Milhões de contos para a agricultura
Muita parra para pouca uva



«Quem mais e melhor trabalha, a agricultura familiar, recebe os tostões orçamentais; os grandes proprietários absentistas, a grande agro-indústria intensiva (e a Banca) recebem os milhões...» - esta é, em linhas gerais, uma primeira apreciação da Confederação nacional da Agricultura - CNA, à chuvada de milhões de contos anunciada pelo Ministério da Agricultura para o sector agrícola.

Em comunicado de imprensa, a CNA começa por considerar que os valores anunciados, podendo embora impressionar a opinião pública, não permitem alimentar grandes expectativas. Antes do mais porque «a agricultura continua em crise e sujeita a um contexto muito difícil, com sucessivas baixas de preços, com falta de escoamento dos produtos, com a invasão de importações desnecessárias e sem controlo eficaz, com as más perspectivas do alargamento da União Europeia a outros países, com mais ameaças em resultado das (re)negociações da OMC, Organização Mundial do Comércio».
Uma das criticas de fundo da CNA aos anunciados milhões para a agricultura reside na «grande e enganadora mistura de programas e de intenções».
Assim, e em relação às ajudas directas ao rendimento, quase 50% do total são verbas exclusivamente dos orçamentos da União Europeia. Este tipo de ajudas foi estabelecido, desde 1992 para compensar os agricultores pela perda de rendimentos motivava pelas grandes baixas nos preços, à produção, impostas pela Política Agrícola Comum - PAC e que, em média, cobrem apenas 60% da baixa dos preços agrícolas.
Também as verbas em princípio disponíveis para o novo Plano Operacional Agricultura e Desenvolvimento Rural, resultam de uma mistura de diferentes programas e passam a exigir co-financiamento dos agricultores a cerca de 50% (contra os anteriores 35%, em média).
A mistura abarca ainda outras verbas, nomeadamente as do próximo Leader e até dos apoios à política das pescas.


Um sistema de distribuição
extremamente injusto

A profunda injustiça na distribuição dos dinheiros públicos destinados à agricultura, é outra crítica de fundo da CNA à política implementada nesta área pelo governo.
Até hoje, 90% desses dinheiros «foram parar ao bolso de menos de 10% dos maiores agricultores, proprietários da grande agro-indústria e da Banca».
Das verbas anuais destinadas às ajudas directas ao rendimento apenas 1% de grandes agricultores recebe mais de 40% (42 milhões de contos), enquanto que as 266 842 explorações familiares recebem, em média e por ano, apenas 103 contos cada.
Uma questão a que agora se somam as defraudadas expectativas em relação à modulação das ajudas.
O ministro da Agricultura anunciou finalmente a intenção de aplicar fórmulas de modulação (redução progressiva, por escalões) das ajudas directas ao rendimento dos maiores beneficiários. Um mecanismo que, nosso país, permitiria uma poupança de cerca de 8 milhões por ano, que poderiam reverter para os programas específicos do Desenvolvimento Rural. Serão entretanto bem mais limitados os ganhos, pois o governo decidiu só aplicar a modulação nas ajudas directas acima dos 10 mil contos. Valores que ultrapassam, por exemplo, os aplicados em França, em que as reduções neste tipo de subsídios começam a partir dos 7 600 contos/ano e por agricultor.


Medidas positivas versus
medidas negativas

A CNA regista, apesar de tudo, algumas melhorias. Por exemplo, «o (eventual) aumento de subsídio à primeira instalação de jovens agricultores, o tratamento diferenciado (simplificação / majoração) ao investimento nas explorações familiares, o aumento das verbas para a floresta (esperemos que principalmente para a floresta não-industrial...); há a criação dos Planos Operacionais Regionais com a respectiva decisão mais próxima dos interessados e com a participação das organizações da lavoura».
Outras medidas surgem, entretanto, ao arrepio das de sentido positivo. É o caso da diminuição geral do apoio público para os projectos de investimento, que passam de uma média de co-financiamento público de 65% para 50%. Por outro lado, algumas medidas agro-ambientais ficam outra vez sem tecto máximo elegível, estando ainda previsto um prémio extra para a pecuária sobre-extensiva. O que, na prática, significa mais dinheiro para as grandes explorações.
Face a estas perspectivas, e sendo «provável que a situação geral de profunda injustiça na distribuição dos subsídios não venha a ser significativamente alterada», a CNA alerta para a necessidade de «um permanente esforço de esclarecimento e mobilização dos agricultores e agricultoras para se tentar abrir outros caminhos».


«Avante!» Nº 1363 - 13.Janeiro.2000