Serviços de Informações
Tréguas
e «pacto de regime»



A recente eleição do Conselho de Fiscalização dos Serviços de Informações, por acordo entre PS e PSD, releva um «pacto de regime» e de partilha do poder, envolvendo o «bloco central» e as suas clientelas na «comunidade de informações», mas surge igualmente como uma breve trégua na guerra pelo respectivo controlo. Em todo o caso, tal qual está o sistema de informações, nada há a esperar de particularmente positivo.
Numa matéria onde, no plano conceptual, PS e PSD estiveram quase sempre em sintonia, como é o sistema de informações, que aliás conceberam juntos desde a primeira hora, seria de esperar que a eleição por mútuo acordo do Conselho de Fiscalização fosse um episódio de circunstância do «pacto de regime» que os obriga quanto às políticas essenciais, com as limitações inerentes e recorrentes da dogmática neoliberal.
Mas, sendo isto verdade, também acontece que de tal forma se extremaram interesses e clientelas em áreas e aspectos diversos desta «matéria», que mais parece estarmos perante uma brevíssima trégua na mais longa e cruenta das guerras de poder entre PS e PSD.
Mesmo no que respeita ao Conselho de Fiscalização, não é líquido que a recente eleição tenha resolvido o problema.
Desde 1994, quando o despudor do SIS «cavaquista» e a luta do PCP contra as ilegalidades e a ineficácia da fiscalização levou o PS a «tirar-lhe o tapete», até à recente eleição do Conselho, passaram mais de cinco anos em que, na prática, o sistema não foi fiscalizado.
No início deste ano, a proximidade de eleições, a denúncia do inaceitável vazio e a acção do PCP para resolver o «impasse», obrigaram à sua eleição, mas não tardou coisa nenhuma até que o escândalo da «Moderna» engolisse o Conselho.
Agora, é o Presidente recém eleito pelo Parlamento para fiscalizar o sistema dependente do Governo, que assume, como principal qualificação, a confiança do Ministro que tutela o mais importante dos serviços.
E é a confirmação de que um dos membros do Conselho, uma juíza proposta pelo PSD para funções estranhas à judicatura e aos Tribunais, entra em conflito com a independência da magistratura, tanto mais que tem a cargo o processo do ex-Director da Judiciária, demitido na sequência do «caso Universidade Moderna/Casa do Sino».
Isto é, estamos perante graves fragilidades que põem em causa a imparcialidade e eficácia democrática do Conselho e que, face à intervenção dos inimigos jurados da fiscalização, podem, em qualquer momento, fazer implodir este órgão. Sabe-se lá se por mais uns poucos anos.
Quanto aos aparelhos de informações, Guterres decidiu já em 1995 seguir Sun Tzu, para quem «a culminância na arte da guerra está em vencer o inimigo sem o combater»; isto é, o PS optou por não romper os equilíbrios pré-existentes e pela paulatina substituição de quadros em seu proveito.
No caso do Serviço de Informações de Segurança (SIS) este objectivo foi parcialmente alcançado e houve melhorias procedimentais, mas o facto é que o SIS apareceu envolvido no eclodir do escândalo da Moderna, de forma nebulosa e que cheira a manipulação do PS, e que nem a bondade do resultado – a implosão da «nova AD» – pode justificar. Aliás, com o boicote ao inquérito parlamentar respectivo, o PS admitiu tacitamente a sua culpa a este respeito.
Desta forma, o SIS não terá a estabilidade de que carece para se configurar com o Estado de direito e há indícios de que, também neste Serviço, o «pacto de regime» pode não travar a luta pelo poder.
No caso do Serviço de Informações Estratégicas de Defesa e Militares (SIEDM) falhou a táctica PS e o ex-Director levou com ele na demissão o Ministro Veiga Simão, tudo envolto numa espiral de golpadas e conspirações em que valeu até a revelação de segredos de Estado - nomes de agentes e operações e ligações internacionais do SIEDM.
A situação, neste caso, é particularmente grave e imprevisível, com o «Independente» a publicar, com um cinismo criminoso, nomes e factos que põem em causa os interesses do país e que visam, tão só, a destruição do SIEDM e em que as mais retrógradas conexões militares da direita mandaram às malvas tréguas e «pactos de regime» e reassumiram o revelho objectivo de um único serviço de informações.
Assim se comprova que, também nesta matéria, não são os acordos PS/PSD que asseguram estabilidade e progresso democrático, mas antes um novo e radical empenho no cumprimento da Constituição e da Lei, na defesa dos interesses nacionais e no respeito pelos direitos, liberdades e garantias dos cidadãos, prevenindo ilicitudes e assegurando o efectivo controlo democrático e plural do sistema de informações. —Carlos Gonçalves


«Avante!» Nº 1360 - 23.Dezembro.1999