A explosão da precariedade
provocada pela globalização neoliberal

Por Eugénio Rosa


No artigo anterior, partindo da empresa, procurámos explicar como a lógica actual de funcionamento do sistema capitalista, utilizando os seus instrumentos preferenciais (as empresas globais e as empresas multinacionais), geram de uma forma inevitável a precariedade, e, como consequência, tudo aquilo a que ela está naturalmente associada: a exclusão social crescente, o agravamento das desigualdades e na repartição da riqueza, o sentimento generalizado de insegurança, a atomização crescente da sociedade, o salve-se quem puder, etc.. Assim, a precariedade, o trabalho informal, etc., tornam-se um dos instrumentos privilegiados que o capitalismo utiliza, no momento actual, para maximizar a taxa de lucro.

Neste artigo, utilizando a linguagem fria dos números, muito deles oficiais, procuraremos mostrar que essa explosão de precariedade e do trabalho informal está a atingir tanto os países subdesenvolvidos ou da periferia, com também os países desenvolvidos ou do centro.

Dois exemplos apenas: o caso do Brasil e da Argentina.
De acordo com Gilberto Dupas (Economia Global e Exclusão Social), no Brasil, entre 1991 e 1997, o número dos trabalhadores sem qualquer contrato cresceu 27%, enquanto o número dos com contrato diminuiu 28% durante o mesmo período. Igualmente verificou-se um grande aumento na chamada categoria «conta própria». Como resultado desta explosão da precariedade, em 1998 o chamado sector informal representava já 54% da mão de obra metropolitana brasileira.

Na Argentina, a partir de 1976 existem inúmeras formas contratuais que legalizam a precariedade (contratos de conjuntura, contratos de temporada, contratos eventuais, contratos de lançamento de uma nova actividade, etc., etc.). Como consequência, em 1997, cerca de 55% da população estava na situação de subocupação ou de sobreocupação).

De acordo com a própria OIT, na «América Latina, o chamado sector informal já atinge cerca de 40% a 70% do mercado de trabalho. Sua taxa de crescimento anual tem sido superior a 4%, contra apenas 1% do sector formal. A característica do sector informal é a de trabalhadores isolados, muitas vezes inventando o seu próprio trabalho» (Gilberto Dupas, pág. 58), sem horário de trabalho e sem quaisquer direitos.

Explosão da precariedade
nos países desenvolvidos

Mas não é apenas nos chamados países da periferia que se verifica uma explosão da precariedade com nefastas consequências sociais. Nos próprios países desenvolvidos o aumento da precariedade e do trabalho informal é um fenómeno cada vez mais grave e mais generalizado atingindo sectores cada vez mais amplos da população.
Na União Europeia, segundo o relatório «O Emprego na Europa em 1999» da Comissão Europeia, em 1998, o emprego a tempo parcial atingia já 17,4% da população em idade de trabalhar; os chamados independentes representavam 14,7% do emprego total, e os com contratos a prazo 12,8%. Portanto, em 1998, dos 151 milhões cidadãos da U.E. empregados, 88 milhões, ou seja 58%, tinham um emprego a tempo parcial, ou estavam contratados a prazo, ou eram independentes. No mesmo ano, a taxa de desemprego na U.E. atingia os 10%, sendo 4,9%, ou seja praticamente metade, desemprego de longa duração. Portanto, aos 88 milhões anteriormente referidos, haveria ainda que juntar quase 17 milhões de desempregados, o que significa que a precariedade e a exclusão social atinge valores impressionantes na própria União Europeia.
Nos Estados Unidos, segundo os dados disponíveis no livro «A armadilha da globalização», se se somar o número oficial de desempregados (sete milhões em 1995), mais os chamados desencorajados (os que desistiram de procurar emprego depois de muito o fazerem, e que eram seis milhões), mais os que trabalhavam em part-time (4,5 milhões), mais os com emprego temporário (10,5 milhões), mais os independentes (cerca 8,3 milhões), obtém-se 36 milhões de trabalhadores que estavam na situação ou de desemprego, ou tinham trabalho a tempo parcial, ou estavam contratados a prazo, ou eram independentes. Para além disso, de acordo com um estudo da OIT, um quinto de todos os empregados trabalha com uma remuneração inferior ao limiar da pobreza, os chamados «working poors».


