Elián no «país da liberdade»


O «Serviço de Naturalização e Imigração» (INS) dos EUA decidiu, há dias, reenviar para Cuba, em 14 de Janeiro, Elián Gonzalez – o garoto cubano sequestrado há semanas naquele país. «Os anticastristas de Miami ameaçaram incendiar a cidade» se a decisão fosse cumprida. No dia seguinte, na sequência de uma manobra baixa na qual desempenhou papel importante um fascistóide chamado Dan Burton – que é um dos autores da criminosa lei Helms-Burton – o Congresso dos EUA intimou o pequeno Elián – que, recorde-se, tem seis anos de idade – a comparecer no dia 10 de Fevereiro perante a Comissão Parlamentar, assim anulando a decisão do INS na medida em que, segundo a lei, nos EUA quem receber uma intimação do Congresso fica proibido de sair do país seja a que pretexto for. Tudo isto poderá provocar no pequeno Elián feridas psicológicas irremediáveis. Mas esse é um problema que não preocupa nem os mafiosos de Miami nem o governo dos EUA – país onde nem um garoto de seis anos escapa ao «bombardeamento humanitário» característico do conceito de «direitos humanos» que ali vigora.

É sintomático que um constitucionalista norte americano tenha sugerido aos advogados que defendem a continuação de Elián nos EUA que «transformem esta batalha (...) num caso humanitário». O referido constitucionalista revela, assim, um profundo conhecimento do significado real da palavra «humanitário» nos EUA... É igualmente sintomático, porque elucidativo de um aspecto específico do «modo de vida norte americano», que o pai do pequeno Elián tenha sido contactado, por telefone, pela mafia de Miami, que lhe prometeu 2 milhões de dólares caso ele se deslocasse a Miami e ali ficasse a residir com o filho, trocando o «inferno de Cuba» pelo «paraíso dos EUA»... Aliás, e como não se cansam de repetir os sequestradores, o seu objectivo é intrinsecamente «humanitário»: eles só querem que Elián «cresça num país livre» (por isso o prendem...) e onde «disporá de todas as condições para estudar, ter emprego, assistência médica» (condições que «em Cuba não existem»).

Exemplos dessa «liberdade» e dessas «condições» podem ser constatados, resumidamente, nestes dados oriundos de insuspeitas instituições: enquanto Cuba se encontra entre os 20 países do mundo com menor taxa de mortalidade infantil (6,4 por cada mil nascimentos), os EUA ocupam a 25ª posição com 7,2, com a particularidade de essa taxa atingir os 14,1 entre a comunidade negra. Por outro lado, o número de crianças norte americanas que vivem na pobreza e sem assistência médica ascende a 15 milhões. Mais: em 79% dos lares de imigrantes há insuficiências alimentares e em 8,5% há fome. Quanto ao consumo de drogas, diz quem sabe que nos EUA «estamos conscientes de que há um nível inaceitável de abuso de drogas, particularmente entre as nossas crianças». E no que respeita à violência, nesse país modelo onde circulam mais de 200 milhões de armas de diferentes calibres, em cada 24 horas 13 crianças são mortas a tiro.

Uma questão há, no entanto, em relação à qual toda a gente está de acordo: se Elián não fosse cubano – e fosse, por exemplo, mexicano ou haitiano – 48 horas depois de ter entrado nos EUA teria sido expulso e reenviado para o seu país. O que demonstra o carácter político do sequestro e a sua inserção na constante acção provocatória dos EUA contra Cuba e a sua Revolução. — José Casanova


«Avante!» Nº 1363 - 13.Janeiro.2000