Uma morte exagerada


Quem sabe se vítima de algum «bug» cerebral, o director do «Expresso» estreou-se no novo ano com um texto inenarrável onde, para além de explorar a sempre rendosa demagogia contra o «Parlamento» e os «deputados», avança expedito para a audaciosa conclusão de que «o Parlamento morreu», que «já não basta mudar o Parlamento que existe» e que «é necessário fechá-lo para dar lugar a outra instituição diferente, assente no mesmo conceito de controlo do poder executivo, mas concebida em termos novos e originais».
A este respeito, e repetindo propositadamente o que já aqui escrevemos noutra ocasião, é necessário insistir que os autores de diatribes contra «a Assembleia» ou «os deputados» escrevem e falam sempre, não apenas no pressuposto do sucesso fácil, mas sobretudo na certeza da dificuldade de alguém poder fazer a «defesa» total da «Assembleia», isto é de todas as suas características de funcionamento ou decisões, ou dos «deputados», isto é, de todos os deputados.
E isto porque gostam muito de esquecer que a Assembleia da República, para além da distintiva natureza das suas funções, é o único órgão de soberania de composição plural, pelo que, em geral, o seu pior e o seu melhor se ficam a dever, não tanto à instituição em si, mas às maiorias que nela se formam e às forças políticas que nela intervêm, o que conduz a que não possa ser avaliado pelos mesmos critérios com que se avalia a acção do Governo ou do Presidente da República.

A nós não nos passa pela cabeça ignorar quanto deva ser feito para melhorar, dignificar e prestigiar a função e a actividade da Assembleia da República e dos deputados em geral e muito menos ignorar atitudes, estilos, fenómenos e opções na esfera do Parlamento de que temos sido dos mais firmes e consequentes críticos. Mas não estamos dispostos a dar um tostão que seja para o peditório das generalizações cobardes (que são aliás uma forma de cumplicidade com o que alegadamente se critica), da demagogia rasteira e populista e deste supremo cinismo das sentenças pretensamente moralizadoras dos que, nos «media» que dirigem, sempre trocam a notícia do trabalho consistente e das importantes matérias discutidas e votadas por uma boa intriga nos corredores de S.Bento ou por uma apimentado conflito verbal em plenário.

E, por isso, continuamos e desafiar os grandes acusadores do «Parlamento» e dos «deputados» para que, ajudando os eleitores, não lhes faleça a coragem de pôr os nomes aos bois e que nos digam então quem são e a que partidos pertencem os deputados que ou nunca falam, ou são preguiçosos, ou são incompetentes ou são protagonistas de atitudes, cenas e episódios desprestigiantes. E depois veremos que conclusões políticas se podem tirar e o que é que sobra das suas constantes generalizações.

Infelizmente o Arq. Saraiva não nos iluminou com a sua nova e original alternativa ao actual Parlamento. Apenas nos disse que tem de ser uma instituição «leve, rápida, transparente e tecnicamente preparada». E nós, a rematar, apenas dizemos que já agora convinha que fosse representativa das opções dos portugueses e que não fosse nem uma velha Câmara Corporativa nem uma modernaça Comissão composta por representantes dos «mercados» e dos «media». — Vítor Dias


«Avante!» Nº 1363 - 13.Janeiro.2000