FILHAS
e enteadas



O FMI exigiu a Portugal cortes nas despesas sociais do Orçamento de Estado, com «soluções de choque: controlo dos salários da Função Pública, da despesa com a Saúde» (D. Notícias, 23.10.99). Não é a primeira, nem há de ser a última vez que nos afirmam ser «necessário» cortar despesas e direitos sociais, reformar os sistemas de previdência, poupar o dinheiro dos contribuintes. A mais recente obsessão parece ser a de elevar a idade das reformas. Na jantarada que abrilhantou a recente «Cimeira dos Progressistas» (curiosa designação para os serventuários de turno na gestão dos interesses do grande capital mundial: Clinton, Blair, Schroeder, Jospin, D’Alema, Prodi, Solana, FH Cardoso e, num canto, Guterres), o «progressista» Presidente da Comissão Europeia, Prodi, afirmou: «uma das ideias que se discute hoje na Europa é a de elevar a idade das reformas» (La Stampa, 22.11.99). Outro «progressista», o ainda 1º Ministro de Itália, D’Alema, pediu que se acelerassem os prazos de aplicação da reforma do sistema de previdência em Itália que, entre outros aspectos, eleva a idade das reformas. Na plateia, um dos verdadeiros patrões de Itália, o Agnelli da FIAT, ouvia, orgulhoso, a sua «progressista» criadagem. «Hoje eleva-se a esperança de vida das pessoas, e portanto deve-se elevar também a idade das reformas», afirmou. E recentemente, o Presidente da Associação dos Fundos de Pensões do Reino Unido também defendeu a elevação da idade das reformas dos 65 para os 70 anos. Com o aplauso dum comentarista do Financial Times (9.10.99), que acrescentava ser esta a «opção que está a ser escolhida pela maioria dos governos». Isto, apesar de ainda há pouco ter sido elevada de 60 para 65 anos a idade da reforma das mulheres britânicas (e das portuguesas...). O desemprego alastra, as novas tecnologias permitem produzir muito mais com muito menos mão-de-obra, mas os «progressistas» que nos governam querem obrigar os poucos que têm emprego fixo a trabalhar ainda mais anos! Os mercados financeiros andam encharcados em dinheiro, mas quando se fala em despesas sociais, o dinheiro «não existe»...

Se as despesas sociais são enteadas, outras despesas há que são seguramente filhas. No DN não constava que os subsídios do Governo para a expansão dos lucros privados de Belmiro de Azevedo na América Latina, ou os jogos de guerra de Guterres nos Balcãs, tivessem suscitado qualquer reparo do FMI. E a prioridade da Comissão Europeia de Prodi parece ser a criação de novas forças militares de intervenção rápida. Como afirmou o Primeiro Ministro britânico Blair, «a capacidade militar da Europa nesta fase é modesta – demasiado modesta» (Financial Times, 9.3.99). Reparos, e fortes, ouviram-se quando o Governo alemão, empenhado em efectuar severos cortes orçamentais nas despesas sociais, não aumentou o seu orçamento militar, actualmente de 47,7 mil milhões de marcos. O «progressista» Ministro da Defesa americano Cohen foi, em pessoa, discursar numa «reunião de generais e almirantes alemães», afirmando que isso era inaceitável. Cohen «afirmou que a atribuição de apenas 1,5% do PIB para a Defesa não era suficiente, e enviava uma mensagem negativa para os aliados Atlânticos, em especial os novos membros da NATO, a Polónia, a Hungria e a República Checa. As verbas orçamentadas pela Alemanha para investimentos militares e equipamento com novas armas "devem aumentar substancialmente de forma a se equipararem ao que é típico dos outros aliados principais", declarou Cohen, sublinhando o esforço de Washington para que a Europa gaste mais com a Defesa» (Financial Times, 2.12.99). Que bela lição de respeito pela não-ingerência nos assuntos internos doutros Estados, pela subordinação dos militares aos seus Governos, e pela poupança do dinheiro dos contribuintes...

Os cortes nas despesas sociais são a outra face da moeda do aumento das despesas militares, e dos subsídios ao grande capital. É o capitalismo do ano 2000, que está cada vez mais parecido com o do ano 1900. Para garantir direitos sociais é necessário derrotar os serventuários do grande capital, qualquer que seja a sua designação. Mandá-los trabalhar para a estiva, com reformas só após os 100 anos? Ou para a pré reforma já, com pensão de miséria? — Jorge Cadima


«Avante!» Nº 1363 - 13.Janeiro.2000