" , não pode ser descartado que as rivalidades interimperialistas, uma vez mais, se sobreponham às convergências para despoletar nova hecatombe bélica, por sobre a hecatombe social que já aí está.

A história do capitalismo abunda na correlação entre crise económica e guerra, título desta crónica. Será bom estudar os seus múltiplos nexos . Não podem os povos, os trabalhadores, as forças de esquerda, minimizar os perigos. Luta pela paz e luta pelo progresso social estão na ordem do dia e é hoje muita vasta a frente dos vitalmente interessados : a enorme maioria da Humanidade. Cabe-nos, com lucidez na análise e amplitude na mobilização, agir mais e mais, resistindo e congregando, para vencer a batalha da paz , da vida, do progresso. — Carlos Aboim Inglez


«Avante!» Nº 1360 - 23.Dezembro.1999