Um testemunho israelita
As entrevistas que Diana Andringa,
acompanhada ou não por Carlos Santos Pereira, tem feito na TV 2
(que, decerto, é o único canal onde lhe é permitido inserir
programas verdadeiramente importantes e úteis da área da
Informação) talvez constituíssem, se eventualmente reunidas,
uma espécie de antologia do modo de utilizar a televisão para
efectivo esclarecimento de temas fulcrais do nosso tempo. A
última emissão deste significativo esforço, aliás irregular
no tempo e condicionado pelas oportunidades de momento, foi a
entrevista feita a Elihu Katz, que foi director da televisão
israelita. Como não se trata de ninguém altamente suspeito de
convicções comunistas ou quaisquer ideias subversivas, como se
dizia dantes, as suas palavras têm um peso e uma provável
credibilidade que não teriam se fossem minhas, para não irmos
mais longe.
Aliás, por minha parte nunca me atreveria a ir tão longe nestes
tempos que vão correndo, porque ninguém gosta de correr o risco
de ser linchado, mesmo que não o seja fisicamente. Calcule-se
que Katz tem a coragem de defender a já mais que obsoleta e de
qualquer modo irrecuperável existência de um único canal de
TV, ou pelo menos que a TV existente seja apenas uma televisão
pública. Quanto ao primeiro ponto, sustenta que a multiplicidade
gera o desinteresse e que, quando um televisor puder sintonizar
cem ou mais canais, a televisão deixa de o ser, ou pelo menos
abandona a sua vocação primeira, e passa a ser uma loja de
vídeos. Quanto à sempre afirmada superioridade da existência
de canais privados para que a TVdisponível seja mais
independente e isenta, exprime a convicção de que as
televisões públicas são mais independentes (sublinhando
contudo que só no caso da sua gestão ser efectivamente
democrática), pois as estações privadas não apenas dependem
directamente do poder económico/empresarial como se coíbem de
agressividades porque, como ele próprio disse, «não querem
problemas» que lhes prejudiquem o negócio.
Um depoimento
para guardar
À questão de
saber-se se, então, o advento das televisões privadas não
corresponde a nenhum ganho, Elihu Katz responde que sim senhores,
corresponde: trazem mais entretenimento e mais actividade
comercial. Em contrapartida, enfraquecem o interesse pela
actividade política e, diz ele, que em consequência de a
personalizarem. Se bem o entendi. Katz quer dizer com isto que a
política, para ser interessante, há-de ser construída com
ideias e projectos, não com a imagem de sujeitos charmosos e
supostamente carismáticos. Para mais, o antigo director da TV de
Israel, e não da URSS ou de qualquer Estado do defunto
«socialismo do Leste», abrenúncio, sublinhou que as privadas,
na sua avidez de arrebanharem públicos, não apenas cultivam o
sensacionalismo que desvia as atenções do fundamental para o
anedótico como também se aplicam à divulgação «leviana de
boatos e notícias não confirmadas». Por uma boa razão, de
resto:porque disso é que o público gosta, o público é o seu
cliente e «o cliente tem sempre razão», que é princípio
básico da vida comercial. Mas acrescenta uma frase que pode
fazer os rangéis estrebuchar de indignação perante tão
jurássica lucidez: «Se dermos ao público o que ele quer,
estamos a entregá-lo à lógica da concorrência». E a lógica
da concorrência sabemos nós qual é, nas TV's como em outros
ramos de comércio: o que é bom é o que vende bem e dá lucro,
não o que é útil para o público e o ajuda a viver.
Ao longo de toda a entrevista, Elihu Katz exprimiu opiniões que,
por cá, têm sido sustentadas pela generalidade da crítica de
TV, ainda que com maiores cautelas porque contra ela está sempre
engatilhada, pronta a disparar, a acusação de marxizante e
vetusta. Também a de que, embora escrevendo sobre TV e
reflectindo sobre ela por vezes há dezenas de anos, não percebe
nada de TV porque nunca andou a meter o nariz nos estúdios. Como
bem se compreende, pelo menos esta última acusação
dificilmente pode ser lançada contra Elihu Katz, e a de ser
comunista também não (quanto a ser marxizante é outra
conversa, pois lembro-me de ouvir a insuspeitíssima Maria de
Lurdes Pintasilgo dizer que hoje todos têm alguma coisa do
marxismo). Compreender-se-á que o testemunho credenciado de
Katz, mesmo que decerto ignorado pelos que hoje gerem a TV
portuguesa e os que ganham com o seu actual estado, tenha sido
grato de ouvir pelos que há anos repetem inutilmente verdades
fundamentais. E que convém guardá-lo em lugar acessível da
memória porque, um dia destes, de súbito, pode ser oportuno
levá-lo em conta.