Em Portugal a precarieadde cresce vertiginosamente

Em Portugal, de acordo com o I.N.E., entre o 2º Trimestre de 1992 e o 2º Trimestre de 1999, os assalariados com contrato permanente aumentaram apenas 0,6%, enquanto o número de contratados a prazo cresceu 16,8%, e o número dos chamados independentes aumentou em 19,1%. No 2º Trimestre de 1999, os contratados a prazo, os independentes, os trabalhadores a tempo parcial (menos de 25 horas de trabalho por semana) e os desempregados representavam cerca de 56% da população activa portuguesa.
Por outro lado, se analisarmos a estrutura do desemprego em Portugal identificamos fenómenos extremamente preocupantes. Em Novembro de 1999, estavam inscritos 344.751 desempregados nos Centro de Emprego do IEFP. E sabe-se que muitos portugueses desempregados, por não terem qualquer beneficio em estarem inscritos, não o fazem. Daquele total, 153.257, ou seja 44,5%, já estavam desempregados há mais de um ano. Por outro lado, 221.466, ou seja 64,2%, tinham o ensino básico ou menos. Reduzida escolaridade, desemprego prolongado, idade avançada , é o caminho rápido para uma crescente exclusão social.

O crescimento da desigualdade na UE

O aumento das desigualdades na repartição da riqueza, não se verifica apenas entre países desenvolvidos e subdesenvolvidos, entre os chamados países do centro e de periferia. É um facto que a desigualdade se tem acentuado vertiginosamente entre os países desenvolvidos e os países subdesenvolvidos, ou da periferia.
Mas nos próprios países desenvolvidos, o crescimento rápido da precariedade do emprego está associada a um agravamento contínuo na repartição da riqueza, em claro prejuízo dos trabalhadores. Por exemplo, nos países da União Europeia, de acordo com os dados do Eurostat, entre 1992 e 1996, o peso das remunerações dos assalariados no Produto Interno Bruto, a preços de mercado (PIBpm) teve a seguinte evolução: na Bélgica passou de 55% para 51,2%; na Alemanha de 57,1% para 54,1%; no Reino Unido de 57,4% para 54,5%; na Itália de 45,2% para 41,1%; na Irlanda de 51,3% para 44,4%. Por outro lado, e como contrapartida, o peso dos lucros cresceu.
Assim, se tomarmos em conjunto toda a União Europeia, a média que as remunerações dos assalariados representam do PIBpm desceu na Comunidade, entre 1992 e 1996, de 52,6% para 51%, enquanto o excedente líquido de exploração, constituído fundamentalmente por lucros, aumentou de 24% para 25,5%.
Em Portugal, durante o mesmo período, o agravamento na repartição da riqueza foi muito maior, pois o peso das remunerações no PIBpm diminuiu de 48,6% para apenas 42,7%, enquanto o excedente líquido de exploração, ou seja, os lucros, cresceram de 36,5% para 39,9% do PIBpm.
Mas esta repartição primária da riqueza é significativamente agravada em Portugal pela redistribuição realizada pela política fiscal. Basta dizer que em 1996, de acordo com dados fornecidos pelo governo à Assembleia da República, 86% dos rendimentos declarados para efeitos de IRS eram de trabalhadores ou de reformados, enquanto os rendimentos comerciais, industriais, prediais, mais valias recebidas por pessoas singulares representaram apenas 8,8% dos rendimentos declarados. Quem declara muito menos rendimentos, naturalmente paga também muitos menos impostos.
E é significativo e ao mesmo tempo esclarecedor, sob o ponto de vista de interesses de classe que o actual governo defende, que ele se recuse a lançar um imposto sobre a riqueza mobiliária e imobiliária, que anuncie desagravamentos significativos na já reduzida carga fiscal paga pelas empresas (os órgãos de comunicação falam em reduções na taxa do IRC que podem atingir os 9 pontos, o que significa uma descida superior a 26%), e que se prepare para fazer pequenas e insuficientes reduções nos impostos que incidem sobre os trabalhadores, não alterando em nada significativo a gravíssima injustiça fiscal existente no País.

Algumas reflexões finais

Para maximizar a taxa de lucro, as empresas globais e multinacionais fragmentam não só a cadeia de valor, não apenas o processo de produção, mas também o próprio produto, produzindo as diferentes componentes em países diferentes, aproveitando ao máximo as vantagens comparativas de cada um deles, nomeadamente baixos salários, apoios e isenções governamentais, etc.. Nesta estratégia cada vez mais global, não só em termos de mercados mas também de produção, aquelas empresas procuram tornar todos os custos variáveis e flexíveis, incluindo os custos com investimentos e com a mão de obra. E para isso recorrem cada vez mais a subcontratações, o franchising, o trabalho em rede, etc., etc.. A precariedade de emprego, o emprego flexível, o trabalho informal, o trabalho sem horário e sem direitos, etc., está cada vez mais associado à lógica actual do modo de funcionamento do sistema capitalista, tornando-se o seu instrumento por excelência para maximizar a taxa de lucro e para aumentar o domínio e a exploração. Como contrariar esta lógica infernal de exploração, de precariedade e de insegurança crescente gerada pelo modo actual de funcionamento do sistema capitalista? Eis uma questão fundamental que deixaremos para um próximo artigo.


«Avante!» Nº 1363 - 13.Janeiro.2000