Argentina
Oficiais
detidos por rapto de crianças
Nove sub-oficiais da Marinha argentina foram detidos
na noite de sexta-feira, no bairro da base naval de Mar del
Plata, por alegada participação no rapto de filhos de presos
políticos e desaparecidos, durante a ditadura militar que durou
entre 1976 e 1983. Este é o único crime cometido neste período
que não prescreve, visto não ter sido incluído nas leis de
Obediência Devida e Ponto Final nem na amnistia decretada por
Carlos Menem.
Os sub-oficiais (categoria entre sargento e oficial) são ainda
acusados de apropriação e troca de identidades de quase uma
centena de crianças. Todos eles têm filhos nascidos entre 1976
e 1980 e, segundo a associação Avós da Praça de Maio, as
esposas de vários suboficiais navais tiveram filhos em
circunstâncias estranhas.
«Em muitos casos há registos de partos em casas particulares,
apesar de terem à disposição clínicas na zona. Em outros não
existe documentação médica prévia em relação à suposta
gravida», afirmou Estela Carloto, presidente da organização.
Para as Mães da Praça de Maio estas detenções constituem «um
passo em frente na justiça». «Nunca foi permitido a estas
crianças conhecer a sua verdadeira origem», afirma Andrea
Benítez, que considera que «não podemos cobrir este assunto
com um silêncio de esquecimento, porque os criminosos devem
pagar por o que fizeram».
«Trata-se de crimes contra a humanidade, delitos que não
prescrevem, pelo que os seus autores devem ir para a prisão»,
acrescenta. «A justiça deve ser um valor natural e não um
objectivo pelo qual há sempre que lutar, com o sofrimento das
pessoas.»
Testemunhos
O diário argentino
«Página 12» publicou, na sua edição de domingo, o relato de
alguns testemunhos recolhidos pela justiça na investigação do
caso, a maioria de vizinhos dos detidos.
Um deles identifica um oficial que tinha «a ilusão de que lhe
tinham dado um menino branco, mas tentaram dar-lhe um que era
meio negrito». «Como não quis o bebé, fê-lo desaparecer.
Isto fez-se bastantes vezes. As únicas crianças que lhes
importavam eram os recém nascidos e se eram brancos. Os mais
velhos eram sempre postos de lado», acrescentou.
«Matavam as mães e distribuíam os bebés a casais ligados à
marinha. Todos sabíamos que a esposa de Policarpo Vásquez
(sub-oficial detido em Março) saía de casa simulando estar
grávida com uma almofada na barriga», afirma uma das
testemunhas.
«Recordo que a esposa de Díaz (outro sub-oficial) me disse:
"O meu marido não me deixou chorar o bebé que perdi,
porque logo a seguir trouxe-me uma menina de não sei
quem."», afirma outra.
Esta realidade, conhecida segundo as testemunhas em toda a base,
foi tornada pública em 1985. Outra testemunha fala de um
enfermeiro que «anestesiava os detidos e logo eram atirados ao
mar».
Um dos militares detidos confirmou as acusações. «O que as
testemunhas dizem é verdade. A quantidade de bebés que foram
apropriada na Base Naval supera os dez», declarou o sub-oficial
Pedro Munõz.
«Quando chegava uma rapariga grávida teciam uma história sobre
ela. Diziam que era uma subversiva muito perigosa, que tinha
morto um comissário, que era uma guerrilheira importante. Com
este argumento, isolavam-na e ninguém se podia aproximar. Faziam
tudo isto, porque queriam ficar com o bebé», conta Munõz.
O sub-oficial confirma a preferência de crianças brancas e diz
que os de pele escura passavam a engrossar a lista de
desaparecidos. «É verdade, quase tudo é verdade. É verdade o
roubo de bebés e também é verdade que os enfermeiros
injectavam os detidos para os atirarem ao mar», afirma.